“O Estado quer privatizar, mas também quer ficar”

“O Estado quer privatizar, mas também quer ficar”

A Lei das Instituições Financeiras vai sofrer alterações consideradas estruturantes para, entre outros objectivos, alinhar o sistema às práticas internacionais. Qual é a sua opinião?

A minha opinião não é novidade, porque são exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI) e é fundamental. Está de acordo com o definido no critério de concessão de crédito que o Fundo assinou com o Governo de Angola.

 Essas medidas, no meu entender, vão levar em consideração os agentes económicos internacionais, para lidarem melhor com o sistema financeiro angolano, criado por agentes políticos e militares, particularmente o sector financeiro privado. Era necessário desmitificar essa ideia aos correspondentes internacionais, de que eliminamos a figura de pessoas politicamente expostas do sistema financeiro.

Então acredita que as alterações à lei promova a competitividade ao mercado?

 A competitividade não deriva de lei dirigida pelo banco central, mas de menos regulação.

E essa alteração desregula o mercado?

 

Essa alteração traz credibilidade ao nível internacional, do ponto de vista dos correspondentes, porque tinham a ideia de que este era um mercado amarrado e com influência política e de militares no sistema financeiro.

E o governador do BNA, José de Lima Massano, recomendou os bancos a concederem ‘crédito responsável’, quando discursava na abertura das jornadas do 45.º aniversário do trabalhador bancário. Quando estamos diante de um crédito irresponsável?

Essa abordagem é antagónica, porque a concessão de crédito depende de dois elementos importantes. Primeiro, a confiança, porque os bancos concedem crédito mediante avaliação da viabilidade, a perspectiva económica e a sustentabilidade dos projectos.

Os bancos privados, particularmente, respeitam os critérios objectivos na concessão de crédito, porque sabem que o dinheiro é dos clientes. Agora, quem mais faz créditos irresponsáveis na economia angolana não é o banco privado, mas o banco público.

 Como justifica?

Se colocarmos como parâmetro a métrica crédito malparado, só 16% é atribuída aos bancos privados. O restante é da banca pública. Os bancos públicos são menos responsáveis na concessão de crédito, porque junta a isso a política, o amiguismo e tem-se a ideia de que a coisa do Estado não é de ninguém. Então permitem-se negociatas na banca pública. Então, o banco privado se conceder crédito irresponsável vai falir, mas em relação ao banco público já existe uma ideia para salvá-lo.

A nova proposta de Lei do BNA poderá conferir ‘poderes especiais’ ao governador. A independência do banco central é um tema candente.

 

É um tema que está na mesa do FMI que exige independência do banco central e que o Governo não deve intrometer-se na sua actividade. O FMI exigiu e o Governo tem de honrar porque está acordado. Acontece que conceder independência total ao BNA obriga à revisão constitucional, à luz do número 1 do seu artigo 93.º, segundo a qual “Constitui reserva absoluta do Estado o exercício de actividades de banco central e emissor.” Mas como não estamos a fazer a revisão constitucional, ficou-se pelas nomeações e exonerações. Mas o fundo da questão é a condução da política monetária. O que estraga a economia não são as nomeações ou exonerações, mas a influência que o BNA sofre na condução da política monetária.

 Deputados aprovam proposta de Lei que altera a Lei de Bases do Sector Empresarial Público e o destaque recai para o surgimento das ‘Golden Shares’. O que isso pressupõe?

Golden Shares é uma categoria e acções especiais que conferem ao seu detentor ou dono direitos comuns de acção ordinária, direito de veto e de algumas questões estratégicas. Ou seja, um accionista com esse estatuto pode ter 3% e ter poder os sócios que detêm a maioria. O Estado quer privatizar, mas também quer ficar. É isso que os jornalistas chamavam, na altura, de ‘ngolo yami, mas fico’. Quero ir, mas quero ficar. É muito triste, porque estamos a voltar onde Portugal já saiu. Até na forma de organizar a economia, não bastam as leis! Estamos a seguir Portugal com as Golden Shares, quando a Comissão Europeia já pediu a Portugal para reduzir, porque produz tráfico de influência e negociatas.

Houve quase unanimidade na Assembleia Nacional, tirando a CASA-CE…

Os deputados mostraram que não querem economia de livre mercado em Angola. Querem uma economia em que o Estado coordena e manda. Fico triste, porque continuamos a apostar no capitalismo do compadrio, no mercantilismo patrimonial. Há uma desvantagem enorme quando o Estado está nas empresas, porque não atrai investimento directo estrangeiro.