Angola Minha Namorada

Angola Minha Namorada

Incredulidade! Foi o que senti e sei que muitos também ficaram, sentiram o mesmo. Não acreditei, ou talvez não tenha querido acreditar quando li a primeira mensagem que me chegou… E fui-me surpreendendo ao longo desse dia e dos seguintes, não com o número de pessoas que o admiravam, mas que o conheciam. Waldemar Bastos, o homem que não terá agradado a todos (o que é normal) mas que, enquanto cantor, reúne consenso.

Magoado. Revoltado. Triste. Intrépido. Frontal. Waldemar Bastos era tudo isso e muito mais. Um vulcão em erupção! Waldemar cantou Angola a partir de fora, de fora do seu país natal, cantou Angola em vários palcos entre onde viveu e aqueles que visitou em trabalho, dizendo-se homem do mundo. E não duvido que assim o sentisse, ainda que sempre angolano.

Há quem questione a angolanidade de angolanos (permitam-me o pleonasmo) que vivem fora de Angola, dos que são filhos e/ou netos de pais/avós nascidos em outros países – e isso acontece sobretudo não com os descendentes de portugueses como eventualmente se poderia pensar ou esperar, mas com os descendentes de são-tomenses. Os que assim pensam situam-se entre a ignorância sabuja (e refirome àqueles que serão letrados e por isso teriam a “obrigação” de corrigir quem não teve ou tem acesso a informação esclarecida) e os aproveitamentos políticos. Não é somente desconhecer a Constituição do país. É também (e sobretudo) o profundo desconhecimento e ativismo relativamente à questão das identidades, que carece de uma abordagem frontal. E isso é tão verdade que o Dr. Edmundo Rocha, médico angolano que militou nas fileiras do MPLA na década de 60 do século passado, passou por poucas e boas para obter o BI angolano, nunca tendo conseguido obter e viajar com o passaporte angolano – e como isso o magoava, e revoltava. Em Portugal foi uma referência no activismo, nomeadamente na qualidade de presidente da Casa de Angola, dando a conhecer e honrando a sua amada Angola. Quando partiu, em Março último (e o partido de que foi militante parece que o homenageou com um comunicado mas, que eu saiba, não interveio para que o mesmo tivesse obtido o passaporte!), queria ter feito uma homenagem ao meu ilustre amigo, ao meu camarada de activismo social e cultural, meu camarada de tertúlias, nos últimos anos meu camarada de almoços com a sua querida esposa (por força do seu estado de saúde), pretexto para pôr o “país em dia”. Em Março, “desconsegui”. Não imaginam quão pesaroso está a ser, neste preciso momento, escrever estas adiadas linhas… As minhas visitas a Lisboa têm agora menos encanto por já não o ter lá. Como também “desconsegui” escrever sobre o Waldemar na semana passada. Mas assim como não se adiam as emoções, não posso continuar a adiar estas linhas em que agora falo de 2 angolanos que, vivendo em Portugal, foram, fizeram mais por Angola do que muitos dos que questionaram a sua angolanidade, questionando a de tantos outros. Esta prática de uns serem filhos e outros enteados, de uns serem mais angolanos que outros, acontecia (será que já não?!) também e perversamente, na atribuição de condecorações e prémios. Era mesmo flagrante! A atribuição, por exemplo, do Prémio Nacional de Cultura e Artes, se não passa(va) pela direcção do partido no poder, por lá navega(va). Para o ilustrar, temos os casos do Waldemar (2018) e do Agualusa (2019). Por isso é claro que isso leva a que se questione a seriedade na atribuição dos prémios! Por isso é claro que se questione a seriedade, a transparência das instituições, dos diferentes organismos. E é igualmente claro que, para que as nossas instituições tenham credibilidade, têm que ser fiscalizadas e responsabilizados os que as dirigem. Por isso 2017 é um ano a reter, um ano que esperemos marque, indelevelmente, um novo tempo – queremos uma Angola onde o pós-2017 seja visível.

Eram patriotas os angolanos que nas décadas de 80 e 90 viviam no exterior? – outra questão para alguns dos “iluminados” deste nosso país. Outra ainda, se seriam patriotas os angolanos que não eram militantes ou simpatizantes do MPLA? Entretanto, nunca se perguntaram (esses “iluminados”) se eram patriotas aqueles que desviaram, se locupletaram com o erário público! Ser patriota é viver, trabalhar, amar, cantar, da maneira que se sabe e se sente, o país onde se nasceu. Ou se escolhe como seu. Quer dizer que há diferentes formas de se ser angolano, de se viver e sentir Angola. Quer dizer que é a tchianda tão angolana quanto a kazukuta, o semba, o kilapanga… Angola é (a) namorada de todos os angolanos. Diria mesmo, de todos quantos se sentem angolanos. No espectáculo que o Waldemar deu em 2018, em Luanda, e que a TPA 1 passou há dias, ele estava feliz! Estava em casa e sentia-se amado. Foi o que senti. Waldemar Bastos deixou uma legião de fãs. E também de amigos. Amigo de muitos. Meu amigo também. Até sempre!

POR: Elisabete Ceita Vera Cruz