“Tempos Covidianos”

“Tempos Covidianos”

Henriqueta é uma jovem informada e considera-se bemsucedida, recém licenciada tinha conseguido um emprego que lhe garantia honrar com os seus compromissos e guardar um pouco para viajar, elemento da nova geração “millenial” vivia conectada tendo perfil em todas as redes sociais do momento. Quando a pandemia da Covid 19 chegou acompanhou a sua expansão e ficou estupefacta com a rapidez da propagação. Considerou que num planeta cada vez mais globalizado e interligado seria difícil não ficarmos todos infectados.

Hoje trabalha em regime de teletrabalho, encomenda refeições pela Tupuca, Kubinga, Foodyas, compra roupa, produtos de limpeza, alimentos ou brinquedos pelas várias páginas do Instagram, Facebook ou grupos de Whtasapp.

Está até a considerar criar com umas amigas uma página de venda de roupa em segunda mão pois com as poucas vezes que sai de casa descobriu que tem roupa a mais….

Cremilda é mãe de 6 crianças todas em escadinha, deixou de procriar quando uma amiga da zunga disse-lhe que conhecia uma senhora que ajudava vendedoras informais e que providenciou um encontro com uma médica que lhe explicou o que é planeamento familiar e desde então começou a fazê-lo.

Saiu de Malange ainda criança e veio com a mãe e os irmãos tentar a vida, pouco estudou tendo frequentado umas explicações dadas por um vizinho professor. Sonhava ser enfermeira mas com 22 anos tem dúvidas sobre se será possível… Conheceu o pai dos 3 primeiros filhos na casa de uma amiga e achou que o jovem era sério na altura não percebeu que tinha outro compromisso e que estava noivo, o actual companheiro tem outra relação e ela aceita, pois são deles os três mais novos e mal ou bem ajuda nas despesas da casa, costuma pernoitar com eles de sexta a domingo e na outra familia de segunda a quarta tem a quinta-feira livre sem encargos familiares.

Cremilda sabe que há uma nova doença o Coronavirús, comprou máscaras para todos de casa e tenta que lavem as mãos quando há água… Zunga todos os dias mesmo sabendo que não devia, mas como não tem conhecimentos nem de poupança nem de como gerir o negócio, sujeito às imprevisibilidades dos fiscais, resume a sua receita no “chapa ganha, chapa gasta”.

Inácio resolveu empreender, a pandemia mostrou-lhe que ser estafeta era uma opção para a suspensão das aulas, professor de inglês, viu que não precisava de ter um negócio seu, podia apenas fazer chegar ao cliente o produto dos outros.

Começou com um acordo com donos das cantinas, que tinham clientes fiéis mas com receio de sair de casa, depois passou para as vizinhas que faziam encomendas de petiscos e bolos e estava agora a tentar negociar com alguns restaurantes da zona. O que ganha está a aliciar alguns colegas e outros kupapatas que pela proximidade não têm muitos clientes.

Henriqueta, Cremilda e Inácio são personagens de ficção, contudo acredito que cada um representa uma história conhecida do estimado leitor, dando provas de que em alguns casos as pessoas adaptam-se desde que tenham condições. As crises não devem ser apenas tempos de incerteza e podem ser de esperança e desenvolvimento. Estes tempos covidianos instigam-nos a ser audaciosos e inovadores, a apostar na interdisciplinaridade e diálogo para que os vários actores da nossa sociedade consigam construir pontes, pois de nada vale pensar-se que se tem razão quando o barco tem fissuras e são poucas as mãos para as tapar….

POR: Kâmia Madeira