Falta de patrocínio pode “enterrar” Escola de Música Clássica Camunga

Falta de patrocínio pode “enterrar” Escola de Música Clássica Camunga

A Escola de Música Clássica Camunga, sita no Bairro da Luz, distrito urbano da Samba, criada sem fins lucrativos, e que já resgatou inúmeras crianças e jovens do mundo da delinquência, pode encerrar por falta de patrocínio, conforme revelou o seu fundador, Ntumba Camunga.

Improvisada num espaço a céu aberto, numa obra inacabada, com os varões de aço ainda à vista, a escola foi criada há nove anos, para apoiar crianças, adolescentes e jovens que estejam a perder-se no mundo da delinquência.

Com cursos de violino, violoncelo, contrabaixo, piano, trompete e canto, a escola tem, actualmente, mais de 60 quadros formados, e hoje leccionam também música noutras instituições privadas e em algumas igrejas localizadas pelo país. Em entrevista ao OPAÍS, o fundador conta que o “resgate”do mundo da delinquência é para dar um rumo melhor à vida e para aprenderem a música clássica como profissão. A escolha da música clássica deve-se ao facto de ela ter carácter terapêutico. “É um estilo de música que ajuda a afastar os maus pensamentos”, reforçou.

“Muitos alunos aprenderam aqui de forma gratuita e também de forma gratuita vão passando o conhecimento às outras crianças, porque um dos objectivos é esse: aprender e ensinar as outras crianças”, disse.

A maior dificuldade da escola tem a ver com o espaço. Como é possível ver através das imagens captadas por este jornal, além de ser em céu aberto, o local não reúne condições acústicas favoráveis, para ensinar e aprender música clássica.

O ambiente oferecido pelo espaço, dificulta na ressonância dos instrumentos e atrapalha, de acordo com o mestre Camunga, no processo de aprendizagem por causa dos ruídos produzidos pelos carros que ali circulam.

Com mais de 350 alunos, a escola não consegue satisfazer a demanda por ter dificuldades em adquirir acessórios sonoros, cujos preços variam de 36 mil a vários milhões de Kwanzas.

“E, como se não bastasse, há instrumentos que não são vendidos em Angola. Mas com 74 milhões, metade do orçamento do Hino dos 45 anos de Independência, a Orquestra estaria a funcionar em perfeitas condições”, disse.

Sacrificou a família pela escola

Para dar vida à escola, que alberga dois compartimentos, entre uma sala “inapropriada” para ensaios e outra de composição, esta última com as mínimas condições, mestre Camunga, como é tratado pelos alunos, teve muito trabalho.

Apesar de o espaço ser de família, o maestro teve de aplicar dinheiro para fundar a escola. Por não ter muito, com o que conseguia na altura, através do trabalho de acabamento de residências (ladrilho, estuque, aplicação de tecto falso), “deu vida” à escola. Além disso, fazia composições para determinados músicos, que lhe rendia algum dinheiro.

“A minha família várias vezes já passou por necessidades. Muitas vezes, ao invés de comprar comida em casa, preferi deixar a minha família passar fome para comprar os instrumentos musicais”, acrescentou.

Esta atitude foi afectando a sua relação com a esposa, mas, com o passar do tempo, ela foi compreendendo a causa e, agora, segundo o parceiro, apoia o projecto.

O Ministério da Cultura sabe da existência da escola. Ntumba Camunga falou que tentou várias vezes pedir ajuda ao Ministério da Cultura, mas sem sucesso.

Pediu que visitassem a escola para verem como trabalham. Apesar de saberem da existência da escola, nunca foram agraciados com uma visita da entidade de tutela.

Ao longo deste caminho, quem muito o ajudou foi a ex-directora do Instituto Nacional da Criança (INAC), Nilsa Batalha, que ao saber do projecto solidarizou- se com o mesmo e decidiu amadrinhá-lo.

Alunos reconhecem impacto da escola nas suas vidas

Para Teresa David, de 22 anos, aluna há cinco anos, a escola tem um propósito muito construtivo, que é o de resgatar aqueles que estão no mundo da delinquência. Conta que era uma pessoa muito arruaceira e até certo ponto estava a perder-se, mas graças à escola, tem uma ocupação.

“A escola tem um impacto muito positivo na minha vida, agora tenho mais amor pelas crianças, coisa que não conseguia sentir. A escola também tem-me dado uma óptima formação e eu acredito que amanhã serei uma óptima professora de música, além disso também poderei interagir melhor socialmente. Aqui temos também programas religiosos que são muito, mas muito, importantes”, reconheceu.

Já Eugénio Marciano, também de 22 anos, que tem uma paixão imperdível por música e instrumentos musicais, pelo que a escola fez por ele, afirma que tem uma profissão que dá para desenrascar-se um dia na vida, caso não consiga realizar os outros sonhos que tem.

Eugénio já é professor de música e com o que recebe das aulas que ministra já põe comida na mesa. A maior ambição da escola é que dela saiam sempre quadros para continuar a ensinar a música clássica, bem como poder um dia representar Angola, sendo um cartão postal para o Turismo. “Podemos, com instrumentais ocidentais, apresentar as músicas nacionais”, defendeu, o maestro.

Aprendizagem grátis

Qualquer um que tenha vontade de aprender música clássica, pode ingressar na Escola Camunga, que não cobra nada. Caso se tratar de um menor de idade, terá apenas de deslocar-se com o encarregado, para assinar o termo de responsabilidade.

Adiante, a Escola Clássica tem um plano de formação de cinco anos, repartido em quatro níveis. No 1º nível, depois de aprenderem as bases, passam para o Grupo C, onde consolidam o domínio dos instrumentos.

Subsequentemente, vem o Grupo B e, por fim, o Grupo A, este que é o principal e que representa a escola em algumas actividades. Neste nível, os alunos têm a liberdade de compor e tocar.

Além disso, Camunga conta que procura em bairros periféricos por jovens com comportamentos desviantes para trazê-los à escola. Quanto ao nome “Camunga”, como denominação da escola, é um tributo do fundador ao seu falecido pai, Ndomba Camunga, nacionalista do MPLA, que graças a si foi ao exterior estudar música para hoje estar a ajudar estas crianças e jovens.