Marcos Chivinda: “Não sinto mágoa por ter sido despedido diante dos meus jogadores”

Como nasceu a paixão pelo futebol?

A minha paixão pela modalidade nasceu muito cedo no bairro onde vivia. Na verdade, comecei a jogar na escola de futebol do 1º de Agosto, tive como treinadores Jaime Chimalanga e mister Tandu. Passei também pela equipa da Juventus do Palanca, onde treinei às ordens do professor Pelé, pai do Igor Nascimento, presidente da Associação Nacional dos Futebolistas de Angola (ANFA).

Depois fui fazer testes de admissão no Petro de Luanda, onde fui avaliado pelo ‘mister’ Amoleto Campos e o treinador Franco, infelizmente reprovei. Ainda assim, o período de avaliação foi uma escola para mim, porque aprendi muita coisa sobre o “desporto-rei”.

Como despertou em si o “bicho” para ser treinador?

Após ‘chumbar’ nos testes na equipa tricolor, tomei a decisão de ser treinador de futebol, com apenas 15 anos, porque verifiquei muitas injustiças durante os testes. Daí, comecei a seguir secretamente o treinador Oliveira Gonçalves e o Ti Nandinho, como minhas referências, mais tarde conheci o técnico Miller Gomes, Romeu Filemon e Arsénio, pessoas que me trataram muito bem.

Quem é o seu ídolo?

Ao nível nacional admiro muito o antigo ‘pastor’ dos Palancas Negras, Oliveira Gonçalves, que levou a Selecção Nacional em honras ao Campeonato do Mundo da Alemanha, em 2006. Já ao nível internacional, acompanhava muito os treinadores Alex Ferguson e José Mourinho. Os dois são os responsáveis pela paixão que tenho de ser treinador. Aliás, sempre notei que tinha algo para acrescentar ao nosso futebol e sentia que podia contribuir com alguma coisa para melhorar em algum aspecto.

Qual foi a primeira equipa que treinou?

Havia uma equipa no Maculusso “Maca Sport”que realizava sempre jogos com equipas federadas para dar oportunidade aos jovens daquela zona que o futebol não se praticava só no subúrbio, ou seja, periferia. Comecei a ser valorizado pela qualidade de jogo que a minha equipa apresentava diante de equipas federadas, tendo o meu clube deixado uma excelente impressão no Torneio 5 de Outubro, prova organizada pela Rádio Nacional de Angola (RNA), em 2009. O certame tem como o objectivo saudar mais uma aniversário da rádio. Volvido um ano, surgiu o convite para fazer parte dos quadros de treinadores do Atlético Sport Aviação (ASA), mas no escalão de iniciados e no mesmo ano fui chamado para assistente da equipa sénior às ordens de José Diniz.

Apesar de seguir de forma secreta o técnico Miller Gomes e Oliveira Gonçalves, onde fez a formação?

A minha primeira formação foi feita no Brasil pelas ‘mãos’ do ASA, quer dizer, todos os anos o clube aviador envia para a terra brasileira os treinador de modo a fazerem formação com o objectivo de aumentar o nível de conhecimento de cada um. Neste momento, tenho o nível três do Brasil e pertenço ao Sindicato dos Treinadores do Rio de Janeiro (SINTRUFJR). Tenho frequentado os cursos ministrados pela Associação de Treinadores de Futebol de Angola (ATEFA), onde sou filiado e tenho as minhas quotas bem regularizadas.

Qual foi o sentimento ao assumir o comando técnico do Kabuscorp em 2019?

Primeiro fiquei muito feliz em saber que era o treinador mais jovem, com 35 anos, do Girabola, Campeonato Nacional de futebol da primeira divisão, mas também sabia das grandes responsabilidades em estar a orientar uma equipa principal e no caso o Kabuscorp do Palanca, clube com uma massa de adepto muito exigente. Felizmente, já tinha uma grande preparação, porque fui timoneiro assistente de dois timoneiros angolanos Romeu Filemon, em 2016, e Miller Gomes, em 2017, na turma do Palanca. Um ano depois, fui treinador adjunto de Sérgio Traguil e na mesma temporada trabalhei com Kostadin Papic. Em 2019, era também adjunto do português Paulo Torres, no Kabuscorp, quando o técnico foi demitido trabalhei como treinador interino da equipa da Rua F do Palanca e o sentimento foi positivo.

A equipa de Bento Kangamba tem alguma dívida com o mister?

Sim, há uma dívida, mas não vou entrar em mais detalhes. Contudo, tenho uma reunião na próxima semana com o presidente do clube.

Como foi a sua passagem pelo Santa Rita de Cássia do Uíge?

Na verdade, a minha passagem pela equipa das terras do ‘Bago Vermelho’ foi boa, mas como os treinadores vivem de resultados… o clube não conseguia os resultados que os adeptos exigiam e fui demitido.

O senhor foi demitido diante dos jogadores e na altura considerou uma humilhão. Por este facto sente mágoa do Santa Rita?

Não. Porque primeiro sou cristão, segundo já tive grande preparação psicológica antes de ser treinador de futebol. Ora bem, sou um treinador profissional e compreendo facilmente o ser humano, tenho-boa relação com o presidente, Nzolani Pedro e a sua família. Por outro lado, acho que não sou a pessoa indicada para analisar se o presidente agiu mal ou não, mas fui bem tratado pelo povo do Uíge.

Aceitaria voltar a treinar a equipa de Nzolani Pedro?

Não.

Porquê?

É uma questão pertinente, porém acho melhor não responder.

Já se pode sobreviver como treinador de futebol?

Acredito que sim, mas é imperioso haver melhor organização por parte das equipas de modo que os treinadores possam viver melhor. Ainda assim, é muito complicado quando vives em casa de renda e tens filhos que estudam em colégio, acabas por ficar a viver com dívidas e atrasar o ano lectivo dos meninos.

Apesar da pandemia da Covid- 19, como está a sua carreira?

Em momento de Covid-19, que assola o mundo, não está a ser fácil para os treinadores, ou seja, no meu caso, em particular, está ser muito difícil, porque estou no desemprego. Deste modo, aguardo por novas oportunidades de trabalho para conseguir dar de comer à minha família e pagar a escola das crianças.

Que avaliação faz do futebol?

O estado actual do nosso futebol não é bom, pois é imperioso ser revisto. Ora bem, é importante organizar o futebol de formação, criar condições de trabalho para quem faz o trabalho de formação, fazer um bom programa para a nossa formação, têm que valorizar todos que se dedicam ao trabalho da formação.

Deixa acrescentar outros pontos que não se pode esquecer é organizar o trabalho de transição dos jogadores oriundos da formação para as equipas seniores. Deve haver campeonatos em todos os escalões, a partir dos provinciais e municipais. Para melhor desenvolver o desporto- rei no país, o Governo deve construir mais campos nos bairros. Só assim estaríamos a organizar o nosso futebol e atrair os empresários nacionais e internacionais.

Perfil

Marcos Alberto Chivinda é um jovem treinador de futebol, natural do Huambo, bairro das Cacilhas, nasceu a 28 de Abril de 1984. Em 1986, ele com a sua mãe, na altura grávida, e o irmão foram obrigados a fugir para a cidade de Luanda, face à guerra que assolava a província do Huambo.