Institucionalismo e gentileza profissional

Institucionalismo e gentileza profissional

Durante uma fase da minha vida profissional cruzei-me com a gentileza profissional e a capacidade de preservação do bom nome institucional da justiça do Dr. Cristiano André.

Com ele aprendi, ao longo das várias paragens geográficas do país, num processo de formação dos oficiais de justiça, grandes recordações, que a “justiça representa o símbolo mais alto da materialização do estado democrático e de direito”… e fazia questão de nos fazer perceber, algumas vezes de forma muito altiva, que o tribunal não era um espaço qualquer… mas sim espaço de nobreza e, por isso, o rigor no cumprimento dos prazos, no respeito pelas hierarquias e na organização dos processos não podiam ser negociados.

Quase sempre ficava chateado quando percebesse que um certo operador de justiça desrespeitasse deliberadamente os princípios norteadores (leis e regulamentos) da gestão dos processos. Daí que no seu tempo… fazia questão de participar dos processos de formação dos oficiais de justiça, dando a cadeira de “Actos de Secretaria”.

Foi também no seu tempo que numa colaboração entre o Ministério da Justiça e o INEJ, com financiamento das Nações Unidas, foram lançados o “Guia dos Funcionários da Justiça” e o “Manual do Magistrado Municipal”, no intuito do fortalecimento da capacidade da administração da Justiça nos tribunais em Angola.

Lembrei-me destes grandes momentos de aprendizagem porque hoje, quando observo determinados episódios que reflectem o aprofundar da degradação das instituições, percebo, com alguma tristeza, que há um legado institucional que vai morrendo lentamente… sem dó nem piedade.

A mudança geracional acompanhada de uma espécie de vingança absurda ou até, “do agora chegou a minha vez”, permitenos concluir que o País vai sendo adiado em favor da promoção dos protagonismos individuais e da sobre valorização do interesse individual.

Pode não parecer, mas a prática demonstra que o respeito pelas instituições também está condicionado á gentileza profissional, ao desejo de nos sentirmos vaidosos pelos resultados positivos do nosso trabalho. Como sugere Teixeira Cândido, “o mundo das referências positivas não acabou com o Nelson Mandela”.

O tráfico de influência ou o clientelismo são actos seculares, que sempre enfraqueceram as organizações e fizeram com que sonhos não fossem concretizados pois, de “boas intenções o inferno está cheio…”. No entanto, a objecção de consciência também é uma boa intenção e na mesma proporção vai promovendo referências positivas e de grande valor para a humanidade.

As Instituições na sua essência, permitem a todo tempo recompor as relações sociais, organizar espaços e recortar limites. Quando valorizadas e representativas, reflectem práticas e experiências que têm como premissa o impulsionar de experiências colectivas criadoras de novos saberes, ou seja, quando elas servem o interesse de um projecto de Estado que resulta da coesão democrática, promovem o bem comum e não os interesses de poderes difusos, com locus privilegiado e de classes dominantes.

O problema da usurpação dos poderes institucionais, ou se quisermos, a sobreposição dos interesses privados aos interesses colectivos é reflexo de uma “ausência clara de patriotismo” ou até “patriotismo fingido” que facilmente encontra acolhimento nas narrativas muito bem construídas de que o “patriotismo e a ética não enchem barriga”.

Para o caso do poder judicial, como sugere o historiador francês Edgar Quinet “a democracia tem necessidade de justiça, enquanto a aristocracia e a monarquia podem passar bem sem ela”, ou seja, quando a justiça é pura e cumpre com o seu dever, mais facilmente o Estado Democrático e de Direito se realiza. Doutra forma esqueçamos… tudo o resto passa a utopia.

O “ser patriota” não é um título em si mesmo… SER PATRIOTA implica viver e sentir a pátria com amor… não basta respeitar os símbolos é também necessário encarná-los e passar a construir atitudes em volta da sustentabilidade dos mesmos. SER PATRIOTA implica sentir a pátria… mesmo quando ela está em silêncio.

O país está sedento de gentileza profissional que garanta a sobrevivência institucional e que coloca, antes de tudo, o interesse da colectividade em primeiro lugar. Quando a estrutura institucional se põe a serviço dos egos degrada- se, perde o seu sentido original e transforma-se num instrumento de destruição de liberdades democráticas e de sonhos de desenvolvimento.

Para bem do país e do mundo… sigamos sendo patriotas e repensemos o país, sob pena de perpetuarmos a pobreza e a miséria que nos caracteriza.

POR: Josué Chilundulo