Nossas boas referências e o tempo de então

Nossas boas referências e o tempo de então

A Teté que lavava a cara, o Dudú que comia matete, o Ganga, o guloso , o António que caiu do pau, a família do Nelito, o Sabalo que tinha o dedo dorido e muitos outros são testemunhas, podem vir altear a voz em defesa de uma dada geração. Acompanharam-nos quando Sol parecia estar, ao mesmo tempo, em todo lado. Pelo menos era assim que pensava a geração que viu o carrossel a ser apresentado pela tia Milú e a kota Sandra.

Juntar as sílabas é dos mais difíceis trabalhos que uma criança pode ter, saber que “Cucu” não é uma dupla ofensa, naqueloutra idade, só mesmo vendo a ilustração de um pássaro ou sob acção da Maria, a senhora das Dores. E foi assim, que uma determinada geração aprendeu a ler e a interpretar os signos dos tempos e as lições vinham todas ilustradas e mais do que ler palavras, primeiro aprendia-se a ler os sinais por meio de uma associação com o que se relacionava connosco.

Ou seja, fomos levados a conhecer a vida através de referências que muito tinham que ver com a nossa forma de vida, foi o caso do menino Marcelo, na lição “Todas as coisas têm nome”, que nos procurava inculcar o espírito de investigação através de questões sempre estranhas, porém, pertinentes… já que a Lua vem no período nocturno que tal a saudação naquele período deixar de ser boa noite e passar a ser bom lunar, e a cadeira que serve de assento passar se chamar de assentador? Foi com textos do tipo que chegamos a conhecer a palavra e o acto de questionar.

Hoje, morreu-nos a Maria das Dores e com ela algum juízo também, daí a incapacidade de revermos os nossos passos e buscar respostas às nossas próprias experiências; parece que ficamos sem estas referências e as ditas reformas vieram trazer-nos os azares que nunca pensamos em abraçar. Naqueloutro tempo, o menino Augusto Ngangula, mesmo fictício e tendencioso, incitava-nos um espirito patriótico; a Oriana, ao salvar o peixe, ensinava-nos que os animais devem ser protegidos; a Boca e a Mão, essa então, era uma lição para vida inteira que somos um grupo e só em equipa é que chegaremos a resolver os nossos dikulos; até os famosos bonecos (desenhos animados) não morriam. Davam-nos a devida ilusão da infância… que saudade!

A Rua Sésamo, jogava na mesma equipa que a Tv Colosso, eram todos uma referência de bem-estar na vida, perguntem ao Compadre Catinflas(?) ou à Cispita! E só não crescemos com uma visão careta do futuro pelas referências que nos associavam aos polos mais positivos da vida numa Angola de fome, raiva e até mesmo escuridão. E hoje? Parece-nos que todos os nossos heróis, tombados pelas independências, deixaram de ser de 4 de Fevereiro e voltamos a depender dos sonhos e ziguezagues dos outros. É que estas reformas de tão envelhecidas que andam, aliás, já nasceram caducas, só nos trouxeram males e muitas vergonhas!

Todas as reformas concorrem para um paraíso, e essas nossas epitetadas mudanças de paradigma, embora sejam adoptadas com algumas boas vontades, são anuladas pelas contrariedades aplaudidas pelas políticas e acções de muitos que dizem querer mudar. Mais do que nos ajudar, estamos a fazer o que nenhuma das regras da ética sugere, resumindo com a gíria: estamos a cagar no prato em que andámos a comer!

Que sociedade é esta que se diz concorrer com as demais do mundo, num contexto mundial cada vez mais feroz, mas que não conhece os seus modelos de garra e bravura, de paz e honestidade? Que nação se diz forte e sólida se não conhece os seus troncos, nem os novos e muito menos os antigos?

Perguntas vão e perguntas ficam, mas fica a certeza de que esta é, na verdade, a hora de nos ligarmos às vontades felizes de nos fazermos reformados para o melhor; a hora de nos insistirmos na tecla dos desenvolvimentos e sairmos  à rua com as bocas cantantes, quais pássaros, alegres e retumbantes na fala e abraçados aos possíveis paraísos que nos podem dar essas tão perseguidas reformas. É mesmo de reformas de que precisamos, desde que não nos roube a essência e que não ofusque as nossas referências das quais já estamos em falta.

Naquela altura, a educação estava sob chancela dos ministérios da educação e cultura, o que nos subentendia o valor da cultura na educação da sociedade, mas hoje… por hoje separou-se a cultura da educação e estamos sem cultura de educação, e ambos ministérios se tornaram mais vagabundos que o meu vizinho Man Brito, lá do bairro da Cuca, que se visse essas coisas de sermos assim-assim de certeza que, com aquela sua bem-dita matumbice, gritaria com aquela voz roca qual um galo idoso: tá na hora de sermos melhores, ó angolanos! Escritor e Ilustrador

POR: Kaz Mufuma