É de hoje… Coisas do campo

Lembro-me de alguém me ter dito um dia que os angolanos, muito por influência dos portugueses, atribuem-se os títulos de doutores a granel. Seja qual for a formação, média, universitária ou até mesmo mestrado quase todos somos doutores por força do hábito e os que nem o são nunca, humildemente, recusam o título.

Há quem diga que isso emana da mania da gravata, dos ‘ternos’ e de outros modus vivendi que fazem de nós, uma suposta maioria, homens da cidade, que olham para o campo como uma área a ser desvalorizada, principalmente quando se trata de lá trabalhar. Compreende-se que durante largos anos se investiu na ideia de que o campo era coisa para subalternos e as cidades espaços privilegiados para as elites, principalmente para os que se sentem mais civilizados que os demais.

A tendência dos últimos tempos, incluindo aqui em Angola, vai mostrando que muitas das oportunidades acabam por vir das grandes parcelas e empreendimentos que vão sendo erguidas naquela Angola profunda. Aí onde nasce todos os dias aquilo que nos alimenta. A velha lógica de que o campo ou o meio rural está apenas destinado aos desafortunados já é arcaica. Os grandes empreendimentos que vão sendo erguidos longe das grandes cidades necessitam, tanto quanto sei, das mesmas profissões que antes pensávamos serem apenas exercidas nas grandes cidades.

As fábricas, fazendas, indústrias e outras instituições construídas no interior precisarão de gestores, psicólogos, profi ssionais de comunicação social, engenheiros e especialistas de várias ordens. Há alguns anos, no município do Luquembo, em Malanje, testemunhamos uma recepção oferecida por alguns deputados a uns jovens enfermeiros e professores que haviam abandonado as suas cidades e vilas para ali se instalarem. Muitos continuam lá, apesar dos sacrifícios e expandiram as suas actividades para outras zonas de influência.

Outros regressaram para as grandes cidades porque já não se conformavam com aquela vida supostamente monótona. A palavra campo – ou agricultura- muitas das vezes acaba por ter várias conotações pejorativas como se fosse unicamente serviço de gente pobre e sem sorte. Felizmente, muitos que lá estão acabam por ser mais sortudos por uma razão muito simples: você, leitor, que lê este pequeno texto, de que é que se alimenta?

O processo que leva à produção destes bens acaba, com certeza, por contar com a participação de muitos quadros formados nas mais diversas áreas. O campo é, sim, uma terra de oportunidades. Não é em vão que as grandes fortunas que surgem hoje pelo mundo sejam de pessoas que investiram fortemente na terra. E há estados africanos que, felizmente, despertaram para isso mais cedo do que nós.