Juízes e procuradores dizem estar em situação de quase mendicidade

Juízes e procuradores dizem estar em situação de quase mendicidade

Os Magistrados Judiciais e do Ministério Público dos tribunais de primeira instância estão “numa situação de quase mendicidades”, revelam os magistrados Adalberto Gonçalves e José Buanga, representantes das duas classes numa carta, em protesto a redução dos benefícios a que têm sido alvos

Afirmam que tal situação em que se encontram os seus associados, em especial, e os magistrados em geral, nada abona para a dignidade da função que exercem, não dignifica o poder judicial, num momento em que lhes é exigido um maior contributo para a consolidação do Estado democrático e de direito.

Adalberto Gonçalves e José Buanga, presidentes da Associação dos Juízes de Angola (AJA) e do Sindicato Nacional dos Magistrados do Ministério Público (SNMMP), enviaram uma carta aos presidentes dos Conselhos Superiores das Magistraturas destes dois sectores, solicitando que se reponha a legalidade, valorizando os profissionais do sector.

No documento, datado de 13 de Janeiro do corrente ano, enviado aos Conselhos Superiores da Magistraturas Judiciais e do Ministério Público, a que OPÁIS teve acesso, exigem que soluccionem os problemas relacionados com a falta de seguro de saúde e/ou de convênios para a assistência médica e medicamentosa dos seus associados e dependentes.

Defendem que se disponibilizem viaturas de uso pessoal para os magistrados dos dois sectores destacados em órgãos de primeira instância para que, de forma condigna e com segurança, possam melhor exercer a função que lhes são acometidas.

Afirmam, ainda, que há necessidade de se actualizarem os salários dos juízes e procuradores da primeira instância, em conformidade com as actualizações ocorridas nos demais órgãos de soberania e nos tribunais superiores.

Para fundamentarem a tese de que os profissionais do sector destacados em tais órgãos de soberania estão a ser injustiçados, recordam que a função pública, os deputados à Assembleia Nacional, os órgãos de segurança, os juízes dos tribunais superiores e, por equiparação, os magistrados do Ministério Público nestes tribunais beneficiaram de actualização dos seus salários face à inflação e à desvalorização da moeda.

Juízes descriminados

“Processo que ocorreu até finais de 2019, mas que não abrangeu os magistrados judiciais e do Ministério Público da primeira instância, alegadamente porque estava a ser revisto o estatuto remuneratório destes, o que, até ao momento, não aconteceu”, lê-se no documento a que OPAÍS teve acesso.

Para agudizar ainda mais a situação, Adalberto Gonçalves e José Buanga dizem que os dois órgãos superiores do sector têm vetado a participação dos magistrados da primeira instância, por intermédio das instituições que representam, na revisão do referido estatuto.

Enquanto tal não acontece, a AJA e o SNMMP dizem que têm constatado um certo agravamento da situação social e remuneratória dos seus associados, especialmente ao nível da primeira instância e instituições equiparadas junto às quais está o Ministério Público. “Verificando a redução gradual das regalias previstas e sem que se conheçam fundamentos de direitos”, atestam.

Uma situação que dizem ocorrer gradualmente, ao longo dos últimos anos. Período em que se deu não só a brusca perda do poder de compra dos salários dos seus membros, mas também uma injustificada privação de direitos e regalias legalmente previstos, sobretudo os de caris económico e social.

Atestam que, como se não bastasse, neste ano vai ser concretizado o corte dos poucos direitos que ainda eram satisfeitos, uma situação que vinha sendo conjecturada há já dois ou três anos. Algo que não aconteceu anteriormente por causa da pronta intervenção directa da AJA e do Ministé rio da Justiça junto da Presidência
da República.

Porém, os magistrados viram estes direitos e regalias coartados com a aprovação da Lei n.º 42/20, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2021. Desde modo, os referidos magistrados estão a ver-se numa situação pior da que vinham suportando até ao momento.

“Agrava ainda mais a situação o recente incremento do imposto de rendimento do trabalho e das contribuições da segurança social, bem como os demais impostos agravados e já em vigor, como o IVA”, afirmam. Consideram que tudo isso provocou a redução do poder de compra do salário, desvalorizando-o, e trouxeram uma verdadeira redução do valor dos salários até então auferidos pela maioria dos seus filiados.

“Desta feita, as duas entidades (associação e sindicato) (…) consideram urgente e imprescindível que as instituições do Estado a quem incumbe, em primeira e última instância, a garantia e a satisfação dos direitos dos magistrados Judiciais e do Ministério Público, sejam chamadas a actuar de forma urgente, concertada e prática para solucionar os problemas já identificados”.

Excluídos do OGE de 2021

Adalberto Gonçalves e José Buanga exigiram de Joel Leonardo, presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial, e Hélder Pita Grós, presidente do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, esclarecimentos sobre a situação e a intervenção destas instituições na elaboração do referido OGE.

De acordo com o documento, ambos solicitaram também que lhes seja apresentado um plano em concreto realizável que vise mitigar a situação a que estão relegados os juízes e procuradores no prazo de sete dias, a contar do dia 14 do corrente mês. Dia em que o documento deu entrada nestes dois órgãos de soberania.

Manifestaram, desde já, a intenção de recorrerem a outras instituições do Estado, cada uma ao nível das suas atribuições, até ser encontrada a solução dos referidos problemas, sem prejuízo de accionarem os mecanismos jurídicos convenientes para se reverter o quadro.

“Situação causada por um tratamento discriminatório que fere o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado”. Não obstante, manifestam que estão disponíveis para contribuir nos esforços dos Conselhos Superiores, no sentido de encontrar soluções para a melhoria do sistema judiciário, em prol de uma administração da justiça que salvaguarde o Estado de Direito.

Realçam, também, que, para efeitos de incompatibilidades e de impedimentos, bem como para usufruir do estatuto remuneratório adequado à função e à exclusividade imposta no seu exercício, os magistrados do Ministério Público são equiparados aos magistrados judiciais, conforme estabelece a Constituição.