Falta de cultura de leitura e crise financeira na base do desaparecimento de livrarias tradicionais em Luanda

Com o advento da crise financeira em Angola, no ano de 2014, aliado ao facto de muitos cidadãos não afeiçoarem o hábito e gosto pela leitura, conjugado com o preço alto dos livros, muitas livrarias foram “obrigadas” a fechar as portas, sobretudo na cidade de Luanda, conforme constatou a reportagem do jornal OPAÍS

 

De um tempo a esta parte, nota-se que muitas são, ou foram, as livrarias que se viram na necessidade de encerrar os seus serviços, pois, para algumas, não se conseguiu suportar a crise financeira que Angola enfrenta há alguns anos.

Para Albino Pakisi, professor universitário e autor de três obras literárias publicadas, a falta de cultura de leitura, por parte de muitos cidadãos angolanos, incluindo estudantes universitários, contribuiu, categoricamente, para a pouca lucratividade das livrarias, o que culmina com o desaparecimento de muitas, tal como aconteceu com as extintas livrarias Lello e Mensagem. O académico defende que “quando lemos pouco, as livrarias não têm como subsistir.

Quando as livrarias não vendem, a sua subsistência fica comprometida”, argumentou. A par das questões relacionadas com a pouca cultura de leitura, segundo Pakisi, um outro aspecto que incorre para o desaparecimento das “casas dos livros” é o pouco apoio por parte do governo, que devia criar políticas de incentivos em tornar os livros mais baratos, tal como acontece noutras geografias, como é o caso do Brasil.

Por seu turno, de acordo com Sandro Feijó, gestor da Editora Viana e autor de dois livros já editados, “é muito normal, em função do nosso contexto económico, algumas livrarias desaparecerem, porque muitas delas ainda continuam com uma visão tradicionalista e não vão se reinventando ao longo do tempo”.

Tal como Pakisi, para o jurista e escritor Nadilson Paim, o ponto fulcral para o desaparecimento de muitas livrarias tradicionais consiste, primeiro, na conjuntura que o país atravessa, na carga tributária imputadas às livrarias e, sobretudo, no alto preço para o arrendamento de imóveis, principalmente no centro da cidade ou em Talatona. O jurista ainda defende que “por conta dos valores exorbitantes que muitos livros são comercializados, muitos preferem recorrer a livros em formato pdf (digital), embora este não substitua a sensação de ter um livro em mãos, mas quem não tem cão, caça com gato”, disse.

Soluções para “ressuscitar” as livrarias

Albino Pakisi chama à atenção ao governo para incentivar mais a leitura, o que não se repara, porque a produção de um livro é muito cara, em Angola. “O governo angolano tem que tomar essa responsabilidade, porque a grande riqueza dos países não são os diamantes ou o petróleo, isso passa. A riqueza dos países é o povo. Então, nesta nova era, o governo tem de apostar verdadeiramente na fabricação de papéis, de modo a tornar o livro mais barato”, aconselha.

Além de apontar a culpa ao governo, o docente também apela à mudança de mentalidade dos jovens, pois “não se entende como um estudante possa ter um telemóvel de 200 mil Kwanzas, porém não consiga comprar um livro, muito abaixo deste valor”, questionou-se.

Para Nadilson Paim, o Estado deve rever os impostos aplicados às livrarias, para que o país possa crescer. “As livrarias, como têm e desempenham um papel fundamental e imprescindível no desenvolvimento coeso e na sanidade mental dos cidadãos, deviam beneficiar de um estatuto especial, em termos de pagamento de impostos, sendo que as livrarias não têm sido perdoadas e acabam por cair no rol de qualquer uma empresa que tenha um facturamento acima das livrarias”, rematou.

Preferência ao digital

Por outro lado, o estudante de Relações Internacionais do Instituto de Ciências Sociais, Baltazar Miguel, avançou que as suas pesquisas e buscas para aperfeiçoamento científico na academia tem sido, sobretudo, a Internet e a facilidade de troca de livros através dos grupos em que está inserido nas redes sociais.

“Nós temos carência gritante de livros. Alguns podiam mandar os livros de fora do país, uma vez que a maior parte da bibliografia é estrangeira, mas, devido à conjuntura, ficou mais difícil. A minha alternativa tem sido a Internet com as buscas no Google, assim como em grupos de whatsApp em que estou inserido e vamos fazendo as partilhas”, justificou.

O estudante diz ser uma prática bastante comum, sendo que, inclusive, esta ferramenta permite partilhar o programa curricular de outras universidades e vão comparando. Desse modo, vão acedendo aos debates.

Outro jovem estudante é Milton Silva, que atestou à nossa reportagem dizendo que está a frequentar o 3.º ano de Direito na Universidade Óscar Ribas e, para as suas pesquisas, além dos livros disponíveis na biblioteca da sua escola, quando necessita, recorre aos livros digitais, chegando a afirmar que por aí vai o caminho. “A Internet veio para facilitar. É verdade que é sempre bom termos os livros em mãos, mas a nossa realidade contrasta com o mundo real. Ou seja, temos muitas dificuldades de acesso a bibliografias.

Hoje a nossa vantagem é a disposição da Internet e das redes sociais que nos tornam mais próximos uns dos outros”, defendeu.

Nova livraria

Embora alguns estudantes estejam divididos entre o livro tradicional e o advento da Internet, por via muitas vezes das redes sociais, e também a falta de hábitos de leitura, salta à vista o nascimento de uma nova livraria em Luanda, pertencente ao escritor Ondjaki, denominada Kiela.

A iniciativa do jovem escritor mereceu elogios dos nossos interlocutores que indicaram ainda a existência, na capital do país, de alguns poucos alfarrabistas, que vão resistindo ao tempo, mas continuam, de “pedra e cal”, a desenvolver o seu trabalho com a venda de livros.

“Nem tudo está perdido. Mas é uma realidade da qual não podemos discordar, apesar da força da internet, há ainda quem procure pelos livros, não para pesquisas académicas, mas para desanuvio, em busca de uma literatura mais romanceada ou poética”, avançou.