A embriagada tríade gargalhando no candongueiro escurecido

A embriagada tríade gargalhando  no candongueiro escurecido

Já o céu de Luanda era um manto fúnebre, onde as escassas estrelas timidamente produziam alguma luz, quando embrenhei-me num candongueiro que aos pedaços ia se deteriorando nos buracos do asfalto maltratado pelas recentes enxurradas. Acomodado no assento do meio, por detrás do cobrador, esperava ouvir verdadeiras crónicas do quotidiano que, muito facilmente, ao cair da noite, são recontadas pelo cobrador ao seu motorista e vice-versa. Porém, diferente das empolgadas prosas e do ambiente alegre que comummente paira nos candongueiros luandenses, fazia um silêncio constrangedor à minha volta. E, para além do silêncio, eu não conseguia divisar perfeitamente os rostos dos que comigo seguiam viagem porque, à semelhança da noite que desengonçadamente dançava sobre a cidade capital, imperava uma escuridão feia no interior da viatura.

Naquele preciso instante desejava eu que, pelo menos, o rádio parisse de si um semba perfumado interpretado pelos poéticos lábios do grande Paulo Flores. Mas o meu desejo não passou disso mesmo, pois, nada funcionava em condições naquele vulgo “acaba de me matar”. Conformado, vi-me embrulhado no pensamento sobre o tão aguardado 2 de Abril, dia em que se vai apresentar oficialmente o Sambizanga Ritmo & Poesia: um projecto cultural ambicioso que surge para criar um movimento artístico-cultural sólido e constante no Distrito Urbano do Sambizanga e promover cada vez mais a cultura nacional nessa circunscrição que já foi palco do histórico agrupamento musical Ngola Ritmos.

O pensamento ganhava textura quando, na paragem da escola Njinga Mbande, senti as rodas a darem vida à inacção do candongueiro e o cobrador pôs-se freneticamente a gritar: «– Prenda, Zamba 2. Zamba 2…» Calou-se o pregão da sua voz no momento em que uma tríade de mulheres invadiu o ambiente. Traziam consigo o cheiro de um vinho tinto barato, de produção nacional. Uma delas sentou-se junto à mim, sorria de si e para si mesma, indiferente ao meu julgamento. Era uma mulher falante, de meia idade, cuja aparência castigada pelo consumo imoderado de álcool chamou-me atenção. O álcool enfeiou-lhe a tez. No entanto, toda ela era um foguete de felicidade.

O seu rosto, apesar de empapuçado, refulgia uma alegria contagiante. A falante senhora, cujo nome não cheguei a conhecer, gargalhava do seu estado de alma, abertamente dizia estar embriagada e troçava de suas companheiras, por estas terem bebido mais do que ela e ainda assim estarem sóbria. Assim, uma anedótica prosa floresceu entre elas. A conversa da tríade era boba e sem um fi o lógico que lhe desse substância. Mas mais do que os demais passageiros taciturnos que por ali viajavam, aquelas três senhoras estavam vivas, pulsavam de felicidade. A tríade desceu junto ao Hospital do Prenda e consigo levou o bafo de vinho, a gargalhada e a prosa boba. Porém, deixou para trás uma convulsão de risos. Todos, sem excepção, ritmos com um à-vontade invejável. E, antes que o candongueiro escurecido seguisse viagem, uma voz feminina e jovial disse: – O angolano não precisa de muito para ser feliz.

POR: Lourenço Mussango