Tempestades num copo de água

Tempestades num copo de água

Numa semana em que se celebrou o 4 de Abril “Dia da Paz” e voltou à ribalta a célebre frase do Presidente José Eduardo dos Santos, “Nem mais um tiro. Temos de preservar os homens vivos para negociar a paz”, proferida num momento particularmente distinto da História de Angola, assistimos ao crescer e exacerbar da tensão e o endurecimento do discurso político, que ganhou contornos gigantescos nos últimos dias, onde se viu de tudo um pouco, com trocas de galhardetes, acusações vindas de todos os lados, tendo algumas delas ganho demasiado destaque pela negativa, atendendo a natureza íntima e pessoal das querelas, o que é reprovável.

Saltou a vista a dimensão da campanha feita e a tentativa de aproveitamento partidário visando a iniciativa do Presidente da República, João Lourenço, que promoveu, em saudação ao 4 de Abril “Dia da Paz”, um almoço de confraternização com algumas figuras históricas da Luta de Libertação Nacional, oriundas de diferentes agremiações ou sensibilidades políticas, sem para o efeito ter feito qualquer distinção entre elas, o que é perfeitamente normal e aceitável. Constavam da lista de convidados respeitáveis figuras dos três grandes movimentos/partidos políticos que se bateram pela independência nacional e viveram todo o percurso histórico do país até à presente data, tendo assumindo todos eles papéis de destaque nas suas trajetórias enquanto políticos ou militares.

Lamentavelmente, seguiu-se uma onda de protesto completamente despropositada e desajustada, assentando e sustentando o discurso numa hipotética tentativa de isolamento do líder da UNITA Adalberto da Costa Júnior, pelo facto de não ter sido convidado para o referido almoço, quando o critério não foi o de convite aos presidentes dos partidos políticos, (onde se fosse o caso também seria perfeitamente aceitável), usando-se o pretexto do “memorando de paz” ter sido assinado entre o Governo de Angola e a Unita, ao ponto de se ter recorrido a “chantagem”, condicionando-se e coagindo de tal modo (chamando de traidores entre muita coisa dita e escrita) às figuras históricas da UNITA convidadas para o evento, levando-as a não comparecer.

Todo este imbróglio, celeuma, o clima de hostilidade criado em torno deste caso, cuja manipulação da opinião pública, através de uma estratégia de vitimização e de ataque directo à figura do Presidente da República, tendo sido inclusive apelidado por muitos cidadãos, como “inimigo da paz e da reconciliação nacional”, foi claramente com o intuito de descredibilizar, depreciar, aviltar a imagem do Chefe de Estado, que teve só e apenas um nobre e respeitável gesto de convidar os mais velhos para uma amena cavaqueira, bebendo da experiência daqueles, claramente em sentido contrário ao que foi propalado, isto é, no sentido de aprofundar a reconciliação nacional, à semelhança de outros de enorme relevo, tais como: a devolução dos restos mortais do Líder Fundador da UNITA, Jonas Malheiro Savimbi, à família e aos militantes do seu partido para um funeral condigno, um acto impensável na altura, realizado contra todas às expectativas fosse de quem fosse, contra a opinião de fortes correntes no seio do MPLA e ainda a transladação do corpo do General Arlindo Chenda Pena “Ben Ben”.

Estes grandes gestos demonstram claramente a vontade e o comprometimento do Presidente João Lourenço em relação à preservação e à consolidação da paz, a união e inclusão dos angolanos. E foi claramente nesta senda, ou seja, na sequência do que já vem fazendo, que o mesmo promoveu o almoço e acabou “vítima” do radicalismo político que já nos habituamos a assistir em períodos préeleitorais. Neste momento, parece óbvio que o objectivo é claramente desqualificar quaisquer acções do Presidente, usando para o efeito todos os argumentos possíveis e inimagináveis. Por outro lado, fomos surpreendidos pela declaração de Adalberto da Costa Júnior ou da UNITA sobre o 4 de Abril “Dia da Paz”, que revelou uma clara desonestidade intelectual, ao destacar dentre as situações de conflitos vividos em Angola os erros históricos cometidos pelo Governo ou pelo MPLA, sem referir uma só das várias situações de violência, de terror, de violação da dignidade e dos direitos humanos, de brutalidade e matanças em que o seu partido/movimento esteve envolvido, o que considero indecente e imoral. Pelos vistos, a UNITA assume-se como um “partido de santos”, ou como vítimas permanentes, que nunca fizeram nada de condenável ao longo da história de Angola. Essa postura é gravíssima e tão nociva para serenar os ânimos e consolidar verdadeiramente a paz e reconciliação nacional, como certas acusações que fazem em sentido contrário.

Quem não reconhece os seus erros históricos não tem moral nenhuma para falar dos erros dos outros. É necessário que não se limitem a “assobiar para o lado”, que respeitem ao menos as vítimas e os familiares (muitos ainda vivos) das situações lamentáveis protagonizadas pela UNITA. Que façam uma profunda reflexão histórica e assumam a sua quota-parte, a sua responsabilidade nas tragédias do povo angolano. Preservar a paz é uma responsabilidade de todos, por este motivo todos e quaisquer pronunciamentos a respeito têm de ser muito bem ponderados e servir para unir, pacificar, serenar, congregar ao invés de mais uma vez tentar fomentar ódio, discórdia, revolta ou desunião. Foi com estupefação e enorme tristeza que assistimos a esses episódios lamentáveis, porém, subscrevo a convicção geral de que a paz veio para ficar, irá durar e perdurar.

E que o caminho do diálogo, da concórdia, do respeito mútuo, da inclusão, de tolerância, da verdadeira reconciliação é o que deve ser seguido por todos os angolanos sem excepção, pois a paz, sendo verdadeira e inquestionavelmente “património” de todos os angolanos extravasa e muito a fronteira da política e por este motivo, temos todos o dever de contribuir para que seja duradoura e permanente. Termino, deixando o meu profundo lamento pelo sofrimento do povo moçambicano, particularmente ao povo da região de Cabo Delgado. É deveras revoltante o que se está a passar naquele país, cuja independência custou imenso ao povo moçambicano, custou ainda mais (ou tem custado) a conquista da paz definitiva e as nações africanas e as potências mundiais lamentavelmente assistem impávida e serenamente a invasão de mais uma nação africana independente, por bandidos cruéis e armados, homens instrumentalizados, que se escondem por detrás de uma determinada religião.

POR: Omar Ndavoka Abel