A homossexualidade, á luz do código penal

A homossexualidade, á luz do código penal

Em fevereiro de 2013 quando, neste jornal, abordei a omissão da “ orientação sexual” na constituição, fiz referência ao facto de que, por exemplo, a sua inclusão no artigo 23.°n°2 implicaria a alteração do artigo 35.°n°1 ou do artigo 20.° do Código da Familia, para não falar de outras leis relacionadas de formas a se adequar juridicamente, o reconhecimento legal da homossexualidade em Angola.

Desse modo, a omissão da “orientação sexual”, na CRA abriu caminho para que, houvesse em Angola, uma espécie de classe de cidadãos de “segunda” categoria em contradição ao que diz o artigo 23.°n°2 que, taxativamente afirma: “Ninguém pode ser prejudicado, previlegiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua ascendência, sexo (e aqui reside a omissão já que, não define orientação sexual e nem determina, a psico-afectividade da personalidade do individuo. Sexo, é apenas a característica fisiológica, que diferência géneros da mesma espécie)”…

O reconhecimento da “orientação sexual” na constituição, implicaria a atribuição de direitos e deveres, aos cidadãos homossexuais que, em função dessa caracteristica da sua personalidade afectiva, encaram a vida ou a relação interpessoal física, diferente dos preceitos éticos e religiosos, vigentes numa sociedade positivamente moralista, como a nossa. A indiferença do Estado, é injustificável na medida em que estes cidadãos, contribuem de forma positiva para o engrandecimento de Angola mas que, por desmérito dessa omissão constitucional, são obrigados a ter que viver, numa situação de “duplicidade” social, com consequências psico-afectivas, daí decorrentes. A verdade é que, a contínua negação desse pressuposto social, contradiz o que vem expresso no artigo 22.°n°3 (b) CRA pois, impede que estes cidadãos, possam presumir o livre exercício de direitos, como por exemplo o da identidade (artigo 32.° na primeira parte do n°1) que, como sabemos é um direito fundamental inalienável de qualquer pessoa.

É evidente também que, para a vasta maioria dos angolanos principalmente, á nível familiar, a homossexualidade, é um assunto tabú ou humilhante e que resulta talvez, de um processo de aculturação e da globalização. No entanto, estes dois fenómenos em parceria, com as redes sociais têm possibilitado para que haja, alguma compreensão e aceitação mas ao mesmo tempo também, têm contribuído para que, muitos jovens, assumam de forma ostensiva (em contraste com os mais velhos que, o fazem de forma cautelosa) a orientação sexual diferente, que os caracteriza. Em 2013, no âmbito do processo de reforma da justiça e do Direito, foi criado um grupo de trabalho de especialistas na matéria (chegamos inclusive na altura, a sugerir que esse “grupo” se constituísse em uma Comissão de Leis, permanente e independente, com a função de estudar a introdução de novas leis ou alteração das existentes, adequá-las a nossa realidade e propô-las á Assembleia Nacional, para discussão e aprovação), com a finalidade de apresentar uma proposta de Código Penal, em que constaria como crime, contra a honra e o bom nome da pessoa de orientação sexual diferente, a difamação, injúria ou discriminação o que, veio de facto a se materializar, desde fevereiro último.

Com efeito, o código penal, nos artigos 212.°, 213.°, 214.°, 215.°, 216.° e 230.° ao assumir a valorização e protecção dos direitos de personalidade do cidadão homossexual (e claro, de todos outros cidadãos), direitos esses tidos como, irrenunciáves, inalienáveis, intransmissíves e disponíveis na medida em que, pode ser licenciado pelo seu titular á terceiros, despenalizou o acto sexual consentido entre adultos do mesmo sexo mas, não conferiu por aí além, nenhum outro direito, por uma razão muito simples: não tem competência! O que o código penal fez, foi apenas salvaguardar o direito de imagem e o bom nome do cidadão de orientação sexual diferente, do ponto de vista da responsabilidade criminal e cívil de terceiros. Como sabemos qualquer pessoa adulta, independentemente de como, é vista pela sociedade, como encara a sua sexualidade ou como vive esse aspecto de fórum íntimo e privado, diz apenas respeito á essa pessoa e não deve ser motivo de criminalização ou de discriminação, sendo este de facto, um direito constitucionalmente salvaguardado.

Desse modo, a valorização e protecção ao cidadão, homossexual, está enquadrada nos artigos 30.°, 31.°, 32.° (apenas na parte referente á privacidade e intimidade mas, não abrange o direito á identidade) e ainda nos artigos 36.°, 40.°, 41.° e 48.° todos da constituição. Tal “enquadramento” (e que conforma o código penal á CRA, no que toca aos direitos de personalidade e a despenalização da homossexualidade), não representa um reconhecimento na generalidade até porque, para os efeitos julgados convenientes e de acordo com a constituição, continua a não ser permitido o casamento ou o reconhecimento da união de facto, entre pessoas do mesmo sexo; continua a não ser permitida á adopção por casais do mesmo sexo; continua a não ser reconhecido, o direito de partilha sobre a herança do cônjuge ou companheiro numa relação homo-afectiva. Por conseguinte e, embora o cidadão de orientação sexual diferente, tenha da parte dos angolanos alguma empatia, ao contrário do que acontecia em 2013, tem no entanto agora, o seu direito de reserva do bom nome e de imagem salvaguardado e de igual modo também, todo acto íntimo, consensual entre adultos do mesmo sexo, deixou de ser penalizado ao abrigo do código penal. Contudo, á luz da constituição da qual o código penal, não pode caminhar em sentido contrário, a homossexualidade, não tem nenhum estatuto legal nem se quer tem, reconhecimento oficial e efectivo.

POR: Carlos Ribeiro