Desde que se concorde que o passado existe por meio do presente e que não há passado sem o presente, não é de surpreender que sejam notadas certas ausências em eventos solenes de personalidades do presente que representam o passado. Talvez seja necessário também lembrar a algumas vozes vociferantes que mal escondem o seu ressentimento e ódio, o que não é um bom presságio para o espírito de paz, que querem, por exemplo, erguer-se como professores de história de Mihaela Webba, que reagiu no seu papel sobre o agora famoso Almoço da Paz, e outros bajuladores disfarçados de analistas políticos que interpretam mal o substantivo “ética” que o 4 de abril é o Dia da Paz para todos os angolanos. Esta é a data em que o governo do MPLA e a UNITA assinaram os acordos de paz que abriram as portas à Constituição de 2010 ainda em vigor. Portanto, quando não se é adulador, claro, e quando prevalece o interesse de uma paz duradoura para o nosso país, qualquer posição a ser tomada sobre este Almoço deve ser equilibrada e objectiva.
Primeiro estranhei que uma nota da Casa Civil do Presidente da República, que muito circulou, fale de um convite ao almoço de personalidades históricas da luta de libertação nacional pelo Presidente João Lourenço para uma data que se pretende comemorar o fim da nossa guerra civil. E mesmo que o almoço fosse exclusivamente dedicado à luta de libertação nacional, não vejo como não poderíamos ter convidado o presidente do primeiro partido da oposição do nosso país! Portanto, não vejo como bocas rabugentas podem tentar legitimar com falsas razões a exclusão do presidente da maior força de oposição do nosso país de um almoço dedicado a uma data em que o seu movimento foi o outro protagonista crucial! E porque é que essas bocas não falaram da notável ausência de mulheres no almoço? É até triste ver Anciãos convidados ao almoço, que deveriam ser a voz da sabedoria, declarar com surpreendente leveza e com um estado de espírito que lembra a Angola dos Velhos Tempos, que o presidente da UNITA é muito jovem para merecer ser convidado, como se no nosso país o espírito de paz, reconciliação nacional e democracia estivesse condicionado à primogenitura!
Então me pergunto para onde foi a sabedoria deles que esperaríamos em momentos como este! É este o espírito que querem deixar a jovens como eu para que continuem a sua obra? O dia 4 de abril já é uma data solene no nosso país, comemora os acordos de paz e reconciliação nacional assinados pelos comandantes dos dois exércitos antagónicos da época das duas maiores forças políticas do país hoje. Não se trata, portanto, de um evento privado ou partidário, o protocolo republicano vincula qualquer evento oficial organizado pelo Chefe de Estado neste contexto. Foi então um almoço de Estado, e como invocava o espírito da sustentabilidade da paz em Angola, o mínimo teria sido convidar os dirigentes de todos os partidos políticos do país. Se esse espírito ainda não existe, agora é a hora de criá-lo. Vamos criar um verdadeiro ritual político, uma instituição cultural onde cada detalhe vai revelar o sentido da nossa comunhão de paz. É a nossa maior posse. Porque não podemos querer construir uma paz duradoura numa mentalidade que exclui aqueles que devem simbolizá-la. E fi co ainda mais surpreso com a veemência das críticas dirigidas às personalidades da UNITA que, em solidariedade com o seu presidente, Adalberto Costa Júnior, recusaram o convite do Presidente da República. E se o desejo de excluir este último foi político, o resultado não está à altura da ambição.
O Presidente da República perdeu a oportunidade de se içar acima da refrega, o seu lugar. Tudo isto poderia ter sido mais benéfico para ele se o tivéssemos visto com Adalberto Costa Júnior, como nas imagens que a televisão e a imprensa alardeiam em que o vemos numa discussão descontraída e apoiado nas cadeiras dos barões do MPLA do passado, dos dissidentes da UNITA ou dos ir mãos inimigos Ngonda e Kabangu. Esta imagem não só teria simbolizado todo o espírito do Dia da Paz, mas também teria sido mais positiva para o Presidente neste contexto eleitoral. A escolha a que os seus conselheiros o impeliram não é boa porque cede desnecessariamente espaço aos adversários políticos, que agora têm todas as oportunidades para dizer que o Dia da Paz foi colocado sob o signo da divisão e da intriga. Quem, como eu, pretende que o Presidente tenha êxito na sua missão em benefício de Angola, também deve dizer quando ele é levado a tomar más decisões.
Não convidar Adalberto Costa Júnior foi um erro. Conheço o contexto político hoje, mas temos saudades do Presidente que no passado libertou o corpo do Savimbi, temos saudades daquele Presidente que homenageou o Bonga e Waldemar Bastos, dois representantes que a Angola dos Velhos Tempos que já não queremos quis desprezar. Angola tem saudades do Presidente que reabilitou essas vozes que levaram a mensagem de Angola ao mundo e que ancoraram a nossa existência no coração dos povos da Terra. Queremos o Presidente do Novo Mundo que sabe como honrar os nossos valores pacíficos e os nossos representantes tradicionais. Queremos o João Lourenço que resolveu romper com os maus hábitos do seu partido, o MPLA do Velho Mundo que teve prazer em pisotear o talento, a excelência e a verdade, para criar uma Nova Angola, bela e em paz consigo mesma e com todos os angolanos.
POR: Ricardo Vita