Em defesa da ordem superior

Em defesa da ordem superior

O tribunal supremo, tem estado a julgar e condenar, agentes públicos e entes, com alguma ligação (política e financeira) aos mesmos. E, nenhum deles de forma consciente admitiu que, é culpado ou se mostrou arrependido! Todos, se “resguardam” em um procedimento administrativo que aparentemente, os exonera de qualquer responsabilidade criminal, enquanto “agente público” ou sob dependência de um.

Por “ obra e efeito” da constituição e de condicionalismos de gestão administrativa ministerial, a responsabilidade criminal destes, tem sido relegada para o “emissor” da ordem no caso específico, o ex- presidente da república. Este, no exercício de funções, goza de imunidade presidencial que, o iliba de ser responsabilizado (não necessariamente até porque, enquanto eleito, está sob “fiscalização preventiva” da Lei da Probidade Pública), se porventura as decisões de Estado que exarar, tiverem “pendor” ilícito.

Por outro lado, a imunidade presidencial, não é transmissível (há de facto um vazio legal sobre essa matéria) o que de certa maneira, reduziria as hipóteses dos “mandatados” não virem a ser responsabilizados sendo certo portanto que, não se pode presumir que, a delegação de poderes, inclua também, a transferência da imunidade presidencial, ainda que de forma parcial.

A não inclusão visa acima de tudo, salvaguardar possível vazio de poder, em caso de vacatura presidencial, o que faria do detentor dessa imunidade “temporária”, por inerência presuntiva dessa transferência, detentor de alguma capacidade presidencial, originando assim uma “bicéfala” partilha de funções e que se reflecteria negativamente sobre o exercício da função presidencial, condicionando assim, as funções do seu substituto legal. Daí que, por precaução, o “agente público” delegado, não é detentor de qualquer forma de imunidade presidencial, no cumprimento da “ordem superior”.

Em rigor, tal “ordem” não configura um evento ilícito e se espera de igual modo que, o seu “executor” por princípio, pessoa diligente e responsável, seja capaz de a executar, sem o mínimo de constrangimentos. No entanto, é no decurso desse “cumprimento” que as ilegalidades ocorrem de tal modo que, pesa sobre o “agente público” condenado ou em julgamento, o facto de não ter rejeitado ou solicitado uma “autorização” expressa do emissor (de formas a constar no seu processo individual, como justificação por ter executado “tal” ordem). E mais: não há indícios de nenhum deles ter sido coagido mas há, evidências concretas de se terem benefi ciado da “ordem”, em proveito próprio e que, claramente em todos os casos, culmina em enriquecimento ilícito!

Um exemplo disso, encontramos no caso “GRECIMA”, onde o principal acusado, é o primeiro (talvez por isso, é que a liderança do seu partido, fala agora em “ficha limpa”) em exercício de funções, a perder a imunidade, após suspensão de mandato, julgado e condenado por vários crimes, entre os quais o de branqueamento de capitais. Em linha com um direito constitucionalmente garantido, para qualquer cidadão, recorreu da sentença e mantém-se a presunção de inocência, apesar das evidências, enfim: dura lex sed lex!

Antevendo o inevitável ou já na ressaca da decisão (e que, não seja última), vários pensamentos se levantaram, argumentando que, estaria a assembleia nacional, a agir contra á constituição (artigos 150.°, 151.°, 152.° e 153.°). Da interpretação extensiva que se fez desses artigos, o acusado, só poderia perder o seu mandato se, tivesse cometido os crimes enquanto deputado ou manter-se na função, enquanto decorre o julgamento e até esgotar todos os recursos disponíveis, a exemplo do acontece com os deputados brasileiros! Por outras palavras: a imunidade do deputado só, se aplica, se no exercício de funções, cometer tais crimes: “ é como se, ao ser eleito, nenhuma acção criminal, “deveria” ser intentada, enquanto não terminasse o seu mandato”. Dizem ainda que, a imunidade de um deputado, não é diferente da que “goza” o vice-presidente.

Com o devido respeito, para com quem subscreve, essa interpretação dos artigos 150.°, 151.°, 152.° e 153.° e, não sendo detentor da verdade mas, tendo direito á opinião diria que, felizmente a própria CRA, nesse aspecto, traçou uma linha divisória, de “limitação temporal” da sua aplicação.

Por conseguinte, trata-se de um argumento inconsistente na medida em que, o vice-presidente (a sua imunidade, é em muitos sentidos, equivalente á do presidente), enquanto em funções e por inerência constitucional substitui ou representa o PR, em muitas “situações de Estado e de governo” (artigos 131.° e 116.°) sendo-lhe portanto aplicável, o artigo 127.° o que o “torna” elegível á julgamento, 5 anos após o término do seu mandato enquanto que, o deputado, acontece estando ainda em funções (artigo 150.° n°2) .

Entretanto, quer para o vice-presidente quer para o deputado, o gozo da imunidade, não suspende a responsabilidade criminal, anterior a entrada em funções, isto é: o benefício da imunidade, não visa a protecção por crimes cometidos antes do exercício do cargo público. Se tal fosse aceitável, então teríamos por exemplo, uma assembleia nacional que, serviria de refúgio á possíveis condenados, acoberto do exercício da função de deputado (em 2012, um deputado, foi barrado de exercer o seu mandato, por não ter cadastro limpo e o tribunal constitucional, foi responsabilizado por ter feito vista grossa)!

Por conseguinte, a assembleia nacional, respeitando o princípio de separação de poderes, perante as evidências e face a indecisão do deputado em causa em, tomar a iniciativa, teve uma postura a altura das suas responsabilidades, para com a acção solicitada pelo judiciário.

O caso “GRECIMA”, continua a ser sui generis não só, por julgar e condenar um deputado mas também, por ter introduzido no “léxico” de casos similares, a justificação: segredo do Estado, pressuposto dilatório que visava a escusa da culpabilidade, confundir o tribunal e beneficiar do “in dubio pro reo”.

Como se viu pela sentença ora suspensa, o argumento de cumprimento de ordens superiores ou de segredo de Estado, não colhe, não é sustentável e nem garante inocência, na medida em por altura dos factos acusatórios, exerciam cargos públicos com acesso á fundos públicos e denotavam sinais evidentes de riqueza material que, não se coadunava com o rendimento legalmente obtido, por inerência do exercício da função pública. Na verdade, a mera alegação de tais argumentos, demonstra o nível do grau comportamental, voluntário e intencional na execução continuada dos actos ilícitos.

Por: Carlos Ribeiro