Eu sou a outra

Eu sou a outra

O antigo primeiro ministro português José Sócrates e presidente do Brasil Lula da Silva não são gémeos separados à nascença. Eles são muito diferentes. A única semelhança entre os mambos é que eles reclamam “inocência” como se fossem outro. Ou melhor: a outra!

Apenas o destino fez coincidir no calendário os factos importantes da triste agenda que os dois têm com a justiça. Tudo o resto são exageros manifestos e oportunismos táticos. Eles são como a água e o vinho, a nuvem e Juno ou a “estrada da beira” e a “beira da estrada”, como se diz em Portugal. Eles comparam-se “para inglês ver”.

O facto de serem amigos, contemporâneos do governo e até falantes da mesma língua, são coincidências que ajudam na construção de uma falsa narrativa, que os dois partilham porque — por motivos distintos — ela interessa às suas causas pessoais.

Sócrates defende-se em primeira mão no Brasil, na Folha de São Paulo, antes de o fazer em Lisboa; e Lula, avança à televisão de Lisboa que será recandidato à presidência no Brasil, onde toda a gente já sabe.

Os dois aparecendo no “país irmão”, namorando-se de longe e à distância (como dizia o Fernando Pessoa), procurando um novo fôlego para suas honras perdidas, mas, como acontece naquele poema do argentino Jorge Luís Borges (A Trama) só porque o destino dá tímpano a “repetições, variantes e simetrias”.

Os processos são bué diferentes.

Na essência das pessoas, no que elas representam para o povo e no lugar que têm (terão) na história. Em tudo. Imediatamente antes de serem presos, enquanto Sócrates admitia ser “o chefe democrático que a direita (portuguesa) sempre quis ter”; Lula dizia: “eu não sou um ser humano, sou apenas uma ideia”. Lula estava fora do poder há 7 anos e saía do sindicato para a pildra; o português tinha acabado de perder as eleições e vivia luxuosamente em Paris.

O Brasil, mesmo sofrendo com a crise do Madoff (que morreu esta semana na cadeia), continuava sendo uma das grandes economias do mundo; já Portugal, depois de governo de Sócrates foi obrigado a pedir ajuda externa ao FMI e entrava na maior crise econômica depois da revolução de 1974.

As sentenças de Lula, depois de validadas por juízes de todas as instâncias, foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF) que encontrou falta de imparcialidade no juiz (depois de escutas obtidas, sem mandato, por um pirata informático terem aparecido). Mas o ex-presidente do Brasil ainda continua réu em outros processos.

Em Portugal ainda não há nenhuma sentença e o julgamento de Sócrates ainda nem sequer começou. Realmente ele escapou de acusações de corrupção, mas foi acusado de seis crimes todos graves, mas não foi declarado inocente.

O processo de Lula (e o afastamento de Dilma), acabou implicando a eleição de Bolsonaro e a progressiva (e assustadora) destruição das instituições no Brasil; o processo de Sócrates não teve implicações ao nível da qualidade da democracia lusa e os “mesmos” socialistas estão atualmente no poder.

Mas a maior diferença vem da motivação dos povos. Enquanto no Brasil as pessoas sempre procuram heróis, os pulas preferem sempre um culpado.

Por: José Manuel Diogo