“Temos bons poetas jovens, com uma escrita muito criativa e consciente”

“Temos bons poetas jovens, com uma escrita muito criativa e consciente”

O volume II da antologia “Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor”, de autoria da professora Irene Guerra Marques e do jornalista Carlos Ferreira “Cassé”, já está disponível em Portugal sob a égide da editora Guerra & Paz. Quanto a Angola, ainda não há datas definidas pela também editora Mayamba. Entretanto, OPAÍS conversou com a investigadora sobre os meandros do livro que comporta 700 páginas e está dividido em três partes. Abordou-se, igualmente, sobre a produção literária

A professora Irene é responsável pela I Antologia de Literatura Angolana (Poesia de Angola). Como é que descreve o trabalho nesta Antologia “Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor” depois da já apresentada em 2011?

De facto a primeira antologia intitulada “Poesia de Angola” foi elaborada em 1978 com o objectivo de desenvolver um livro de apoio ao sistema de educação e ensino do pós-independência, no sentido de permitir que os alunos conhecessem os principais autores e textos de uma produção literária nacional. Relativamente à edição de 2011, que foi organizada com Carlos Ferreira, a presente constitui uma versão revista, acrescentada e actualizada com novos dados (decorrentes do prosseguimento de um trabalho de pesquisa em conjunto), os quais constituem elementos essenciais para o alargamento do Corpus. Esta edição é, igualmente, marcada pelo aparecimento de propostas das novas gerações de poetas angolanos, já do século XXI.

Quais são as diferenças a assinalar nesta edição em relação à primeira?

Alterações profundas foram introduzidas nas três partes que constituem esta Antologia. Na I parte – Formas de Arte Verbal ou Oratura – foram acrescentados novos poemas em línguas nacionais Bantu e notas explicativas, para uma melhor compreensão dos valores culturais e vivenciais que essa literatura nos transmite, tendo-se mantido as grafias originais. Na II parte – Percursores (Sécs. XVII e XIX) – foram acrescentados novos dados bio-bibliográficos e informações que esclarecem os aspectos da sociedade da época, mantendo-se, igualmente, as grafias originais. Na III parte – Modernidade e Contemporaneidade (Continuidades e descontinuidades) – foram incluídos novos poetas nas várias épocas, para uma maior abrangência. A antologia foi aumentada com a inclusão de novas gerações e novas textualidades, marcadas por contextos sociais mais recentes e distintos. O prefácio é, nesta edição, de Francisco Soares, especialista em literatura e estudos literários.

Que importância atribui a esta antologia como instrumento pedagógico, para os leitores em geral, os estudantes de literatura e estudiosos?

Acho que é, actualmente, a mais completa obra de levantamento, informação e análise sobre a poesia angolana, constituindo uma ferramenta de grande valor que irá contribuir não apenas para a divulgação dos poetas de diversas épocas e gerações, mas também para o estudo das diferentes correntes literárias e contextos sociais, culturais e políticos em que esta literatura surge e se vai desenvolvendo. Esta obra mostra que a literatura angolana está ao nível das literaturas dos restantes países, sendo respeitada e suscitando o interesse de diversas universidades estrangeiras que têm vindo a incluir o seu estudo.

A história da literatura remete-nos se consideramos os três períodos, designadamente, para antes da independência nacional, depois do alcance dela e ainda com o alcance da paz em que somamos agora 19 anos. Qual é a avaliação que faz da literatura angolana?

Como acontece em qualquer contexto geográfico e social, a literatura angolana é marcada, desde o início, pela história da nossa sociedade, pelas aspirações dos angolanos e pela forma como os escritores vêm olhando para as distintas realidades, a partir das suas próprias vivências. Antes da independência era uma literatura engajada, nacionalista, de compromisso social, reflectindo a esperança, a libertação de Angola e rompendo com os cânones da literatura colonial. Depois da independência as temáticas alteram-se e, se no início o discurso literário era muito influenciado pelo discurso político da altura, mais tarde dá-se início a uma literatura de denúncia e viragem no que respeita às temáticas e à própria estética literária, culminando com a reflexão do mal estar social que se vive actualmente.

Como é que olha para os novos poetas?

Temos bons poetas jovens, com uma escrita muito criativa e consciente. No entanto, na sua maioria, é notória a dificuldade em desenvolver essa criatividade, quer pela falta de hábitos de leitura, de vocabulário e de domínio da língua, bem como pela ausência de um conhecimento cultural abrangente, por culpa de um ensino que ainda não possui os níveis que desejamos. Por outro lado, a ausência de instituições, fóruns e programas culturais, artísticos e literários impedem o desenvolvimento integral destes jovens.

A construção da nação e afirmação da cidadania como deveres ou símbolos patrióticos foram muito manifestadas pelos escritores e poetas da primeira linha, alguns dos quais estão presentes nesta antologia. Refiro-me a Agostinho Neto, Manuel Rui e tantos outros. Actualmente, qual tem sido o caminho dos novos poetas ou de outro modo, que mensagens devem/deviam ser passadas?

De facto, como referi, cada época produz os seus pensadores, artistas e escritores. Agostinho Neto era completamente diferente de Manuel Rui Monteiro. Não são da mesma geração. Quanto às várias “novas gerações” de poetas que vêm surgindo, acho que as pessoas devem ter liberdade total para decidir sobre os temas, as formas, os estilos linguísticos ou literários, etc. que pretendem adoptar. Ninguém tem o direito de sequer sugerir o quê ou que mensagens alguém, muito menos os jovens, deve abordar ou “passar”. Uma coisa é certa, a sua produção literária será sempre angolana e irá sempre reflectir as suas inquietações e as do seu tempo.