Caipirinha feita com Jet A-1 mata 11 pessoas em Viana

Caipirinha feita com Jet A-1 mata 11 pessoas em Viana

O consumo de uma caipirinha, supostamente feita com ananás e Jet A-1 (combustível desenvolvido para aeronaves), terá provocado a morte a 11 cidadãos, entre adolescentes e jovens, no município de Viana, enquanto outros continuam a dar entrada nos bancos de urgência dos Hospitais do Capalanga e Josina Machel

No Domingo, 25, o banco de urgência do Hospital do Capalanga, em Viana, recebeu sete pacientes em estado grave, provenientes do bairro da Caop A, resultado da ingestão de uma bebida alcoólica (vulgarmente conhecida por caipirinha) cuja composição continha Jet A-1 (também conhecido como combustível para avião).

Daquele número de cidadãos que deram entrada, um perdeu a vida, um adolescente de 14 anos. No dia seguinte, isto é, na Segunda-feira,26, mais oito cidadãos deram entrada, alguns dos quais em estado grave, tendo um sucumbido durante a manhã, e outro, bem na altura em que a nossa equipa entrevistava o seu irmão, à noite.

Raúl Francisco perdeu, até antes da nossa entrevista, o irmão Carlitos Francisco, de 24 anos, e depois, quando a nossa equipa de reportagem já se estava a despedir, recebeu a triste notícia de que o seu sobrinho, Horácio Alberto Francisco, de 18 anos, acabava de falecer.

Conta que os dois tinham bebido a caipirinha no Sábado e, no Domingo, a família não se preocupou em trazê-los ao hospital, porque pensava que era uma simples ressaca, uma vez que estavam com vómitos. Na manhã de Segunda, às 6 horas, Carlitos, ao ser despertado pelo irmão (Raúl) reporta que não conseguia ver nada.

“Tinha perdido a visão, como primeiro sintoma, porque disse que estava tudo escuro. Quando recebemos a notícia de que um rapaz do nosso bairro, que foi transferido ao hospital por ter bebido a mesma caipirinha, tinha morrido, pegamos no Carlitos e no meu sobrinho e os trouxemos também aqui”, conta.

Tão logo chegaram ao hospital, em menos de 30 minutos, Carlitos perdeu a vida. Já o jovem Horácio Francisco, que perfez a décima primeira vítima, morreu por volta das 19 horas, de ontem.

Raúl é, praticamente, o responsável pelos dois jovens e sabe que estes não consumiam, com frequência, bebidas alcoólicas. Com a excepção de Carlitos, que de vez em quando bebia uma Booster, tinha o conhecimento de que Horácio não bebia. Ficou surpreso ao saber do estado de embriaguez dos dois.

“Não sabíamos que a kapuka era combustível de avião”

Às três mortes que se registaram no Hospital do Capalanga juntam-se as oito, no bairro da Caop (A e C), segundo o coordenador adjunto da Caop A, Costa Domingos, pelo mesmo motivo. Isto é, antes mesmo de o caso ir parar a uma unidade sanitária, no bairro da Caop A, já sete pessoas tinham perdido a vida, e na Caop C, uma.

Simão Chiseco, um dos jovens que bebeu dois copos de 350 ml da caipirinha e recuperava- se no referido hospital, conta que o cocktail, feito por ele e os amigos, era composto de ananás, Jet A-1 e gelo. Por não ter bebido muito, está fora do perigo, pelo que não pôde dizer o mesmo que o seu amigo (este que gemia, transpirava bastante e chamava pela mãe, enquanto entrevistávamos Simão).

Este jovem disse que o Jet A-1 quem trouxe é o seu amigo, cujo tio, que vende kapuka (aguardente) tinha armazenado em casa. Na verdade, tal como nos conta, este tio tinha sido preso, há duas semanas, após ser acusado da morte de duas pessoas, no mesmo bairro, que terão consumido o Jet A-1.

“Foi-lhes orientado que deitassem todo o álcool produzido por este tio, mas deixaram algumas garrafas. Só que não sabíamos que a kapuka que usamos para a caipirinha era aquele líquido que matou aquelas pessoas. Só depois de consumirmos é que nós demos conta”, sublinhou.

Simão apenas sentiu os efeitos no dia seguinte, com dores no estômago, fraqueza no corpo e visão turva. A mãe levou-lhe ao hospital, a pensar que se tratava de um paludismo e, nesta altura, tomaram conhecimento de que os seus amigos, com os quais conviveu, estavam em estado crítico por conta da caipirinha.

“Eu só provei”

Nem todos que foram parar ao hospital participaram no referido convívio, na Caop A, onde lhes foi ofertada a caipirinha. Emiliano Samba, por exemplo, é irmão de dois menores, um dos quais responde pelo nome de Adri, que surpreendeu os mesmos a consumirem a caipirinha e, quando os questionou, estes (os irmãos) responderam que era sumo natural.

“Não acreditei e recebi o copo para provar. Eu só provei e comecei a passar mal. Senti muito enjoo. Nós estamos a nos perguntar, como é que o sobrinho do senhor que vende essa bebida no bairro não ficou neste estado. Houve até quem sugeriu que este devesse ser obrigado a beber o que todo mundo bebeu”, disse, Emiliano Samba.

As idades variam dos 14 aos 30 anos

Os doentes mais graves são os que mais copos de caipirinha tomaram. O médico Nguanza Kapai disse que o quadro clínico de alguns tende a piorar, dada a forte composição química do produto em questão.

A maioria dos pacientes queixa-se de dor no estômago, pelo que “estamos a dar ometrazol, estamos a hidratar, dar hidrocortisona e, como alguns estão com tosse, estamos a dar antitússico. Há doentes que estão a apresentar dificuldades de respirar e estamos a colocá-los no oxigénio”, disse. Confirmou- nos que a idade dos afectados varia entre os 14 e 30 anos.

O especialista, por sua vez, chamou a atenção sobre o incumprimento do Decreto de Estado de Calamidade, pois acredita que se estivéssemos a cumprir, escrupulosamente, este incidente não teria acontecido. Não se compreende como é que estes jovens estiveram aglomerados num convívio no bairro, com álcool à mistura.

Este é um assunto que o jornal OPAÍS vai continuar a acompanhar, pois tomamos conhecimento que o senhor, identificado apenas por Mingo, que vendia o kapuka e Jet A-1, apresentou-se voluntariamente à Polícia, junto com o seu sobrinho (que misturou o produto e fez a caipirinha).