Maneco Vieira Dias: “Há muitos artistas da dança que são prejudicados com as suas obras, derivado do plágio”

Maneco Vieira Dias: “Há muitos artistas da dança que são prejudicados com as suas obras, derivado do plágio”

O presidente da Associação Angolana de Dança, Maneco Vieira Dias, em conversa com este Jornal, por ocasião do Dia Mundial da Dança assinalado ontem, falou sobre as consequências do não funcionamento dos direitos de autor e conexos no nosso país, sobretudo, na dança e outras modalidades artísticas, o que tem prejudicado os grupos, no que diz respeito à questão do plágio

Nesta entrevista, o também responsável do grupo de dança Kilandukilu frisou ainda sobre a nossa diversidade cultural a nível desta arte, o impacto que a mesma tem na cultura de um povo, das dificuldades enfrentadas para obtenção de financiamento de financiamento, como a falta de apoios.

O Dia Mundial da Dança foi assinalado ontem. Qual é a reflexão que faz em torno desta arte que também é praticada no nosso país?

Neste momento, diante de tudo que temos estado a viver, a dança, assim como as outras disciplinas artistas, não têm estado a passar por um bom momento. Se antes já tínhamos algumas situações, com a pandemia tudo se agravou. Mas, ainda assim, é uma outra dinâmica que a vida está a nos proporcionar e, naturalmente, só nos resta adaptarmo-nos, coisa que não tem sido fácil.

Neste caso, as dificuldades aumentaram nesta fase pandémica, devido às restrições no sector cultural?

Antes já tínhamos várias dificuldades, onde posso citar duas: os espaços de apresentação e os apoios, que, infelizmente, eram cada vez mais escassos, mesmo até para aqueles projectos cuja dimensão não se colocava em causa. É evidente que os próprios mecenas que ainda existiam, também, muitos deles sofreram situações bastante desagradáveis, derivadas da pandemia. E, então, se antes eles já tinham dificuldades para apoiar, agora esses apoios foram reduzidos praticamente a zero. Por outro lado, o movimento cultural terá sido o primeiro a parar e o último que tem dado, de forma muito lenta, alguns passos. E a dança não fugiu à regra. Aliás, ela tem uma outra particularidade, por ser uma modalidade artística onde o contacto é um dos elementos essenciais. Naturalmente as restrições são ainda maiores, não obstante toda uma série de regras, de condicionalismo e até de instruções que existam, ainda assim as dificuldades para a realização são maiores. Quer dizer os apoios hoje praticamente quase que não existem. Os que têm estado a fazer dança neste momento eu posso considerar que são uns verdadeiros heróis.

Existe uma associação recente que rege pelos grupos. Quais são as políticas que a mesma pretende implementar para que os conjuntos sejam dinamizados?

Estamos numa fase de cadastramento, daquilo que é o grande potencial que existe em termos de grupos e de géneros de danças. Mas, assim, de um modo geral e daquilo que é o nosso conhecimento, porque andamos há muito tempo nisto, o que conseguimos perceber é que as dificuldades são inúmeras. Então, o que temos procurado fazer naquilo que é possível, vamos dando instruções muito concretas, da adaptação à nova realidade.

De que se refere exactamente?

Estamos a falar daquilo que são as novas tecnologias de informação. Muitos, ou senão a maior parte não estavam muito envolvidos com estas novas ferramentas. Se por um lado alguns tinham acesso e outros já usavam, hoje, praticamente, começa a ser de carácter obrigatório termos esse manuseamento. Então, é preciso que se criem dinâmicas para que os grupos percebam que podem, por essa via, começar alguns dos seus trabalhos. Também, a ideia é de criar um movimento cultural, que ainda é incipiente. Portanto, nesta fase de pandemia, com actos muito concretos, que são a realização de algumas acções de formação, onde eles possam encontrar mecanismos de uma maior gestão daquilo que pode ser o trabalho dos seus grupos para, naturalmente, depois poderem se apresentar.

Quantos grupos a associação controla e quais as origens dos mesmos?

A associação é muito recente, mas posso dizer-lhe que é um trabalho que já está a ser feito há sensivelmente três, quatro anos, onde estavam envolvidos mais de 30 grupos e mais de 300 bailarinos. Naturalmente que esta foi a primeira fase de arranque. Estamos a fazer toda a catalogação, para, na verdade, sabermos quantos somos e onde estamos localizados. É preciso dizer que não é só a nível de Luanda que estamos a fazer este trabalho. Mas também posso adiantar que de um levantamento inicial que fizemos, há sensivelmente oito meses, o que podemos dizer é que encontramos em cada uma das províncias, no mínimo, entre 20 e 30 grupos dos mais variados estilos. Se multiplicamos isso pelas 18 províncias, estamos a falar de mais de 200 grupos de dança que existem, dos mais variados estilos. Estamos a falar de um horizonte acima de 3 a 4 mil bailarinos no activo nas várias províncias. Se me perguntares se todos eles são profissionais, o que posso dizer é que não. Se me perguntares se muitos deles só vivem da dança, o que lhe poderei dizer é que o número de artistas da dança que vivem deste ofício ainda é bastante incipiente diante do número que pratica esta arte.

O que faz com que a maior parte destes artistas não vivam da sua arte, deve-se à falta de profissionalismo ou outros factores?

Tem vários motivos. Infelizmente, aqui no nosso país, embora a dança seja uma ciência, embora tenhamos profissionais de facto, ainda assim os mecanismos de regulamentação, de empregabilidade, de realização de espectáculos não têm um movimento regularizado, o que não permite que muitas destas pessoas possam, por si só, viver da dança. Então, têm de encontrar outras alternativas. Também, lhe posso dizer, com alguma segurança, que já existem alguns profissionais que vivem dela, sobretudo a nível da província de Luanda. E isto não tem só a ver com a questão da sua formação, mas sim com a possibilidade de eles poderem encontrar empregabilidade. As regras ainda não são muito claras. Qualquer pessoa, quer seja um profissional de facto ou não, pode realizar e ganhar dinheiro, ainda que com trabalhos plagiados.

Como a associação reage diante das situações de plágio?

Os direitos de autores no nosso país, sobretudo da dança e outras modalidades artísticas, infelizmente nunca funcionou. Se mesmo na música eles tiveram dificuldades, aliás, têm porque ainda estão numa fase de readaptação e para a dança que são direitos conexos pior ainda. Mas há todo um trabalho que está a ser feito, no sentido de mudarmos esses procedimentos. Portanto, é verdade que muitas vezes nós verificamos que aí não funciona ainda a ética, porque quando os artistas perceberem que não devem plagiar, ou que ao plagiarem estão sujeitos a pagar indemnizações, seguramente que este comportamento, esta atitude há-de mudar. Há muitos artistas da dança que são prejudicados com as suas obras, derivados destes plágios que todos os dias nós verificamos por aí.

Quem cuida dos direitos de autores e conexos a nível da dança?

Há um esforço muito grande que a União Nacional dos Artistas e Compositores – Sociedade de Autores (UNAC-SA) está a fazer e ainda bem. Os regulamentos foram aprovados recentemente, onde vai permitir também que os artistas ligados à dança possam se inscrever e verem ressarcidos aquilo que são os seus trabalhos e direitos. Fazer aqui um apelo a todos os artistas da dança para começarem a inscrever as suas obras junto da UNAC-SA, para poderem também ver ressarcidos aquilo que são os seus direitos de autor. Isso pode dar alguma dignidade aos artistas e pode também inibir os grupos a evitarem o plágio.

Como são detectados os plágios nesta arte dançante?

Nós podemos ter a mesma ideia, mas não pensamos da mesma maneira. Cada um de nós, ao exteriorizar aquilo que pensa, vai fazer de forma diferente, seguramente. E nas obras também acontece assim. Os dados que temos nos permitem avaliar e falar sobre isso. Nós verificamos isso todos os dias, sobretudo em programas de televisão, ou mesmo em espectáculos ao vivo. Observamos obras, sobretudo dos grupos como o Kilandukilu, Yaka, Ballet Nacional, o Njinga Mbandi, enfim. Há toda uma série de peças que nós observamos e também em dança contemporânea, que facilmente identificamos que não é uma obra original. E que muitas vezes essas pessoas se intitulam como sendo de sua autoria. Posso citar um exemplo; há pouco tempo houve uma live, ligaram a determinadas pessoas de um grupo e diziam que a obra era deles. É uma obra de um grupo feita há mais de 15 anos. Muita vezes até a cópia é tão mal feita que acabam por distorcer todo o trabalho feito pelo outro grupo, ou mesmo serem confundidos, o que é mais grave!

O nosso país possui uma diversidade cultural em termos de danças.

Como elas devem ser apresentadas em palco? As danças angolanas são muitas. O nosso país é muito rico naquilo que é a sua diversidade cultural, na área da dança. Se formos ao Sul do país vamos encontrar muitas, tanto ao Norte, como no Centro e no Leste. Há algumas danças que não digo que são as mais representativas, mas são as mais conhecidas. É o caso da dança Tchianda, a de Xinguilamento, as danças guerreiras, os rituais. Quer dizer; existe uma série de elementos que são identitários, algumas danças que são rituais, que são de escola, como por exemplo a escola de puberdade. Nestes rituais vamos encontrar uma série de técnicas que são aprendidas, porque, naturalmente, podem ser aplicadas naquilo que são as nossas danças. O único elemento que é muito importante é a forma como você vai transformar esta peça de dança, que é trazida da escola da puberdade para uma peça de arte em palco, onde ela é trabalhada com todos os elementos, para que as pessoas que observarem percebam o que se pretende transmitir.

É preciso dizer que não é só fazer. Devemos primeiro conhecer, se possível até vivenciar e fazer uma recolha certa deste tipo de material E os grupos ao apresentarem essas danças tem respeitado esses pressupostos?

O que nós temos observado é que muitas das peças que são levadas ao palco, infelizmente, não observam esses pressupostos. Como resultado, acabamos por transmitir coisas que não são correctas e depois temos algumas dificuldades em explicar. Se eu estiver a olhar para uma peça, por exemplo, ligada à região de Cabinda, quem estiver a observar tem de ver a linguagem que estou a transmitir. Ainda que seja uma linguagem visual, porque é o que ela vai trazer ao palco. Os conceitos, a forma de apresentação, de representação, dos adornos na coreografia é que me vão transmitir a mensagem que pretendo levar e fazer perceber que é ligado a um determinado ritual. Isso é o impacto que a dança tem na cultura de um povo.

A dança tem sido valorizada, conforme acontece com as outras artes, como a música, por exemplo?

Sou daqueles que digo que qualquer um de nós tem sido valorizado. Agora, se me perguntares se é na dimensão que gostaríamos é claro que não! Mas esta valorização de alguma maneira existe. Se ria injusto da minha parte dizer que não há. Mas não é aquilo que se devia fazer diante do trabalho que muitos grupos fizeram e continuam a fazer. Já se devia começar a olhar para muitos destes conjuntos, que têm dado uma contribuição bastante valiosa. De outra maneira, quero dizer que quando estiverem diante de um determinado projecto, apoiem este projecto, porque muitas vezes são tratados como se fossem empresas.

Como assim…?

Se eles forem a um banco não têm direito a um financiamento, porque não são empresas como tal. Em alguns casos, para os empresários, o produto dança não é rentável para eles. O empresário quer é ganhar dinheiro. Os mecenas me parece também que, em alguns casos, apoiam quando acham que é alguém que está muito próximo deles. O que nós temos percebido é que para a dança os mecenas pouco ou quase não apoiam, infelizmente.

O que se deve fazer para que os grupos de dança possam rentabilizar, de modo a colmatar estas dificuldades?

A dança como tal, (estou a me referir dos grupos) ter uma rentabilidade que possa de facto levar a ter uma vida bastante estável é muito difícil. Se eles não tiverem um responsável, um apoio de terceiro têm muitas dificuldades. Por isso é que certos grupos desapareceram. Muitos deles têm um agente, mas esses também têm muitas estórias, e, então, às vezes os grupos preferem por si só criar mecanismos e andar. Ainda assim acho que a gestão dos grupos é o elemento chave para garantir que eles se mantenham, ou que atinjam níveis muito bons. Mas isso não é um elemento suficiente, porque a gestão dos grupos vai-lhes permitir uma estabilidade de organização, planificação, de realização. Mas há uma outra componente, a financeira que o grupo às vezes não tem. E essa componente só pode acontecer se os mecenas, se o Estado, se outras instituições apoiarem. Se não haver esse apoio os grupos ‘morrem na praia’.´

As políticas criadas para alavancar esta situação, como funcionam?

Eu não posso falar em nome do ministério da tutela, mas o que posso dizer é que esta instituição tem tentado, dentro daquilo que lhe é possível, mas os apoios são mais institucionais. Aí podemos dizer que sim. Que o Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente dá outro apoio, porque ele também não tem dinheiro para estes tipos de situações. As políticas existem. Uma delas é a Lei do Mecenato, que, infelizmente, alguns mecenas acham que não são bem protegidos por essa lei. Também, o que nós sentimos é que mesmo os mecenas têm algumas dificuldades em apoiar as actividades de dança. Mesmo para aqueles grupos com provas evidentes dadas, que tenham projectos bem evidentes, bem concretos para a materialização dos seus actos. Posso falar de grupos que foram a estas instituições e lhes negaram, mas que foi para lá um músico, que às vezes não tem a dimensão deste grupo, e que eles ajudam. Portanto, ainda há essa discriminação neste aspecto. E a dança tem sido um grande alvo, infelizmente.

Se em Luanda onde se diz haver mais oportunidades e os grupos passam por essas dificuldades, no interior do país, como andam os conjuntos?

Tenho tido contacto com muitos artistas, sobretudo bailarinos de várias partes do país e as dificuldades deles também são enormes. Na maior parte dos casos é muito maior do que em Luanda. Mas a vontade de vencer, de crer, de fazer as coisas vai-lhes mantendo vivos do seu jeito, fazendo a seu nível, mas com inúmeras dificuldades. Penso que deveríamos ver, de alguma maneira, como é que se poderia encontrar um caminho, uma solução para que se encontrasse algum apoio direccionado aos grupos de dança. Não estou a dizer que tem de ser necessariamente o Estado, mas os mecenas deveriam pensar nisso.