O eu-real e o eu-virtual

O eu-real e o eu-virtual

Fome, miséria extrema, custo de vida elevado, milhares de mortes por malária, falta de assistência médica, sistema educativo débil, professores dão pena… enfim, makas, não ou mal resolvidas. País dos lamentos: Angola. Mas disso já me fartei de escrever. Então, do que escrevo hoje? Da Caipirinha do Azar? A greve dos professores já deu. Ladraram muito também. Um “afasta lá” e já era! Ao que parece, continuarei mesmo a trabalhar a 300 quilómetros de casa, sem subsídio de isolamento, de risco, de férias, etc. Vamos ainda falar sobre as personalidades virtualizadas. Isso me preocupa: parece que alguns só mandam boca nas redes sociais.

Mas o que mais me incomoda mesmo é aquele aberrante proceder: o estar-se grudado ao telefone, enquanto se conversa com alguém de cujas saudades, nas redes sociais, inúmeras vezes afirmámos sentir. Apregoamos, para os amigos e seguidores virtuais, que sentimos falta de alguém em específico, e, entretanto, quando chegados diante do dito cujo, salvo em caso de fofocas, não balbuciamos mais do que curtas palavrinhas e aborrecidamente. Boa parte dos discursos sentimentalistas com os quais nos deparamos nas redes sociais abarca, ainda que subtilmente, um pendor de hipocrisia deplorável.

Muita falsidade. Às vezes, na ânsia de querer demonstrar o quanto amamos, somos amados e felizes, enveredamos em exibicionismos doentios. Quem não posta fotos de saídas, encontros ou outros “ambientes”, já é vista/o como alguém que tem vida monótona e triste. Avaliamos as pessoas pelo brilho das fotos que postam.

Aparências. Singularidades em ruínas. Disto, podemos depreender que os exibicionismos, amplamente vulgarizados nas redes sociais, assentam-se, essencialmente, na busca desenfreada pela apreciação e aprovação colectivas, intento que mais espelha carência e mesquinhez afectivas, dependência e mendicância emocionais, bem como um certo quê de fragilidade e imaturidade personalísticas, pretendendo que se obtenha, por parte do público, justamente a impressão que se quer passar.

E o público, ciente do jogo virtual, nada mais faz do que retribuir, à base de obviedades, portanto falsamente, aquilo que queremos que seja dito sobre. É um jogo. Infelizmente, transformámo-nos em “corpos-celulares”, preocupados em preencher o nosso eu-virtual, maquilhando-os com os adornos de fantasias cibernéticas, enquanto o nosso eu-real desfalece em estilhaços e sangra nos cacos da personalidade alternativa e fingida. É de lamentar!

POR: HM Elizeto