‘Caipirinha do azar’ provoca 36 órfãos

‘Caipirinha do azar’ provoca 36 órfãos

A apelidada ‘caipirinha do azar’, que causou a morte a 11 pessoas entre, a Caop C e Caop A, no município de Viana, deixou um total de 36 órfãos. A maior parte dos consumidores eram pais de família, exceptuando um adolescente de 14 anos e um jovem de 19. O responsável pelo armazenamento e distribuição para consumo do Jet A-1 está detido, enquanto o bairro tenta se recompor do desastre causado pela caipirinha

Justiça é o que os moradores pedem. Outros, inclusive, sugerem que se faça uma investigação profunda para a descoberta da proveniência do Jet A-1 (também conhecido como combustível para avião), por acreditarem na existência de mais pontos, no mesmo bairro, onde se consume tal produto. Não é um facto isolado, pois se assim fosse, não teriam o registo de outras mortes, anteriores às 11 (até aqui registadas), por conta do consumo daquele produto. A morte bateu às portas de Viana e, consigo, levou 11 almas, tendo deixado 36 órfãos. Só na Rua 4, da Caop A, há três perdas, dois na mesma casa, dos cidadãos Gaspar Dala, 37 anos, e Aguinaldo Nguvo, 43 anos, (dois irmãos da mesma família) e, outro, numa, do cidadão, Manuel Jaime, de 36 anos. Em conversa com António Francisco, tio dos dois primeiros cidadãos, tomamos conhecimento que os dois já faziam o consumo de álcool. O Aguinaldo, que trabalhava como estucador e carpinteiro, formou-se num centro de formação do Dom Bosco, e deixou 4 filhos. Gaspar, funcionário de uma empresa de segurança, deixou 7 filhos.

São sonhos interrompidos por conta de uma caipirinha e que ninguém tinha noção dos estragos que causava. Bem perto da casa do óbito de Aguinaldo e Gaspar, a vizinhança aproveitou a oportunidade para mostrar a nossa equipa a plantação de um fruto silvestre apelida por “capassarinho”. O “capassarinho” aparece, aqui, por supostamente ter feito parte da lista de ingredientes, para além do Jet A-1, da ‘caipirinha do azar’.

A morte de alguém que devia deixar o álcool

O terceiro óbito da Rua 4 é do filho de Jaime Kissanga, que responde pelo nome de Manuel Jaime, de 36 anos. O seu primogénito, que não vivia em Luanda, saiu de Malanje para dar continuidade aos estudos e arranjar emprego, de modo a conseguir sustentar a mulher e os quatro filhos. Manuel morreu à porta do Hospital do Capalanga, no dia seguinte ao consumo da caipirinha, 25 de Abril, depois de apresentar sintomas como vómitos, fraqueza e dor corporal, bem como desmaio. “Foi tarde, pois quando chegamos ao hospital disseram que não podia fazer mais nada”, disse o pai.

O patriarca disse ainda que a saída de Manuel, de Malanje para Luanda, deveu-se também o facto de estar ter estado a beber muito, pelo que devia ser repreendido. As duas semanas que fez em Luanda, segundo Jaime, se tivesse ouvido os conselhos dados, não teria bebido a tal “caipirinha do azar” e já teria voltado às origens. Rumamos para a Rua 5, com dois óbitos, e conversamos com Marcos João, irmão de Lourenço João, de 55 anos, um excombatente que exercia trabalho de segurança privado, que deixou 10 filhos e duas viúvas. Não entende como o irmão, mais velho, decidiu beber a “caipirinha do azar” e perderam um conselheiro da família, pelo que pedem que a justiça seja feita.

O segundo óbito da Rua 5 é da jovem Maria Francisco, 32 anos, que deixa quatro filhos, por sinal a única mulher vítima da caipirinha. Também morreu à porta do hospital, a jovem que vendia bolinhos fritos à porta da sua casa. Ainda na Caop A, morreu Cristóvão Simão, de 31 anos, da Rua 7, o segurança privado, que deixa três filhos e uma viúva. Já o único caso da Caop C, que perfez sete só nas Caop’s, é de Aragão Salomão, que deixa 4 filhos. Aragão, mestre de construção civil, segundo o tio, Manuel Kissanga, era bom rapaz e sempre que consumia álcool não fazia nada de mal ou nunca esteve envolvido em confusão.

O único menor entre as vítimas

O único menor entre as vítimas tem 14 anos e consta da base de dados do hospital do Capalanga, como nos reportou, a data dos factos, o médico Nguanza Kapai, que recebeu os segundos pacientes que acorriam àquela unidade hospitalar. Não conseguimos identificar a sua família. Depois deste, está António Nicolau, de 19 anos, um jovem que tinha o sonho de ser polícia, mas que se deixou influenciar pelos amigos e começou a consumir álcool mais cedo. Os outros dois, que fazem 11 mortes, são os irmãos de Raúl Francisco, que perdeu, até antes da nossa entrevista, o irmão Carlitos Francisco, de 24 anos, e depois, quando a nossa equipa de reportagem já se estava a despedir, recebeu a triste notícia de que o seu sobrinho, Horácio Alberto Francisco, de 18 anos, acabava de falecer.

Mortes que deveriam ser evitadas

O cidadão Josué Samba, de 49 anos, teve a felicidade de não perder os quatro filhos, um de 17 anos, dois de 14 e um de dez anos. Quando conversou com a nossa equipa, os seus filhos estavam internados no Hospital do Capalanga, por conta do consumo da referida caipirinha. A raiva e o sentimento de repulsa, por mais que procurava esconder, estavam visíveis no seu rosto, porque disse que o consumo deste produto fatal (o Jet A-1) não é de agora, no conhecido bairro do Depósito, na Caop C, pois no mês passado tinham morrido duas outras pessoas.

Relata que o trabalho do senhor Nando, de 60 e poucos anos, é vender água ardente e, nos últimos dias, teve o registo de duas pessoas que terão consumido supostamente Jet A-1. O senhor foi preso, por conta disso, mas depois dos enterros terem sido feitos, foi visto a andar no bairro. “Enquanto esteve na cela, ele orientou aos seus familiares de retirassem os produtos de sua casa e as deitassem. O seu sobrinho, de 19 anos, retirou e guardou um litro e meio que foi usado nesta tal caipirinha do azar. Por mim, a polícia errou, pois no primeiro caso deviam ter investigado melhor e se evitaria as 11 mortes subsequentes. Como é que com o óbito fresco o senhor sai da cadeia?”, questiona.

Os seus filhos, embora não estejam na idade de consumir álcool, terão bebido a caipirinha do azar pensando que se tratava de um sumo natural. Tanto é que a situação hospitalar deles não agravou-se tanto ao ponto de conhecerem a morte. Tanto ele quanto os vizinhos pensam que deve ser feita a justiça, pois o “a culpa não deve morrer solteira”. Raúl, que perdeu dois irmãos, disse que vai acompanhar o caso até que seja levado às barras do tribunal, uma vez que se tivesse que fazer a justiça por mãos próprias já a teria feito, até porque foi ele quem reteve o senhor Nando, quando estava prestes a ser linchado pela vizinhança.