Carreira desportiva em Angola

Carreira desportiva em Angola

A carreira desportiva abarca um período de vários anos de dedicação, compromisso e investimento pessoal. É um ciclo de vida do atleta no qual implementa o seu self e adquire um conjunto de conhecimentos, habilidades e attitudes, desde o escalão de formação até ao profissional. Actualmente, é vista como processo dinâmico, estruturado e organizado no tempo e no espaço. Está vinculada aos diferentes papéis e percurso de vida das pessoas, enquanto cidadão, estudante, filho ou pai. Durante as etapas da carreira, crises inesperadas poderão ocorrer, colocando à prova a capacidade do atleta de se reinventar.

O objectivo desse artigo é reflectir sobre a influência das determinantes pessoais no processo de transição desportiva, focando, sobretudo, na preocupação com os estudos. Quando se escolhe uma carreira, escolhe-se um estilo de vida e é impossível construí-la sem se implementar a personalidade, crenças, valores e interesses. Dito doutro modo, o auto-conceito, seja ideal ou real. Devido à intensidade e efemeridade da carreira desportiva, é fundamental abordar-se o processo de transição e os factores na base da falta de preocupação com a vida pós-desporto ou com outras esferas da vida.

A transição de carreira é um dos momentos mais críticos da vida de todo e qualquer profissional, e quando não é planeada pode desencadear crises existenciais. No desporto, a transição de carreira em muitas situações acontece, involuntariamente, por lesão, e, como tal, os atletas são desafiados a desconstruírem, reestruturarem e se adaptarem às exigências do momento (nem sempre é um processo tranquilo). Agresta, Brandão e Neto (2008), no artigo sobre causas e consequências físicas e emocionais do término da carreira desportiva, entendem que o fim da carreira desportiva pode tornar-se num dos momentos mais difíceis da vida de um atleta, já que a mudança no estilo de vida requer adaptação de novos papéis sociais e profissionais.

Mas, por estarem vislumbrados com os momentos de glória e grandes propostas financeiras, alguns podem esquecer-se da importância de explorar e identificar outras esferas da vida, indispensáveis para a manutenção do equilíbrio pessoal durante e após o final da carreira. Em Angola, não são poucos os exemplos de atletas que abrilhantaram as arenas nacionais e internacionais com o seu talento, levando o público ao delírio, mas que terminaram a carreira em condições penosas por não terem desenvolvido uma visão real de que o sucesso desportivo é passageiro e não permanente. Quanto aos estudos voltados ao processo de transição de carreira desportiva em Angola, é difícil apresentar estatísticas para identificar os reais factores que levam os atletas a focalizarem-se mais nas actividades desportivas e descorarem da vida académica.

A literatura sobre o desenvolvimento de carreira, de modo geral, dá abertura para adequar alguns conceitos que levam à preocupação com outras esferas. Ou seja, permite identificar determinantes pessoais que fazem com que a pessoa exerça a agência pessoal, que engloba proactividade ou preocupação com a actividade que desempenha e a transição de carreira. Assim, pode-se olhar para a auto-eficácia, expectativa de resultados, objectivos e metas como potenciais factores para essa falta de preocupação com a vida académica. A auto-eficácia está ligada à crença de ser-se capaz de realizar bem ou não uma dada tarefa. Escolhe-se realizar tarefas que se crê ser-se capaz de as realizar bem e evita-se àquelas que menos se acredita.

Em muitos casos, os atletas angolanos desenvolvem, desde cedo, a crença de que apenas são bons em realizar as tarefas específicas das suas modalidades e são incapazes de realizar eficazmente tarefas que estejam fora dessa circunscrição. Como resultado da crença, fixam-se só nas actividades desportivas sem a preocupação de explorar outras esferas da sua vida, como a formação académica. Por sua vez, a expectativa de resultado foca-se na crença de se alcançar ou não sucesso na realização de uma determinada tarefa. Desenvolver-se-á tarefas ou envolver-se-á em actividades que se acredita surtirem resultados positivos, como a estabilidade financeira.

Não são poucos atletas que concebem o desporto como centro da sua vida por acreditarem que só o praticando alcançarão bons resultados ou patamares tanto sociais quanto financeiros, esquecendo que a vida desportiva é efémera. Isso não é mau, de todo. Mas enquanto muitos desenvolverem a expectativa que só alcançarão a auto-realização com o desporto, sem levar em consideração a importância da formação académica, mais crises existenciais haverão no fim da carreira e dificilmente se preocuparão com as suas vidas pós-desporto. Se um atleta acredita que só é capaz de realizar bem tarefas da sua modalidade, dificilmente traçará objectivos fora desse contexto, porque ao desenhar os seus objectivos acredita que vai cumpri-los e que surtirão resultados satisfatórios que o farão a alcançar suas metas. Por exemplo, quantas vezes se vê atletas que deixam o percurso formativo e se dedicam 100% à vida desportiva por acreditarem que terão mais estabilidade económica e/ou alcançarão seus objectivos nos mais variados âmbitos com  prática desportiva apenas do que a estudar também?

Além do que diz a teoria sócio-cognitiva de desenvolvimento de carreira, enquanto desportista, reforço que o nível cultural e sócio-económico das famílias de muitos desportistas influencia para a falta de preocupação com a academia, pois a independência financeira que se adquire desde tenra idade faz com que os pais e outros membros do agregado familiar destaquem a crença de que basta ser bom desportista para ter o futuro assegurado. Por causa desse poder financeiro proporcionado pelo desporto, os familiares em diversas situações esquecem-se de que é necessário orientar o jogador para formação académica ou outros projectos de grande utilidade quando acabar a carreira. Noutros casos, os dirigentes e treinadores, mais focados nos resultados, recompensas financeiras e vitórias do que no desenvolvimento integral do atleta, não têm contribuído positivamente para a congruência entre o desporto e a academia. Um estudo realizado por Costa e colaboradores (2008), com futebolistas brasileiros sobre as fases de transição de carreira, evidenciou que apenas 9% dos atletas conseguiram conciliar a prática desportiva com os estudos e dos mais de 90% atletas que abandonaram os estudos tinham as idades compreendidas entre 16 e 18 anos de idade.

A pesquisa mostrou ainda que a falta de tempo, motivação, a falta de coordenação entre o clube e a escola e a necessidade de apoiar a família financeiramente são as principais razões para abandono escolar e preocupação com as outras esferas da vida. Estes resultados demonstram que os factores sócio-cognitivos podem ter influência no processo de transição de carreira. Por isso, é fundamental considerar-se cada vez mais a personalidade, interesses, auto-eficácia, historico familiar, nível socio-económico e cultural como elementos determinantes neste processo de transição de 360º (desporto- academia). O desporto para o atleta representa a energia que move a vida e o marco de sua identidade, pelo que o planeamento é o cerne da estabilidade sócio-económica pós-carreira. Assim como Brasil, Austrália, EUA, Canadá e alguns países europeus, se se quiser que os atletas angolanos tenham transição de carreira tranquila, como se vê noutras realidades, é fundamental que o foco não seja apenas a inscrição no sistema nacional de segurança social, mas também na elaboração e implementação de programas de orientação de carreira a partir dos escalões mais jovens, com atenção ao seu desenvolvimento integral e que os clubes criem parcerias com universidades de modo que a academia seja um critério associado à prática desportiva.

Fontes de pesquisa

Agresta, M. C.; Brandão, M., & Barraos, L.(2008) Causas e consequências físicas e emocionais do término de carreira esportiva. Rev Bras MedEsport, 14 (6) , 504-508. Costa, v., Ferreira, R., Penna, E., Costa, I., Paiva,T., & Samulski, D. (2008). Fases de transição de carreira esportiva: perspectiva de exatletas profissionais do futebol brasileiro. Revista de educação física da UNICAMP, 8 (3), 84-103. Bastos, E(2009). A importância da gestão de carreira em atletas de alto rendimento: estudo exploratório (dissertação). Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal. Silva,A(2019). Fim de jogo? A transição de carreira desportiva de ex-atletas e o exercício da função gerencila (dissertação). Centro federal de tecnólogia de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brazil.

POR: Edvânia Cassange