Um dos mais ardentes desejos do velho escriba era que no dia em que morresse pudessem forrar o seu caixão com jornais, para que mesmo já estando no além pudesse ainda sentir o cheiro da tinta e o toque do papel com que se sempre lidou.
Naquela noite, quando aportámos no quintal dos Bombeiros, em Luanda, onde era velado, lá estava ele conforme aspirava. Um dos seus irmãos, quase que lacrimejando, não se conteve e atirou para os seus pupilos, num grupo em que sempre estivemos e, apesar das vicissitudes, nos identificamos: ‘eis o vosso mestre, tal como sempre quis, com os jornais a volta do caixão e a bandeira do Libolo’.
Foi desta forma que vivi com maior intensidade a importância de um jornal em papel na vida de um homem jornalista e leitor assíduo de tudo o que aparecesse: Aguiar dos Santos. Nove anos depois da sua morte, o cheiro a tinta, o toque do papel ainda continua a ser importante para muitos leitores, mesmo que a força da Internet os tenha empurrado, durante alguns anos, para os telemóveis, computadores e outros equipamentos electrónicos à busca de notícias, informações sobre negócios e os mercados de investimento.
Entre o prazer e a razão, dos que vaticinam a morte do papel e daqueles que ainda consideram importante a imprensa no seu formato tradicional, a convivência ainda tende a ser o modelo que prevalece, incluindo nas sociedades mais modernas.
Em Angola não é diferente. O prazer de folhear as páginas de um jornal, com um café ao lado, a possibilidade de o partilhar com o próximo ou mantê-los arquivados ainda que de forma mais rudimentar, sobretudo nas zonas mais recônditas, onde apenas subsistem os preteridos pelas novas tecnologias, exigissem há muito a continuação desta simbiose.
Alguns estudos internacionais há muito que indicavam a morte prematura do papel. Não que não venha a acontecer um dia. No nosso país, por exemplo, fala-se na existência de mais de 32 milhões de habitantes, sendo que menos de metade tem telemóveis com capacidade para aceder a dados de Internet.
Dos que têm telemóveis, somente 8 milhões terão acesso de facto à Internet e, destes, 2, 2 milhões estarão conectados nas redes sociais, segundo a Digital 2020 Global Digital Overview” .
Então, longe de se pretender travar o percurso digital, há aqueles que gostam de encarar o jornal de modo original. Tal como um dia pressagiou Aguiar dos Santos, o cheiro do papel ainda é fundamental. E, às vezes, o último desejo mesmo.