Marcos Alexandre Nhunga: “O que se faz em Cabinda é definir o que é prioritário”

Marcos Alexandre Nhunga: “O que se faz em Cabinda é definir o que é prioritário”

Marcos Alexandre Nhunga é o governador da província de Cabinda, é engenheiro agrónomo de formação. Já trabalhou em várias províncias do país e foi director nacional do Instituto de Desenvolvimento Agrário, do Ministério da Agricultura, antes de ser ministro da pasta. É com esta experiência de terreno que este homem do Maiombe, que nasceu no hospital Alzira da Fonseca, em Buco-Zau, quer dar um novo rosto ao enclave, apostando na produção agrícola, sobretudo de proteína animal. O mar é, para si, o caminho mais curto e mais seguro para o desenvolvimento de Cabinda e para uma maior interacção com o resto do país

Cabinda, a cidade, diz-se com frequência , está a melhorar. Tem mais asseio, mais saneamento, mais iluminação pública. Isto significa que há mais dinheiro, mais vontade na governação, ou maior interacção entre quem governa e os habitantes da cidade?

Vou ser directo, não temos mais dinheiro que nenhuma outra província, até porque, em número de projectos, a província de Cabinda tem menos do que outras várias províncias. Se calhar, do que qualquer outra, não obstante estarmos satisfeitos com os projectos que temos…

E então?

Olhe, isto se deve à definição correcta, do meu ponto de vista, do que é prioritário para as populações, o que impacta na vida das pessoas. Foi o que fizemos, tendo em conta que o município sede da província alberga mais de oitenta por cento da população da província. Obviamente, é na sede que se concentram os maiores problemas. Estes grandes problemas têm a ver com a energia, pelas vantagens que traz para a iluminação, para actividade económica e para a segurança; a água, que está em primeiro lugar e para este serviço precisamos de energia, e, depois, o saneamento básico, muito importante para a saúde das pessoas, ou podemos ter uma população doente. De maneira que conjugamos estes aspectos.

À noite tem uma cidade bem iluminada…

Humildemente, acho que não é coisa de outro mundo. O que estamos a fazer é colocar postes onde não havia e reabilitar os que não funcionavam. Estamos a colocar luminárias com lâmpadas LED de cento e cinquenta e duzentos watts, dentro do valor que nos é dado. Obviamente, envolvendo as comunidades. Elas devem participar no trabalho de desenvolvimento que se vai fazendo.

E o diálogo tem sido fácil?

O Governo tem de estar permanentemente ligado às populações, dialogando, o que é fundamental para o sucesso de qualquer trabalho. Quando as populações sentem que o que se está a fazer é para o seu benefício, elas colaboram. É o que está a acontecer aqui em Cabinda.

Sendo o senhor engenheiro agrónomo, é este diálogo que o ajuda na promoção de projectos agrários tentando mudar a postura económica de Cabinda?

Sem dúvida. Para além dos projectos relacionados com a energia e água, saneamento básico, as estradas secundárias e terciárias… sem isto (estradas) você não evolui bem na educação e na saúde, porque você tem de transportar meios, até para a construção de infra-estruturas… e há que se pensar na mobilidade de pessoas e bens, a agricultura está acima disto tudo. A agricultura é feita no campo, onde as pessoas produzem, e as estradas facilitam o escoamento dos produtos, tal como é necessário que existam pessoas que comercializem a produção que vem do campo. O que quer dizer que é uma prioridade.

“O grande objectivo é deixar de importar carnes e ovos”

Mas tem de haver produção… Cabinda é auto-suficiente em termos de produção agrícola, de forma geral. O único défice que a província tem é na produção do feijão. Daí o acento que estamos a dar à produção de feijão. Porém, o grande problema da nossa província reside no fornecimento da proteína animal. Quase que tudo relativo à proteína animal é importado. Contudo, esta situação é fácil de se reverter, porque a província de Cabinda tem menos de um milhão de habitantes. Se continuarmos com os programas consistentes que estamos a desenvolver, ligados à avicultura, à suinicultura e aos pequenos ruminantes e até envolvendo, mas numa escala menor, a bovinicultura, rapidamente poderemos resolver o problema da proteína animal para as nossas populações.

O grande objectivo é fazer com que Cabinda deixe de importar, nos próximos anos, carnes e ovos. Aliado a isso, há o incentivo à produção pesqueira, um outro elemento fundamental, sendo esta uma província litorânea. Então, vamos motivando as pessoas a fazer os seus galinheiros, as suas pocilgas, os seus apriscos, em modelos que o Governo da província, através do combate à pobreza, nos projectos de cadeia de valor, foi instalando em todos os municípios e comunas, para que as comunidades, mesmo sem condições financeiras para grandes feitos, usando materiais locais, possam desenvolver. Felizmente, estamos a ter bons resultados. Sei que visitou alguns e terá visto pessoas que receberam vinte pintos, por exemplo, e que já os multiplicaram duas a três vezes. O mesmo vai acontecer na suinicultura e com os pequenos ruminantes.

É por si só sustentável este projecto, tratando-se de uma população tradicionalmente pouco dada à criação animal, ou vai incentivar o surgimento de explorações de média dimensão, ou mesmo de grande dimensão, para prover o mercado?

É sustentável. Com, ou sem médias empresas. É sustentável. O fundamental, nisto, é garantir que os nossos técnicos prestem a melhor assistência técnica a estas famílias, mostrando-lhes as alternativas possíveis, como no caso de não haver ração. As galinhas, porcos e cabritos que estamos a dar são animais rústicos, normalmente de produção local, salvo as galinhas, que estão a vir de Luanda, mas que também são rústicas. Alimentam-se do básico e do excedente das famílias. Mas é fundamental, também, que surjam pequenos e médios pecuaristas, se surgirem grandes, melhor ainda, porque estes vão reforçar a sustentabilidade e permitir que se crie a cadeia toda.

Porque quem tem uma média ou grande unidade vai pensar no processo de abate dos animais, no mercado, o que permitirá o surgimento de talhos, como havia no passado. A cadeia tem de funcionar, porque se houver quebras virá o desincentivo. Mas isto não é apenas na pecuária, é em todas as áreas da produção agrícola. Quando se desenha um projecto, há que se pensar em toda a cadeia, ou não será sustentável e nem integrador. Diz que Cabinda é auto-suficiente em produtos agrícolas, mas não se afirma com uma marca Cabinda, um rótulo. Vende-se chicuanga em Luanda, por exemplo, mas não se trata de um mercado organizado, que identifique a origem e garanta padrões de qualidade.

Tem razão, mas permita-me dizer que a chicuanga de Cabinda é a melhor de todas. Nós fazemos aqui uma variedade de chicuanga que é única. Mas também temos fama na qualidade do ananás, da mandioca, da banana, da ginguba. São produtos de que as populações fazem alguma transformação muito rudimentar. No caso concreto da mandioca, por exemplo, há uma investidora que produz industrialmente e comercializa chicuanga nos Estados Unidos da América do Norte e no Canadá. Ela prometeu-nos vir a Cabinda também. São indústrias pequenas, mas que criam uma marca. Ela é do Congo Brazzaville, temos interagido, para ver se se monta aqui duas ou três unidades que criariam uma marca da nossa chicuanga. Mas pensamos que a produção de mandioca de Cabinda pode abranger o resto do país.

No quadro da cadeia de valor, Cabinda vai ter uma unidade de processamento de fuba de bombó, o que permitirá o surgimento de uma marca de fuba de Cabinda. Por outro lado, com isto, a intenção é que, além da exportação do excedente da produção local para os dois Congos, que a transformação local permita a entrada do produto na merenda escolar com mais força, por exemplo. Porque a forma como até agora se exporta a banana, a mandioca, etc., não é rentável para os produtores. Eles produzem, alugam camiões que levam os produtos à fronteira de Massabi. É possível transformar cá a produção. Vendo assim as coisas, a fronteira pode até permitir a entrada de algumas divisas, mas o grande mercado de Cabinda pode ser o resto do país…

Sem dúvida… E há alguma organização dos operadores, produtores e comerciantes locais, até olhando para o potencial do mercado que se vai abrir com o início do funcionamento do ferryboat, previsto para este ano, com grande capacidade de transportação de mercadorias?

Há alguma atenção a isso, mesmo sem ter de ser grandes empresários, temos dialogado. Daí que eu insista que a abertura da rota Luanda – Soyo – Cabinda – Soyo vai ajudar a transportar o que Cabinda produz para o resto do país e vai mitigar as grandes dificuldades na província relativas ao custo de vida. Os preços neste mercado são quase o dobro, ou o triplo de qualquer outra província do país, o quer dizer que mais do que a venda da marca Cabinda para o resto do país, a entrada em funcionamento de ferryboats adquiridos pelo Governo ou de outras iniciativas privadas que possam surgir no futuro, vai ajudar a mitigar a questão dos elevados preços em Cabinda, que constrangem a condição de vida das populações, porque os salários são iguais para todo o país, mas, infelizmente, aqui em Cabinda o custo de vida é muito alto. Deve-se ter apercebido como os preços são muito diferenciados, mesmo nos hotéis. A existência de ferryboats vai fazer com que Cabinda tenha maior acesso aos produtos que venham de Luanda, por exemplo, até porque o mercado de Ponta Negra (Congo) não nos favorece.

“Há preços em Cabinda que são o triplo do resto do país”

Então, Cabinda está com a respiração suspensa por um ferryboat… Num primeiro momento, a nossa preocupação é ver a rampa do ferryboat pronta. Mas esta situação será ainda mais mitigada quando se concluir o porto de águas profundas de Cabinda. Aí sim, a situação ficará muito aliviada. Eu sou dos que defendem que a solução Luvo, ou a solução terreste para Cabinda deve ser uma alternativa. Não deve ser a primária. Defendo que uma parte do nosso território nacional não pode ficar dependente de um outro país. Há vários exemplos de países do mundo que vivem da base do transporte marítimo, vejamos como funciona Casamansa e Dakar, como funcionam as ilhas de Cabo Verde, os arquipélagos dos Açores, Madeira, no caso português, que, além das ligações aéreas, o forte está no mar. Há vários países no mundo com descontinuidade geográfica e que vivem normalmente. Daí que a descontinuidade geográfica não deve significar a criação de problemas sérios ao desenvolvimento da nossa província. Aliás, o Executivo angolano está a trabalhar exactamente para mitigar estas situações.

Então, é uma solução que tarda… Esta alternativa do ferryboat é uma resposta muito boa ao problema da via terrestre. Estamos a falar de um ferryboat com capacidade de transportação de dez contentores, dez camiões ou carrinhas, sessenta e duas pessoas, numa viagem de uma hora e meia. Isto significa que se pode fazer três viagens por dia, por exemplo. Se no futuro tivermos três ou quatro embarcações, poderemos quase que prescindir da via terrestre. O que precisamos de fazer é que o ferryboat comece a funcionar o mais rápido possível. Há iniciativas privadas para a mesma rota, mas o estrangulamento está na rampa de atracagem.

Não há o risco de se exagerar na dose, estando a concretizar-se toda esta oferta de transportação, incluindo o Porto do Caio, e de postos de trabalho para uma população pequena? Não há o risco de um impulso na imigração?

Por outro lado, além da madeira e do cacau e café, que outros produtos preencherão os grandes navios no porto de águas profundas e os ferryboats? A visão vai para além disto. Porque fazer-se um porto apenas por causa da madeira, ou do café, ou do cacau de Cabinda, obviamente não é sustentável. Mas o porto de Cabinda vai servir como plataforma do país e para a região central do continente. A partir de Cabinda atingiremos outros países, Camarões, Guiné Equatorial, S. Tomé e Príncipe, etc. Cabinda será uma plataforma logística para a região.

Os dados indicam que o porto de águas profundas poderá empregar mais de mil e seiscentas pessoas, falo de empregos directos. E haverá outros no “quebramar”, para o terminal marítimo de passageiros, o ferryboat. Estes projectos trarão vantagens para Cabinda na dinamização económica e na empregabilidade, principalmente da juventude. Como se sabe, com a crise económica, com a baixa do preço do petróleo e somando as consequências da pandemia, as companhias petrolíferas desempregaram muita gente, o que causa problemas sociais. As pessoas buscam formas de sobreviver. Há um fenómeno que todo o jovem que sai de Cabinda para o Huambo ou para o Bié, por exemplo, depois já não quer voltar. É um sinal da crise, apesar de haver o lado positivo da integração nacional. Mas também precisaremos de jovens de outras províncias em Cabinda para preencher as vagas de empregos com o arranque destes projectos. Veja que só o porto de águas profundas levará à criação de trinta mil empregos indirectos.

Cabinda está, portanto, pelo que diz, a iniciar uma revolução para mudar de rosto, deixando de ser apenas petróleo, com o alargamento da produção agrária e transformação em plataforma logística e incremento do transporte marítimo?

Espero bem que sim, porque o primeiro Presidente do nosso país já havia definido que a agricultura é a base e a indústria o factor decisivo. Angola já foi auto-suficiente em produtos agrícolas e atingiu lugares cimeiros a nível mundial, mas no contexto da Independência, os problemas internos que tivemos fizeram com que o país decaísse em termos de produção agrícola. Obviamente que agora as coisas começam a ganhar um outro rumo, para melhor. Cabinda, desde tempos remotos foi sempre auto-suficiente em termos da agricultura. Infelizmente, no tempo colonial a estratégia deu primazia à produção de café, cacau e madeira, que eram produtos que na estratégia dos colonos lhes interessava, porque tudo isto beneficiava a metrópole, tal como definiram nas outras províncias do país produtos específicos. Para o Centro, por exemplo, definiram a produção de cereais, porque havia esta tradição. Aqui, as autoridades não se envolviam na produção de produtos da base alimentar, como a mandioca e a banana, para alimentação humana. Já no CentroSul, o milho, para além da alimentação humana, serve como base da produção de proteína animal.

Ou seja, se você quer desenvolver a agricultura, ou a suinicultura, por exemplo, tem também de aumentar a produção de cereais, principalmente o milho e a soja. Espero que os governantes que me seguirem, um dia, apostem também na agricultura, que sustenta as populações no plano alimentar e económico. Uma família com uma lavra de alguns hectares, dois ou três, de milho, mandioca, banana, e tiver uma pocilga, um pequeno galinheiro, um aprisco, ainda que seja um aprisco comunitário, esta família deixa, de imediato, a pobreza. Deixa de ser pobre, porque tem o que comer e pode vender os excedentes. A cidade de Cabinda, apesar de situada no litoral, está de costas viradas para o mar, vê-se que as construções têm as fachadas principais viradas para dentro, o que esconde o mar, isto pode ser um problema para o turismo, quando se quer ser uma plataforma…

Nós temos, olhado para este aspecto e também porque a cidade de Cabinda começa a ter problemas seríssimos de mobilidade, está inscrito no PIIM de Cabinda um estudo sobre a circular de Cabinda (uma marginal) e a circular externa, tendo em conta até os grandes projectos estruturantes em execução, como o do porto de águas profundas. Se não se avançar para a circular e a marginal, Cabinda ficará seriamente abarrotada. Aliás, nos próximos tempos teremos de fazer, já, restrições em determinadas vias, porque nas horas de ponta é difícil chegar-se a tempo ao aeroporto, por exemplo. Temos apenas um via de ida e volta para o Sul, quando no passado havia a Rua das Forças Armadas, que foi encurtada e que agora teremos de a requalificar para termos uma via a descer e outra a subir e facilitar a mobilidade. Com o desenvolvimento que se pretende com estas infra-estruturas, ficará facilitado o transporte de pessoas e bens na cidade de Cabinda. Hoje, para quem esteja ou venha do Fútila ou do Chiazi, com a nova iluminação na cidade, consegue ver Cabinda de forma diferenciada. Já estamos à procura, para que tão logo terminem os estudos se consiga financiamentos para a marginal e para a circular externa de Cabinda, que facilitará o progresso de toda a província.

“Do Miconje ao Iema se circula livremente”

Cabinda alberga uma das sete maravilhas de Angola, o Maiombe, mas que parece pensar-se nele apenas como fornecedor de madeira, quando poderia dar mais dinheiro com o turismo e até com a exploração científica, ou seja, a floresta do Maiombe poderia dar mais dinheiro do que o da madeira. É possível, Maiombe, sem sombra de dúvida, dar mais dinheiro para além do da madeira, até porque nós precisamos de preservar esta floresta que, como se sabe, é a segunda maior do mundo, depois da Amazónia. Mas há também um falso problema, infelizmente, que prejudica, de certa forma, o movimento turístico no Maiombe. Dada a situação que se propagou de que há “flecs”, homens armados, de certa forma inibe as pessoas de irem para o interior. Mas sei que você andou pelo interior, disse-mo há pouco. O que digo é que em Cabinda, do Miconje ao Iema se circula livremente, a situação política e militar de Cabinda é extremamente calma, não há acção militar da FLEC em Cabinda, que é uma  província como as outras do país.

Sendo estável, o que inibe maior frequência ao interior?

Para além deste aspecto, da falsa propaganda de que no Maiombe não se pode circular, um problema que não existe, temos sim um constrangimento ao turismo, que, seguramente percebeu, que é o estado da estrada. Do BucoZau para o Miconje praticamente não existe estrada. A estrada nacional está estragada. Que estivesse boa ao menos até ao Belize, para não falar da do Belize ao Miconje, que nunca existiu asfaltada. Este é um elemento fundamental para que haja turismo. Podemos convencer as pessoas de que Cabinda não é uma zona de guerra, mas, havendo estradas facilitaria muito mais o turismo. No passado houve até a iniciativa de um resort no Miconje, mas que está abandonado porque lá não vai ninguém. Não é por medo de ataques, é porque a estrada está terrível. Trata-se de um pressuposto fundamental, sem boas estradas não se consegue desenvolver o turismo. O Maiombe tem um enorme potencial para o eco-turismo, pela beleza, pelas variadíssimas espécies animais e da sua flora, falo dos elefantes, dos macacos, gorilas, várias espécies que os turistas gostariam de ver, mas primeiro temos de resolver o problema da estrada, depois surgirão as iniciativas privadas.