Análise Psicossocial – Uma Abordagem Transitória: da Imitação Externa à Imitação Metafórica na Literatura Angolana- Em Reginas de Rosas & Munhungo de João Tala

 

Apresente análise psicossocial parte do princípio de que em Rosas & Munhungo, concretamente, em Regina, evidenciam-se proposições transitórias da imitação externa à metafórica que subjazem, em parte, no discurso psicossocial até certo ponto dualista: ora externo à obra, ora interno à obra. Trata-se de uma discussão embrionária, mas que necessária, uma vez determinados criadores demarcam a criação da realidade.

Embora entendamos de que seja necessário, para que determinados leitores tenham a mínima percepção da trajectória do escritor em causa, não é nossa pretensão trazermos à baila o percurso literário ou académico do escritor João Tala. Pois que, a nossa abordagem não se estende ao prisma da historiografia ou da bibliografia literária. Por ora, na ciência não há espaço para presunções, sob as lentes interpretativas refutamos o postulado de que a criação surja do nada. Daí que, não enveredaremos a um discurso amarrado ao saber absoluto nem treparemos às árvores do facultatismo.

A criação é em si a realidade, não a entendamos como a própria realidade em seu estado primitivo. Se assim o for, tratar-se-á de um relatório realístico. Entendamos de que se trata da interpretação da imitação por via de um infindável e aberto espaço de recriação do imaginário/referente existente ou pré-concebido. O parágrafo inicial, em Regina, despoleta este desiderato << Nunca tinha visto uma mulher a arder, eu disse em minha metáfora e toda agente ficou de esquisito a alvejar-me./- Você não esteve cá no tempo da guerra, pois não? (…)>>.

Por mais que se queira separar, ou que se separe, o criador da criação; o narrador da narração; o sujeito discursivo do discurso há, quase sempre, uma correlação existencial por meio histórico, sociológico ou antropológico. Por exemplo, vejamos que em função do processo histórico de Angola, a palavra “arder”, para além de transpor, quase sempre, os tecidos normais da sociedade é um gatilho no subconsciente de determinados segmentos pertencente à cosmovisão angolana.

Daí que, um olhar externo à obra é também uma substância para que se fundamente, quase sempre, a relação existente entre os factos existenciais e os inexistenciais à obra. Por isso que, entendemos que no estudo de uma obra, qualquer que seja, o externo é também chamado para que se efectivem outras formas de leituras. Porém, não como meio de aferição ou mecanismo avaliativo/qualitativo da obra. Por exemplo, na retórica do discurso personático em volta da palavra “guerra” subjaz a imitação externa impregnada no conteúdo existencial, uma vez que em fase de guerra muito dos angolanos ausentaram-se do país. A coincidência acaba por ser um facto irrelevante na presente abordagem, em função das várias etapas vividas por Angola. Prossegue, em seu discurso personático << Eu sei que nas batalhas, em qualquer parte do mundo, tal como no inferno, ardem seriamente mulheres e outras pessoas>>.  Os recortes substanciais, “em qualquer parte do mundo; tal como no inferno; e outras pessoas” funcionam como elo transicional da imitação externa à imitação metafórica. Porém, nos discursos personáticos e, sobretudo, dos sujeitos poéticos nas obras do João Tala, a demarcação entre o sujeito-médico e o sujeito- discursivo quase que são nulas. Portanto, algumas vezes, confundem-se.

Embora Massaud Moisés entenda que o leitor é obrigado a concordar com as normas estabelecidas pelo ficcionista, entendamos que, por enquanto, não existem normas estabelecidas entre o leitor e o ficcionista e sim leituras plurissignificativas em função do nível interpretativo de cada sujeito-leitor. Neste processo transitório, a notoriedade da conflitualidade existente entre o narrador e o discurso personático é indubitável << Aproveitei a brecha, eu sou médico, menti e ela mais educadinha “ah que bom, podia contar logo doutor, anda venha”>>. No trecho ora apresentado, a imitação externa decorre por via do discurso existencial que é aferido por existir uma relação exposicional entre o narrador e o discurso personático. Portanto, sabe – se, a prior, que existe um João Tala no narrador dedicado à medicina.

Entretanto, a tese defendida por Umberto Eco de que na obra da arte transpiram completamente a personalidade e a espiritualidade originais do artista, embora a palavra “completamente” abra algumas reticências, encaixa-se pelo facto do narrador ser mesmo médico. Mas em forma de auto-negação serve-se da forma verbal do verbo “mentir” para desatar o nó entre o existencial e o inexistencial, o que perfaz o processo transitório da imitação externa à imitação metafórica.

Em gesto de reforço, a criação literária, quer seja em versos ou prosa, terá como esqueleto a realidade mesmo que seja ficcionada ou imaginária, pois que, nada surge do nada. Frisamos de que, é apenas fragmento de a análise que requererá ainda de reestruturação: ao nível do conteúdo; ao nível da pesquisa; das suas variantes e do discurso analítico a que nos propusemos.

Por: Hamilton Artes