Queda de muro mata três e deixa seis feridos no Golfe 2

Queda de muro mata três e deixa seis feridos no Golfe 2

Um muro que estava a ser construído no bairro do Golfe 2, nas imediações do Nosso Super, caiu sobre nove pessoas, tendo provocado a morte de três e deixado ferido as restantes. Apesar de ter sido um acidente, as famílias lesadas não têm tido o apoio e solidariedade do dono da obra que, supostamente, não se quer responsabilizar pelo sucedido

Era para a pequena Joseane Damião, de 13 anos, ser costureira ou agente de moda, depois de crescida, tal como partilhou o sonho com a sua irmã mais velha, Valentina António. Não fossem os blocos da parede de um estabelecimento que caíram sobre si, e acabado por perder a vida no Hospital Geral de Luanda, o sonho teria sido alimentado. A interrupção deu-se no passado dia 30, por volta das 11 horas, quando Joseane, no seu habitual trajecto, se preparava para atravessar a estrada e pegar o táxi para o regresso à casa. Saía da escola Bonafre e, normalmente, quando o pai está indisponível para ir a sua busca e dos irmãos, pegam o táxi na paragem do BIC – do Golfe 2, que os deixa no conhecido Quintalão do Petro.

O muro, para quem sai do Nosso Super ao Kimbango, fica na primeira paragem de táxis (à direita), e estava a ser construído por um grupo de dois pedreiros, ainda não identificados, sem a devida protecção para os transeuntes que frequentam aquela via e paragem, uma vez que nem chapas de vedação tem. Joseana quebrou os membros inferiores e superiores, fez hemorragia interna, mas ainda foi retirada com vida do local. Foi levada por um dos taxistas, apesar de existir, nas imediações, uma unidade de bombeiros e, durante o caminho, a menina pedia que fosse levada à casa e não no hospital. Valentina António, a irmã, disse que a menina, inclusive, chegou a entregar o número de telefone do pai e outros dados, no hospital.

O pai, quando chegou ao hospital, encontrou a triste notícia da morte de Joseane. Joseane morreu no dia 30 e apenas foi a enterrar no dia 6, segundo a irmã, tudo porque receberam a orientação da Polícia que o corpo não deveria ser retirado da morgue sem antes “trabalharem”. “Ficamos com o óbito, em casa, uma semana. Todos os custos foram nossos e o senhor responsável do estabelecimento cuja parede desabou não se pronunciou. Como se não bastasse, o custo diário da conservação do corpo na morgue (30 mil Kz/dia) foram pagos por nós”, disse. Aberto processo no SIC Senhor Damião, pai da menina, também falou da falta de interesse do responsável do estabelecimento para com o caso, uma vez que, até ao momento, não teve contacto directo com ele, não se pronunciou e não quer saber de nada.

A reacção do proprietário deve-se também ao facto de terem ouvido que o mesmo seja alguém de “alta patente” na Polícia. “Ele está a usar tráfico de influência, acha-se poderoso e que não pode ser responsabilizado. Ele disse que não vai assumir nada, porque não mandou ninguém passar no passeio. Se ele é superior à lei, então vamos ao tribunal”, disse. Damião constituiu um advogado, o Dr. Jaime, que, ao telefone, confirmou-nos a abertura do processo junto do SIC-Kilamba Kiaxi, sob o número 284021KK. O advogado disse ainda que o instrutor foi orientado a levar o processo ao SIC provincial, por razões que ainda não lhe foi explicado, e que ainda não teve contacto com o responsável da obra.

Estavam detidos os dois pedreiros, mas foram postos em liberdade depois de ouvidos pelo SIC. Importa frisar que, no local do acontecimento, a nossa equipa recebeu a informação que, no dia da queda, o local foi cercado de polícias no sentido de protegerem o estabelecimento. Desde aquela data, nunca mais foi visto alguém, nem mesmo os pedrei

A morte de alguém com quem já discutiu

São no total nove vítimas. Três perderam a vida e outras seis ficaram com ferimentos graves, uns com pernas perdidas, outros com braços e muita dor no corpo

Uma das primeiras vítimas mortais é o jovem Simão Salvador, de 36 anos, que trabalhava como lotador de carro, na paragem próxima ao local do acidente. A família encontrou-o já na morgue do Hospital Maria Pia, depois de tanta procura, por conta do acontecimento de Sexta-feira, 30. Trabalhava como lotador há um ano, antes era vendedor de bolinho, mas, segundo Madalena António, sua tia, várias foram as vezes que o seu sobrinho falava da arrogância e ameaças do dono do estabelecimento cujo muro caiu, principalmente contra ele (Simão). “Dizem que é um senhor de patente alta, não conhecemos e não o vimos.

Várias foram as vezes que o senhor discutia com ele (Simão), segundo os colegas, só porque este defendia as vendedoras que trabalham no local. Tudo que queremos é que a justiça seja feita, pois ele não pode ter morrido assim e com o responsável a cruzar os braços”, disse. Da mesma forma que a família de Joseane teve de esperar uma semana para realizar o enterro, Simão foi precisamente enterrado na Quinta-feira, 6, com o acréscimo da necessidade de ser submetido à autópsia.

A terceira vítima mortal, embora não tenhamos conseguido identificar a casa do óbito e a sua família, chama-se Maria de Lurdes Mendes, de 26 anos, como nos foi informado por Eunice Nascimento, da direcção clínica do Hospital Geral de Luanda. Maria morreu no mesmo dia do acontecimento. Eunice disse ainda que, no dia do infausto acontecimento, receberam oito feridos e tiveram dois óbitos (da adolescente de 13 anos e da jovem de 26 – com fractura e traumatismo craniano). Um dos casos mais graves, de um menino de 10 anos, com traumatismo grave, que foi parar nos cuidados intensivos, já está fora de perigo. Todos os oito feridos que receberam chegaram ao hospital trazidas por pessoas singulares, em viaturas particulares.

Sobrevivente não consegue pagar a fisioterapia

As vítimas são pessoas distintas, algumas estavam de passagem e outras tinham o passeio como local de trabalho. Embora seja zungueira, Adelaide Luamba, de 44 anos, não tinha aquele local como o seu para as vendas, pois, no dia do acontecimento, estava de passagem e prestes a fazer a travessia para o outro lado da estrada. Ela diz não entender como tudo aconteceu, pelo que lembra apenas de ter ouvido um barulho grande, ter perdido os sentidos e acordado no Hospital Geral de Luanda. Não fosse a sua colega, Fátima Ferreira, que partiu uma perna em consequência da queda do mesmo muro, ter alertado que por baixo dos blocos estava Adelaide, esta não estaria viva. Entrou no hospital na Sexta-feira e, na Segunda-feira de manhã, recebeu a alta, apesar de não se sentir ainda bem.

A sua coluna continua a doer muito, não consegue sentar-se nem ficar de pé. Apenas fica deitada. Quando conversou com a nossa equipa estava deitada num colchão, na sala de casa, e queixava-se de muita dor em todo o corpo. Foi orientada a regressar, na Quarta-feira, ao hospital, para fazer mais exames, fê-los. Para sair de casa para o hospital tem sido um trabalho grande, tem de alugar um carro, apesar do pouco dinheiro que tem. A grande preocupação está no facto de ser orientada a fazer fisioterapia numa clínica, mas está sem dinheiro para pagar as sessões. “Não temos dinheiro suficiente para marcar esta consulta, que será numa clínica indicada pelo doutor. Meu marido não tem trabalho, é zungueiro como eu, coitado”, lamenta.

Quando perguntada se a pessoa responsável pelo muro entrou em contacto consigo ou se a tem ajudado com alguma coisa, respondeu negativamente. Nesta senda, o nosso jornal envidou esforços para contactar o responsável do estabelecimento cujo muro estava a ser construído. Um dos lados da parede tem os seguintes dizeres: “Escola de Condução Autocumona”, mas não tivemos sucesso. O espaço foi abandonado desde o acidente, ninguém o conhece ou sabe como o contactar. Nesta conformidade, apercebendo-se da existência de um processo-crime, contactamos o comandante do Comando Municipal do Kilamba Kiaxi, que pediu que tivéssemos paciência, porque estava recentemente no cargo e o facto aconteceu antes da sua nomeação, pelo que não gostaria de falar de um assunto sobre o qual ainda não tem domínio. O comandante contactou a comandante cessante e prometeu pronunciar-se assim que tivesse todas as informações.