A hora dos vilões

Uma jovem mulher simula o próprio rapto, com o fi m único de obter fama e protagonismo e, pasme- se ou não, consegue. As televisões estendem-lhe a passadeira vermelha, tornando-a na convidada especial de um sem número de programas, todos com mais de uma hora, apenas para explicar os detalhes de tão mirabolante plano. Entre explicações e supostos pedidos de desculpas, ainda sobra tempo para falar sobre a (não) iniciação da jovem na vida sexual e, pronto, isso vai valer-lhe mais uma série de outros novos convites para outros tantos programas. Enquanto isso, o vencedor da última edição do Prémio Literário Sagrada Esperança, nunca foi convidado para um único programa de televisão. Porque será?

Um outro jovem que ganhou destaque nas redes sociais em vídeos em que exibe grandes somas de dinheiro e grita arrogantemente para tudo e todos é também recebido com profunda reverência e carinho pelos apresentadores dos diferentes programas onde é convidado. O jovem não é convidado para falar sobre a proveniência do seu dinheiro, nem para ensinar outros jovens sobre a difícil ciência de fazer fortuna. Ele vai para continuar a exibir-se, sobrando-lhe tempo para zombar e humilhar quem por sorte ou azar ainda não descobriu a fórmula secreta de fazer milhões honestamente. Enquanto isso, jovens criadores e inventores com prémios conquistados em feiras internacionais não têm espaço nessa nova televisão. Porque será?

Um oficial do exército que enriqueceu a desviar fundos do erário merece um programa inteiro de televisão. O programa, no entanto, gasta mais tempo a mostrar as suas colecções de sapatos, de carros e de casas do que a falar da possível punição para tão graves crimes. As imagens mais parecem um grande spot publicitário onde quem quiser escolhe um produto, faltando apenas passar em rodapé um número de telefone através do qual se podia fazer o pedido. Quem viu o programa, mais desejou estar no lugar do indivíduo do que aprendeu sobre as consequências nefastas de uma vida dedicada ao crime.

Os factos acima poderiam ser todos capítulos diferentes de um mesmo programa intitulado: «A Hora dos Vilões». Um programa onde os vilões não vão para receber o repúdio e a condenação geral, nem tão pouco para receber os castigos que merecem por não terem sido cidadãos exemplares. N’A Hora dos Vilões, os vilões são os protagonistas. São amados, queridos, desejados e, lá, vão justamente para receber todo o destaque de que precisam, todo o amor que merecem e toda a promoção de que as suas acções necessitam para se difundir e se enraizar na sociedade. Neste programa, os capítulos parecem ser montados justamente para criar nos jovens o desejo de serem iguais àquelas figuras, terem o mesmo que elas têm, fazer o mesmo que elas fazem. É como se a televisão tivesse sido capturada por vilões que a usam para a sua autopromoção e propagação dos seus intentos vilanescos. Os maus exemplos abundam, os bons exemplos escasseiam, enquanto a sociedade aplaude, ri e se distrai. É como se as pessoas honestas, as inteligentes, as criativas, as que podem ensinar pelos bons exemplos tivessem subitamente desaparecido e, agora, apenas restassem os maus exemplos para nos guiar ao futuro.

Todos sabemos o impacto que tais programas têm na cabeça de adolescentes e jovens que andam desesperadamente à procura de modelos para formar as suas personalidades. Se, infelizmente, são estes os exemplos que estamos a semear, não nos admiremos, pois, quando daqui a alguns anos tivermos adultos que não serão mais do que cópias integrais dos nossos vilões de hoje, que já tanto mal nos causam.

«Mas e o direito à informação?» perguntarão alguns. Acho que se pode fazer as coisas de modo diferente e, ainda assim, respeitar o direito à informação. Está na hora de promovermos os bons exemplos, trazendo-os à televisão para mostrar aos jovens de hoje que se pode (e se deve) alcançar a fama, o sucesso e o reconhecimento fazendo o que é certo, o que é justo, o que é honesto.

Decerto não serei eu a ensinar a missa ao vigário, até porque, pouco percebo de jornalismo, mas de uma coisa sei: não se pode semear ventos e esperar colher bonança. E, ao que tudo indica, promovendo vilões, as nossas televisões tornaram- se cúmplices perfeitos na perigosa ciência de semear ventos. Por favor, façam diferente ou estaremos cá para ver (e sentir na pele) a dor da colheita.

Por: Sérgio Fernandes