Direito ao esquecimento na internet: lacuna da legislação actual

Certo dia estando na Universidade, fui abordado por uma jovem questionando sobre se podia publicar fotos de um amigo que haviam tirado num encontro que ambos mantiveram. Neste momento, a reação foi o de saber porque queria praticar tal acto? Em resposta, ela disse, que havia encontrado fotos suas num perfil, ou seja, numa página desconhecida na internet. O que a preocupava, pois que não havia enviado qualquer foto ou partilhado suas imagens com alguém. Este facto suscitou-me análise de variadíssimas situações que as pessoas singulares têm vivenciado, nas redes sociais e plataformas digitais particularmente o postar fotos, imagens, caricaturas, vídeo e áudios que põem em risco a sua dignidade.

A recolha de informação é cada vez mais sofisticada, as tecnologias de informação e comunicação têm prestado um serviço quase universal, pois em todos os lados alguém está captando imagens, sons, vídeo e ao mesmo tempo partilhando.

E com isso, as pessoas estão expostas por via de videovigilância e vigilância electrónica devidamente concebida, cujo escopo é detectar a presença ou ausência destas num determinado local, ou acompanhar os seus passos e a conduta naquele local (público ou privado).

Os meios computacionais e os sistemas de redes, bem como como as plataformas digitais e as redes sociais são utilizadas com fins controlar ou mesmo seguir a vida das pessoas, algumas vezes, expõem- nas sob argumento da segurança pública, o combate criminalidade e quiçá ao terrorismo e extremismo violento.

A questão que não se quer calar: como fica os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos? Particularmente, o cidadão poderá o titular exercer o seu direito ao esquecimento, o direito ao apagamento ou bloquear os dados pessoais armazenados? Ou detidos por terceiros?

Neste quesito, a legislação sobre a protecção de dados pessoais, a lei das comunicações electrónicas e dos serviços da sociedade da informação e a lei de protecção das redes e sistemas informativos, não é suficientemente clara.

A lei dá maior preponderância aos provedores dos serviços, responsáveis pelo tratamento de dados. Outrossim, a Agência de Protecção de Dados é instituição responsável cuja competência é regular sobre a Protecção dos Dados, através dos mecanismos legalmente aprovados. Agência pela sua natureza, não tem competência para agir no espaço dos “direitos e liberdades fundamentais” do cidadão no espaço digital.

O grande debate reside no facto de que o pacto cidadão que sofre e é vítima porque as suas imagens, vídeos foram postas em hasta pública por terceiros sem consentimento, que recursos terá? Tal é caso, entre os estudantes, o bullying. Os vídeos que circulam no Facebook e whatshapp, no Tiktok que atentam o bom nome, imagem e honra etc. Como a pessoa lesada poderá exercer o seu direito de apagar ou bloquear tal informação?

Por outro lado, os efeitos do abuso psicológico e moral nos estudantes é terrível. Muitas famílias queixam-se sobre tal situação, dando lugar abandonado escolar, e nos casos mais graves ao suicídio.

Igualmente, é notório o bullying virtual perpetrado via por emails, aplicativos de conversas ou redes sociais, com mensagens hostis ou ameaçadoras. Os agressores criam falsos perfis, para o envio de uma série de mensagens com intuito de expor indevida e abusivamente a imagem de outrem, difamar, humilhar e atentar contra integridade psicológica e moral da pessoa (vitima).

Com isso, pretende-se dizer que a partilha de informação, nas plataformas digitais, nas redes sociais, e a divulgação de conteúdos (imagem, fotos e vídeos ou documentos) tem afectado privada e social de várias pessoas tendo como resultado a prática de crimes de abuso sexual, pedofilia, raptos, injurias, calunias e difamações, vulnerabilizando as relações socio- digitais.

É evidente, que os mecanismos de busca “Google, Bing, Yahoo” têm proporcionado acesso a milhões de informações, com esforço mínimo e sem qualquer dificuldade aos utilizadores. Suponha uma informação menos abonatória ou desprestigiante a seu respeito na internet. Ao pesquisar seu nome no buscar, o primeiro resultado é o dado constrangedor, pois que as partilhadas feitas, no número de visualizações determinará o resultado.

Na verdade, passado cinco anos da primeira informação posta na rede, se alguém pretende busca-la, nada muda. A pessoa continua a ser julgado e condenado pelos erros do passado, em função do acesso recorrente ao facto comprometedor e desolador. Aqui reside a problemática do direito ao esquecimento e direitos conexos na internet.

O Direito de esquecimento é compreendido como o “direito de não ser citado no corpo de um relato actual sobre factos pretéritos de caráter público; o direito de não ser lembrado, de não ter uma passagem ruim da vida recontada agora, tantos anos depois, apesar da sua veracidade e desde que a evocação da história se mostre nociva à vida da pessoa implicada no momento actual”.

Referenciar algum caso de base para nossa reflexão: Google Spain v AEPD and Mario Costeja González (2014). O caso em questão refere-se a um cidadão espanhol, insatisfeito com os resultados apresentados pelo Google, ao pesquisar seu perfil no mecanismo de busca. A ferramenta exibia uma série de informações, entre as quais constava um leilão judicial de imóveis de 1998, em que figurava como executado, devido ao inadimplemento de uma dívida. O link apresentado remetia à matéria de um jornal, em que era possível concluir pela pecha de velhaco. O autor considerou a associação ofensiva e capaz de gerar graves prejuízo sociais.

A decisão Tribunal de Justiça da União Europeia foi: “Os links para sites que contêm esta informação devem ser suprimidos da lista de resultados, a menos que existam razões particulares – como o papel desempenhado por esta pessoa na vida pública – que justifiquem que prevaleça o interesse do público a ter acesso a esta informação ao efectuar a busca.

Portanto, põem-se em evidência a garantia plena, a proteção eficaz e completa das pessoas em causa, designadamente do seu direito ao respeito pela sua vida privada”, particularmente o direito ao esquecimento e direitos conexos.

Por último, porém, não menos importante, os termos definidos na legislação supra referenciadas, não resolvem a questão do direito ao esquecimento, ao apagamento dos dados que circulam nas redes sociais, plataformas digitais ou mesmo armazenados em bases dados, cuja sede se encontra fora do território nacional. A lei neste quesito apresenta uma lacuna, e os tribunais nacionais não têm resolvidos casos desta natureza ou melhor dito, não houve até ao momento uma decisão a este respeito. Assim sendo, a vitima continuará a sofrer por longos e felizes anos, uma vez que não lhe foi dada a devida protecção.

Por: João Francisco