Fome força estudantes de Cacula a refugiarem-se em Luanda

Fome força estudantes de Cacula a refugiarem-se em Luanda

Teresa Cristina Mumpolo José, ou, simplesmente, Tetinha, de 12 anos de idade, que frequentava a 5.ª classe, na Escola 227, e o seu irmão Panda Joaquim, de 17, que andava na 8.ª, chegaram à casa dos tios, no Futungo, em Lunda, respectivamente, em Abril e Junho. Eles dizem que os infanto-juvenis da sua localidade esforçam-se para chegar à capital, para se livrarem da fome

A menina do Viti Vivali, município da Cacula, província da Huíla, contou que, a partir do mês de Abril de 2021, a situação dos seus pais se agravou, pelo facto de até as vacas do rebanho da família terem deixado de proporcionar leite, um alimento que lhes servia de complemento à principal refeição, o funge do almoço, como ela própria fez questão de referir.

“Eu e as minhas colegas lá do Viti Vivali não conseguíamos mais ir à escola, porque sentíamos muita fome, então, os nossos pais tinham pena de nós e medo que íamos cair no caminho, falaram para não irmos mais”, disse Tetinha, para demonstrar que a decisão da desistência não foi unilateral.

Na ocasião, a pequena Teresa Cristina Mumpolo José revelou que, nos primeiros dias, ainda resistiu à deliberação dos pais, mas as dores de cabeça e de barriga que sentia a obrigaram a ceder à recomendação.

Tetinha recordou que, no ano lectivo de 2019, quando ainda frequentava a 4.ª classe, já houve um abalo no segundo trimestre, que ficou superado com as chuvas que se seguiram no fim do mesmo ano e no princípio de 2020.

O irmão mais velho, que seguia, atentamente, os depoimentos da irmã, reforçou dizendo que o problema da fome não está fácil para ninguém no Viti Vivali, município da Cacula, na província da Huíla, sobretudo para os seus pais, que lutam diariamente para alimentar menos. “Tenho um tio que vive aqui, irmão da mãe, é que conversou com ela, para lhe mandar as crianças, a ver se lhes dão algum apoio”, referiu.

Parte da população do Viti Vivali está a abandonar a comuna, alguns com os seus filhos e outros preferem salvaguardar as crianças, mandando-as para os familiares que vivem em Luanda, soube O PAÍS do seu interlocutor que disse ter deixado três vizinhos e amigos seus pelo facto de a oportunidade que lhes foi oferecida só ter reservado uma vaga no camião dos bois.

Panda Joaquim viu a sua situação amenizada muito por conta da sensibilidade que o elenco da sua escola criou, segundo a qual a nenhum aluno deviam ser administradas faltas. A esse critério adicionou-se a dinâmica de se fazer chegar os conteúdos aos alunos, mesmo estes estando em casa.

A mesma sorte não tiveram as crianças do ensino primário, que tinham de marcar presença todos os dias na escola, segundo Panda Joaquim, para quem os professores deste nível de ensino tinham de encontrar soluções para continuar as aulas e as avaliações das crianças, já que conseguiram fazer oito meses a estudar.

Venda de bois para sacudir a fome

De acordo com o entrevistado, a causa da fome no Viti Vivali é a falta de chuva, porque, quando não cai, nem para dar a beber o gado conseguem.

“Nessa altura, a população que bebia água das cacimbas escavadas na localidade está a depender dos motoqueiros que a trazem de outras localidade para minimizar o quadro de alguns moradores com capacidade de a comprar.

Os riachos abertos pelas chuvas tornam-se quase inexistentes, nessa altura, e, quando permitem aquisição do líquido vital, por escavação no leito, só proporciona pouquíssimas quantidades para as pessoas.

Para se ter comida, os mais velhos dessa comuna, detentores de gado, vêem-se obrigados a vender algumas cabeças de bovino.

“Como o dinheiro da venda é só mesmo para comprar comida, eles chegam a vender um boi a 50 ou 40 mil kwanzas”, revelou Panda Joaquim, tendo realçado que a maior parte dos compradores tem ligação com dirigentes do município da Cacula ou de outras municipalidades desse corredor, como são os casos das de Quilengues e Lubango.

Há momentos em que os fregueses vêm com a lição bem estudada, ao ponto de proporem aos vendedores a troca directa com produtos alimentares e outros, como fuba, óleo, peixe seco, sal e arroz, além de sabão e roupa usada.

São quase esses os mesmos produtos que os agraciados com boas vendas procuram no mercado da sede do município de Cacula, que dista há mais de cinco quilómetros do Viti Vivali.

Viagem de vale tudo

No dia três deste mês, Panda Joaquim pensou em seguir Tetinha e esforçou-se por encontrar uma oportunidade para se pôr a caminho de Luanda, já que a sua família já não tinha possibilidade de lhe pagar a viagem.

Importa referir que a irmã foi levada pela tia, esposa do tio materno, do Viti Vivali a Luanda, a custo de 30 mil kwanzas, além dos seis mil gastos para serem submetidas ao teste à Covid-19, no destacamento policial instalado na margem esquerda do rio Longa, na parte da circunscrição provincial do Cuanza-Sul.

“Os tios já gastaram mais de 100 mil kwanzas para ir buscar a Tetinha, então não dava para lhes chatear muito a me ajudarem a viajar”, calculou Panda, para demonstrar que os critérios de viagem estavam por sua conta.

Para os tios, que também presenciavam a conversa da equipa desta reportagem com os seus sobrinhos, se tivessem mais dinheiro, seria um imperativo resgatar qualquer parente.

A forma que Panda encontrou para chegar à capital do país, foi fazer de pastor-guia para o gado bovino em viagem e quedar-se na carroçaria de um camião, onde dividiu o espaço com mais de 30 bois, tendo suportado os mais de 700 quilómetros.

“Quando cheguei aqui à casa dos tios, no Futungo, todo o meu corpo doía, mas fiquei feliz por ter saído da terra da fome”, disse alivido o adolescente.

Trabalhar para um negócio no regresso

Já em Luanda, Panda espera encontrar um trabalho que lhe possa render algum dinheiro para ter capacidade de fazer um negócio no Viti Vivali.

Aliás, Panda Joaquim deixou claro que o seu regresso fica dependente dos biscates que conseguir durante o período de férias lectivas.

Se regressar, o infanto-juvenil pensa em vender combustível aos motoqueiros da sua localidade ou fazer trabalho de moto-táxi.

Outra actividade em que Panda não deixa de pensar é a venda de alguns produtos básicos, como fuba, arroz, peixe, sal e sabão, que ele próprio alega serem muito procurados na sua terra natal.