A Europa dividida

A Europa dividida

A questão da unidade da União Europeia começa a pôr-se em termos urgentes e radicais. O Parlamento Húngaro votou uma lei que proíbe a divulgação, em programas de educação, de conteúdos que retratem e promovam a homossexualidade, junto de menores de 18 anos, nas escolas e liceus. A lei foi votada por larga maioria parlamentar (157 dos 199 deputados). O partido Fidesz de direita conservadora no poder e o partido Jobick, de direita radical, votaram a favor. Os 42 deputados contrários boicotaram a votação, não participando. A LEI ORBÁN A lei causou grande escândalo a nível de vários governos da EU, e a própria Presidente da Comissão veio condenar a iniciativa do Primeiro Ministro Viktor Orban, acusando-o de discriminar as minorias sexuais, mais conhecidas sob a sigla LGBTIQ.

Orban respondeu lembrando que, no regime comunista húngaro, ele tinha defendido os homossexuais, que eram perseguidos e presos pelas autoridades. E que a lei não discriminava ninguém e se limitava a impedir propaganda sexual junto dos menores, cuja educação sexual deve vir das famílias e não ser produto de modas. A iniciativa da condenação partiu da ministra belga dos Negócios Estrangeiros, Sophie Wilmes, e foi subscrita depois por 16 dos 27 países da União. Um olhar para os apoiantes e não apoiantes basta para perceber o que está em questão e a divisão que paira sobre a Europa: os países da Europa Central e Oriental – Polónia, República Checa, Eslovénia, Áustria e outros – não assinaram, ficando do lado da Hungria.

A excepção foram as pequenas repúblicas bálticas – Estónia, Letónia e Lituânia. Esta excepcionalidade conservadora da Europa Oriental explica-se também, segundo nos explicou o próprio Orbán em conversa na revista do Expresso, pelo facto do domínio comunista de certa forma ter congelado os processos de progressiva fragmentação ética e social que se deram no Ocidente. Esta divisão é muito significativa no aspecto dos valores sociais e religiosos. Na discussão que se seguiu, o Presidente Zeman da República Checa solidarizou-se com Orbán e acrescentou que ainda podia perceber os homossexuais e as lésbicas, mas que achava os transexuais, na medida em que se sujeitavam a operações de risco, prejudicando-se a si mesmos, pouco dignos de consideração. Além do maior ou menor escândalo que estes comentários possam levantar na opinião dominante, o que no fundo está em jogo nas palavras de Orbán e de Zeman é a contestação à pretensão de Bruxelas de impôr posições político-ideológicas em matérias que, em última análise, respeitam à soberania nacional.

A QUESTÃO DO ABORTO

Outro tema que está a dividir os países e a opinião europeia é a questão da maior ou menor imposição das leis que permitem e regulam o aborto. Tal foi o ponto em evidência através da votação. O texto, da autoria de um deputado socialista croata, Predrag Matić, pretende consagrar o direito ao aborto como um “direito humano” e acabar com a “objecção de consciência” dos médicos, penalizando-a. A resolução não é vinculativa, mas houve uma forte divisão no Parlamento Europeu, uma divisão claramente ideológica, entre os 378 apoiantes da moção e os 255 opositores. A liberalização do Aborto é apresentada agora como uma imposição aos governos que ainda mantêm restrições. O alvo principal é a Polónia, um país católico, governado por um partido nacionalista conservador, que tem o aborto particularmente regulado e restringido.

O estratagema da proposta de Matic era criar um novo conceito de “direitos humanos”, os “direitos genesíacos sexuais e de saúde reprodutiva”, incluindo o acesso legal e garantido ao aborto. Mais grave, a proposta quer acabar com a “cláusula de consciência” que tem permitido aos médicos, com convicções religiosas, recusar-se a praticar abortos. O problema do aborto na Europa é muito grave, correspondendo a um terço das gravidezes, ou seja, 4,5 milhões e meio de abortos, para 8,5 milhões de nascimentos anuais. Para um continente envelhecido, não faz muito sentido. E está provado que as leis encorajadoras ou desencorajadoras têm aí um papel decisivo, até porque, segundo o Centro Europeu para a Lei e a Justiça, 75% das mulheres que abortam, fazem-no por razões sociais e económicas. De qualquer modo, o clima de divisão em nome das chamadas “questões fracturantes” domina, na actualidade, a política europeia. As divisões nestas questões são bem profundas e não restam dúvidas que vão permanecer. E se Bruxelas quiser, como parece no caso da Hungria, impôr aos Estados membros políticas contrárias em matérias que envolvem a decisão e a soberania e vão contra as convicções profundas dos povos, podem verificar-se situações de ruptura.

POR: Jaime Nogueira Pinto