O alerta que se impunha

O alerta que se impunha

A Comissão Multissectorial de Combate a COVID-19 decidiu convocar os partidos políticos com acento parlamentar, para alertar e concomitante dialogar relativamente às constantes violações que se têm verificado nos últimos meses aos Decretos-Presidenciais que estabelecem as regras de combate e controlo da pandemia. No meu entendimento esta medida é positiva, mas peca por tardia, considerando que o desrespeito pelas medidas impostas começou há largos meses, mais concretamente no final do ano passado, estendendo-se até ao presente, num período em que inicialmente a UNITA, maior partido da oposição, decidiu sair a rua e através de um conjunto de actos políticos fazer demonstrações de força e vitalidade, tendo realizado várias actividades em Luanda, marchas em Benguela, no Huambo, Cuando Cubango e noutros pontos do país, com maior enfâse para as festividades do aniversário da UNITA celebrado no UIGE, o que não mereceu resposta durante muito tempo por parte do MPLA, partido que governa o país, que estava a cumprir estrita e rigorosamente o confinamento.

Curiosamente, naquele período inicial, dianta da clara violação das normas vigentes, multiplicaram-se nas redes sociais e outros órgãos de comunicação social, comentários aplaudindo o cenário, sendo que a esmagadora maioria era no sentido que a UNITA estava fortíssima, que iria ganhar facilmente as eleições e o MPLA tinha acabado, tudo isto sem que ninguém, nenhum membro da sociedade civil tivesse feito um só comentário contra, pelo menos que eu tivesse tido conhecimento.

Aquela onda de euforia motivou muito mais tarde a reacção por parte do MPLA, que obviamente, chegou a conclusão que era necessário reagir a situação, naquele momento de clara desvantagem e em meados do mês de abril, decidiu fazer sair a JMPLA na Cidade do Huambo, para medir a pulsação e a adesão da juventude que foi tremenda, tendo aquele culminado com um sinal contrário a ideia que se pretendia fazer passar até àquele momento, demonstrando o que MPLA estava vivo, pois a multidão que se fez presente ultrapassou claramente a que participou das manifestações anteriores do maior partido da oposição, o que estranhamente motivou imediatamente centenas de reações e o fim do silêncio, do “clima de tranquilidade“ que vigorava até aquele momento, pois subitamente toda a gente já se recordava da existência do confinamento, o que ganhou ainda mais enfâse com o regresso de Bento Bento, que com o seu trabalho pelos municípios de Luanda levou ainda muito mais gente afecta ao MPLA a sair às ruas, isto associado às visitas impactantes da Vice-Presidente do MPLA Luísa Damião ao interior do país e as marchas de apoio ao Presidente do partido João Lourenço, que evidenciaram por um lado a força do MPLA e por outro lado, este o mais preocupante, a necessidade de se realizarem as actividades de carácter político partidário com grupos reduzidos e acima de tudo com um maior controlo, em total respeito e observância as medidas impostas pelas autoridades sanitárias, que preveem a realização de actos políticos com apenas 50 militantes para Luanda e 100 para as restantes províncias, ou seja, quanto mais restritas melhor.

Os altos dirigentes dos partidos políticos não podem de maneira nenhuma ignorar o perigo iminente associado a realização destas manifestações políticas, pois colocam potencialmente em perigo a saúde e a vida dos próprios militantes e dirigentes que não estão comprovadamente imunes à doença. Têm sido comuns as acusações de parcialidade, de tentativas de manipulação da imprensa relativamente a vários assuntos direcionadas ao Executivo e ao MPLA por arrasto (o que é legítimo quando feito com razoabilidade e bom senso, dentro dos padrões aceitáveis) e em algumas delas podem efectivamente ter razão, mas neste caso os mesmos que acusam os governantes, que apontam os seus erros constantemente, agiram durante largo período de tempo no que respeita a este tema com completa parcialidade, dualidade de critérios e lamento que assim seja porque não podemos ter cidadãos que só estão atentos, que só veem os erros do Executivo e do MPLA e criticam quer se haja bem ou mal em determinada matéria.

Certamente se esta chamada de atenção que a Comissão faz agora fosse feita no início, choveriam críticas em relação ao posicionamento da mesma alegando que estaria a agir em benefício do MPLA. No meu entender, ambos os partidos têm uma dimensão e responsabilidade histórica muito grande com maior incidência e por razões óbvias para o MPLA que tem sido governo desde a independência nacional e deve dar o exemplo, o que ocorreu de facto neste quesito, até que os responsáveis máximos entenderam que a situação era insustentável. Penso que a partir da chamada de atenção por parte da Comissão e do reconhecimento (meaculpa) do Líder da Grupo Parlamentar da UNITA Liberty Chiaca, acerca dos excessos nesta matéria, o que merece de facto um elogio porque estas questões devem ser tratadas ou abordadas com a profundidade, maturidade e responsabilidade necessárias.

É importante que haja respeito mútuo, respeito pelas leis vigentes, pois ninguém está acima da Lei. É demasiado obvio que neste processo de construção da nação angolana, os objectivos podem ser iguais (ou não), o modo de agir e pensar são diferentes, pois na maior parte das vezes analisamos os assuntos e os discutimos, à partir de ângulos de visão e pontos de vista diferentes e com acesso a conteúdos de informação diferentes mas não podem existir dúvidas que todos e cada um deve dar o seu contributo para o desenvolvimento do país, criando o mínimo de obstáculos possível a materialização dos interesses comuns. O processo dinâmico, contínuo e aprendemos todos os dias um bocadinho e nesta sequência de aprendizagem vamos dando passos importantes neste processo de construção da Democracia, da edificação e consolidação do Estado de Direito em Angola.

POR: Omar Ndavoka Abel