Legitimidade política: Quem é mais merecedor?

Legitimidade política: Quem é mais merecedor?

Em Angola durante a última década da luta anticolonial e os primeiros 27 anos de Angola independente, a questão que mais fracturante entre os três movimentos de libertação nacional foi a seguinte: Entre o MPLA, a UNITA e a FNLA quem tem mais legitimidade política em Angola? As modalidades que se encontraram para responder esta questão fizeram com que o país mergulhasse num palco de guerra durante quase 30 anos. Pelo que nos consta, parece que ainda não abandonamos as modalidades destrutivas de responder a esta questão.

Parece que o Memorando de Entendimento de Luena não nos mostrou que a questão de fundo, de todas as divergências políticas de Angola, é esta. Na semana passada, tivemos dois exemplos paradigmáticos que deixam esta questão bem patente. Provavelmente outras pessoas terão identificado outros, no meu caso dois me chamaram a atenção. Nfunca Muzemba desvinculou-se politicamente da UNITA e anunciou que a criação da “Esperança”, o seu projecto político que pretende garantir condições para participar nos próximos desafios eleitorais.

Dentre as diversas reações deste anúncio de Muzemba, realça-se a posição do presidente da UNITA, partido que este jovem político chegou a assumir posições relevantes, como deputado e líder do seu braço juvenil, a JURA. Segundo o líder do Galo Negro, o partido político de Nfunca Muzemba será um simples adereço do MPLA. A outra ocorrência é o facto de autodenominados activistas cívicos do autoproclamado Movimento Revolucionário de Angola (MRA) terem feito uma conferência de imprensa a cancelar a manifestação marcada para os dias 25 e 26 de Junho e pediram desculpas ao Presidente da República de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço, pelos excessos cometidos por eles.

Os outros membros do MRA disseram que estes que fizeram a conferência de imprensa eram infiltrados no movimento e que cancelaram a manifestação porque foram pagos. A questão da legitimidade política está patente nestes dois factos. Para ser um activista cívico “de verdade” tem que receber a benção do Nuno Álvaro Dala, Dito Dali ou Manuel Chivonde “Nito Alves”? O Nfunca Muzemba não tem legitimidade política para criar o seu próprio partido político? As respostas para estas questões parecem auto-evidentes. Entretanto, há pessoas que estão absolutamente na contramão desta auto-evidência. Porquanto, segundo elas, só é um activista cívico legítimo aquele que está alinhado com a linha dos supostos líderes do MRA, os integrantes do processo dos 15+2, excluindo Mbanza Hanza.

Nfunca Muzenba não tem legitimidade de criar partido novo porque “traiu” a UNITA. Um partido político novo em Angola só tem razão de ser se for contra o MPLA. Para estas pessoas, Angola é preto e branco, por conseguinte, és branco ou és preto, não tens nem podes ter a possibilidade de ser cinza, vermelho ou amarelo. Lucio Levi, nos dá uma indicação sobre a razão deste termo criar muita confusão entre aqueles que a utilizam, porquanto tudo parte da sua conceituação. Segundo ele “O sentido da palavra Legitimidade não é estático, e sim dinâmico; é uma unidade aberta, cuja concretização é considerada possível num futuro indefinido, e a realidade concreta nada mais é do que um esboço deste futuro (LEVI, 1998, pág. 678) ”.

Em todo a caso, Levi (pág. 676) avança algumas linhas referenciais que podem servir de base para a compreensão da legitimidade política. Segundo ele, são as seguintes variáveis: a comunidade política, o regime e o Governo. Em termos concretos, Levi entende que a legitimidade é um conjunto de valores advindos de leis ou hábitos convencionalmente aceites num determinado Estado. Para os dois exemplos em questão no presente texto, o valor convencionalmente aceite que está a ser extrapolado é o valor da liberdade, consagrado na Constituição da República de Angola (CRA), na Lei n.º 16/91, de 11 de Maio- Lei sobre o Direito de Reunião e de Manifestação, na Lei n.º 22/10, de 3 de Dezembro- Lei dos Partidos Políticos, na Lei n.º 6/12, de 18 de Janeiro- Lei das Associações Privadas e nos Estatutos de todos os partidos políticos. Todas estas leis destacam que o valor liberdade deve estar sempre presente nas escolhas dos cidadãos Angolanos.

O art. 17º da CRA na alínea d do número 2, é claro sobre a liberdade e exclusividade de filiação num determinado partido político. A CRA também destaca várias liberdades que cada cidadão Angolano tem direito, tendo como realce a liberdade de expressão no art. 40º. A Lei dos Partidos Políticos no seu art. 4º anuí que cada cidadão tem liberdade de criar o seu partido político, não é necessário esperar a autorização do líder do maior partido da oposição, o que se exige é seguir os parâmetros que esta Lei estabelece. O art. 4º da Lei das Associações Privadas também vai nesta direção. Se no passado, como um Estado recém independente, tínhamos dificuldade em estabelecer com precisão as variáveis essenciais da legitimidade política em Angola, actualmente já não temos dificuldade neste quesito, pois temos leis e hábitos que consagram os valores consensualmente aceites para conceder legitimidade política em Angola. Por isso, é ilegítimo tentar deslegitimar as ações daqueles que agem dentro destes valores.

POR: Edmundo Gunza