Transparência, responsabilidade e direitos em tempos de crise

Transparência, responsabilidade e direitos em tempos de crise

A pandemia causada pelo vírus SARS-Cov2 (abreviadamente, Covid-19) provocou uma emergência social na maioria dos países, dando lugar a diversas atrocidades à vida humana, tanto àqueles que decidem lideranças como àqueles que obedecem. A novidade da Pandemia é que os governos não sabiam ao certo como posicionar-se, pois, as economias e os mercados foram fechando-se, dia após dia, agravada pela explosão da informação, muitas vezes, prejudicial, inflacionando o medo das pessoas, pela novidade SARS-Cov2. Afinal, o que se passava de concreto? Ninguém sabia responder. Uma palavra nova no nosso vocabulário traduzia “incerteza e crise”.

Outrossim, observou-se, paulatinamente, uma ruptura das relações sociais internas, os cidadãos, cada vez mais, foram fragilizados, o índice de desigualdade e exclusão social aumentaram com o desemprego em todos os sectores, deitando à margem famílias, pelo que muitas destas, a vulnerabilidade passou a ser parte do cardápio.

Observando a conduta das empresas, as palavras de ordem eram “não temos como suportar esta crise”, “não há produtividade”, “não há clientes”, “não há lucros”. O Governo deveria salvar as empresas, ou então as empresas teriam de decretar falência, suspender contratos com os colaboradores, cortar salários ou despedir por justa causa. E o resultado não se fez esperar, as grandes economias começaram a apoiar as mais pequenas, através de fundos públicos, bem como injecção de capital para ao menos manterem-se no mercado.

Porém, para as económicas débeis, até certo ponto “falidas e dependentes”, o impacto foi nefasto. O relatório do Banco Africano (2020) demonstrou que o impacto económico da pandemia da Covid-19 poderá empurrar 49,2 milhões de pessoas à pobreza extrema em África.

Agrava-se pelo facto de alguns países desta região registarem violência, conflitos e guerras civis, ou uma fragilidade profunda nas instituições, tal é caso do Mali, RDC, RCA, Nigéria, Somália, Zimbabwe, Sudão do Sul, Etiópia e entre outros.

A desigualdade reside na dependência da economia de maior parte dos Países Africanos ao Ocidente, nesta senda as políticas económicas destes países não catapultam o crescimento nem o desenvolvimento, pois são insustentáveis. Pondo em evidência a debilidade da indústria extractiva dos recursos naturais, como petróleo, diamante, ouro, cobre, coltan, assim como da agricultura, pecuária, pesca, etc. Portanto, “não há capacidade de transformação dos lucros em benefícios reais para as populações”, e, se há, apenas uma minoria se beneficia (a famosa elite). Na linguagem de Ulrich Beck (1997), tais realidades constituem “falacias” das políticas económicas africanas, ou então “estado de crise”, no dizer de Zygmunt Bauman (2016). Quiçá, Alves da Rocha (2013) transformações económicas estruturais!?

Facto evidente foi a Covid-19 trazer ao de cima os problemas que os Estados guardam a sete chaves, particularmente, os Estados africanos. Tal é caso, das condicionantes económicas e sociais, bem como o caso da educação, saúde, alimentação, água potável, assistência, protecção e segurança social dos cidadãos.

Adicionalmente, engendra-se a fraca capacidade de criação ou geração de emprego e riqueza, a excessiva burocracia ou restrições domésticas ao empresariado nacional, a falta de competitividade e sua externalidade, bem como a ineficiência na gestão dos recursos públicos, reflectindo na taxa de pobreza e vulnerabilidade elevada nos Estados africanos, particularmente da Região SADC.

A Covid-19 não pode ser a arma de arremesso para justificar a ineficiência económica e a má gestão (accountability) dos Estados Africanos, pese embora a consequência traumática a nível do desenvolvimento humano em África e as determinantes supra referenciadas não sejam todas anteriores à Pandemia.

Parafraseando Alves da Rocha (2010), as economias africanas “padecem da dependência e desequilíbrios estruturais”, nomeadamente, desequilíbrios orçamentais crónicos, dependência do petróleo (melhor dos recursos naturais), dependência das importações, desequilíbrios entre a oferta e a procura, dívida externa e crise social (elevados índices de pobreza), adicionando a corrupção e falta de transparência. É esta a “Grande a Pandemia” que devemos combater em África. “O recuo democrático e a ascensão do autoritarismo em vários países africanos” é apreciável na débil garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e na clara separação dos poderes (Legislativo, Executivo e Judicial).

É evidente que as escolhas humanas moldadas pelos valores da justiça e do bem comum deram origem às políticas públicas adoptadas pelos governos (lideres políticos) e parece que o “lucro” naufragou os mais altos interesses dos Estados, tornando-os opacos, ao domínio das multinacionais, empresas locais, dos investidores e accionistas, dos bancos e dos mercados financeiros, e, de acordo com Jésus Ballesteros (2013), a “valorização do dinheiro como valor supremo” é um dos piores males da governação, da democracia, do império da Lei e, em ultima ratio, da garantia efectiva dos direitos e liberdades fundamentais no interior dos Estados Africanos.

Refira-se igualmente que a Pandemia da Covid-19 não pode ser justificação dos desequilíbrios das políticas públicas, da má gestão dos fundos públicos, da falta de transparência e prestação de contas, assim como do aumento do índice de pobreza e a taxa de desemprego e entre outros, pois tais males são anteriores à Covid-19.

Por último, porém, não menos importante se queremos manter a democracia e o Estado Social consagrado na Constituição, é urgente mudar de paradigma, corrigindo os efeitos nocivos da falta de transparência, prestação de contas e responsabilização dos actores e gestores públicos em nome do “Bem Comum e da Justiça”. Enfim, “a Democracia não reside no lucro” e a transparência é essencial para “excluir o favoritismo político” e dar ao governo, de qualquer país, incentivos claros e fortes no sentido de erradicar a pobreza interna.

Por: João Francisco