Mulheres da ANCAA querem invisuais em sectores do Estado para se efectivar acessibilidade

Mulheres da ANCAA querem invisuais em sectores do Estado para se efectivar acessibilidade

Prometida há mais de cinco anos, a acessibilidade constitui ainda o maior problema para os deficientes visuais, que clamam por inserção de cegos nos departamentos que devem resolver tal dilema

Julieta Fernandes, a responsável do Comité das Mulheres com Deficiência Visual da Associação Nacional dos Cegos e Ambíopes de Angola (ANCAA) é de opinião que, enquanto não houver indivíduos com deficiência visual nos sectores do Estado, como referenciou os dos Transportes, da Construção e Comunicação, vai ser difícil resolver-se a questão da acessibilidade dessas e outras pessoas com necessidades especiais. “Acredito eu que, se nesses departamentos tivesse pessoas com deficiência para poder explicar como é que as coisas devem ser feitas, hoje já não estaríamos a questionar a situação da acessibilidade”, declarou Julieta Fernandes. A líder de 42 anos de idade, sete dos quais dedicadas à Associação Nacional dos Cegos e Ambíopes de Angola (ANCAA), lembrou que a luta por essa classe é muito difícil, porque os apoios são poucos.

“Mas a nossa luta não para, porque o que nós queremos é divulgar mais o nosso trabalho, fazer conhecê-lo para que o mesmo seja conhecido”. Questionando-se sobre a existência de pessoas com deficiência ou não no sector dos transportes, ela recordou que o lema das Nações Unidas, ´Nada por nós, sem nós, depreendendo que ninguém deve falar por elas, quando assunto é o do género. Lembrando que o dever do Comité, na ANCAA, é empoderar as mulheres com os meios e mecanismos que possuem, tal como na formação, garantiu que a base de efectivação desse processo passa, normalmente, pela escrita e a leitura do braile e nas mais diversas instruções técnico-profissionais, porque elas têm de cuidar das suas famílias e trabalhar para se sentirem independentes financeiramente.

Por sua vez, a secretária para o sector social da ANCAA, Madelena dos Anjos referiu-se sobre a falta de coerência no facto de se excluírem das soluções as pessoas que fazem parte do problema. “Eu é que sofro de deficiência visual, mas não sou tida nem achada. No Ministério das Obras Públicas e Ordenamento do Território tem de existir pessoas como nós, para contribuir com subsídios pontuais, detalhando como se deve promover a acessibilidade efectiva”, realçou a secretária, tendo asseverado que pessoas que têm domínio e podem explicar, têm de estar aí.

Segundo ela, enquanto o Governo estiver a fazer as coisas e não enquadrar as pessoas com deficiência, vai existir sempre falhas, porque só as pessoas que vivem com essas dificuldades é que estão em condições de explicar, para juntos trabalharmos, a fim de criarmos uma Angola melhor e mais inclusiva. Madelena dos Anjos, que considera também essa postura como descriminação, salientou que o desafio é de trabalhar para o desenvolvimento sustentável e fazer vincar os preceitos internacionais que se asseguram no artigo 16, agenda 20 e 30, segundo a qual os Estados devem tornar as sociedades mais inclusivas. “E, como estamos a falar da inclusão, também estamos a falar do empoderamento das mulheres. Não somos só mulheres que estamos aqui para cozinhar,  para lavar, somos capazes de fazer outras coisas, também queremos atingir lugares cimeiros, conforme já existe noutros países”, reiterou um dos apelos encarados como fio condutor da ANCAA.

O nosso Estado ratificou a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que impõe direitos iguais e de oportunidade, soube este Jornal da sua interlocutora, que acrescentou o desejo de ver uma Angola diferente, em que, no parlamento, também tenha mulheres com deficiência, para poderem defender os seus direitos. Socorrendo-se do lema internacional que diz “Nada por nós, sem nós, a Madalena adiantou que existe muitos erros e falhas. Dentro de Luanda, o Comité controla cem mulheres e, na ANCAA, há 480 integrantes do sexo feminino, de acordo com a última estatística realizada em 2018. Madalena dos Anjos e Julieta Fernandes aconselham, finalmente, e de forma geral, as mulheres a irem à luta, enveredando, sobretudo, para a questão da formação, e, em particular, as deficientes visuais a aderirem à associação, para juntas lutarem pelos seus direitos.

´Flash´ de talentos à sociedade

Na recente feira que o Comité das Mulheres da ANCAA realizou, na Sexta-feira passada, só com as portadoras de deficiência visual, a ideia foi mostrar à sociedade os talentos, as habilidades ou iniciativas da classe. A par disso, as senhoras cegas da associação que estiveram presentes demonstraram as suas aptidões, tendo exibido, na passada Sexta-feira, 30 de Julho, comidas confecionadas por si, que serviam, na hora, para quem a comprasse. Enquanto isso, outras invisuais trançavam o cabelo, ora de outras deficientes visuais, ora de certas pessoas com a visão aparente mais manifesta. O braile constituiu outro subsídio que foi instruído na hora, até mesmo para algumas crianças que assomaram ao local.

Exposições de vestuários, cestos e outros ornamentos concebidos pelas cegas presentes também compunham o leque de produtos que foram dados a ver. O resultado que programaram da feira foi alcançado, segundo Madalena dos Anjos, que focou sobre a necessidade de as pessoas passarem a olhar para as invisuais com dignidade. Andreia Francisco, 34, que se identificou na condição de ambíope informou que procura ter o domínio do espaço e por isso consegue servir um prato de comida com toda normalidade. “Procurámos também dar o nosso melhor e temos as nossas capacidades e temos a certeza de que conseguimos atrair o público”, gabou-se.

Já Graciosa Francisco Mendes, 23, moradora do bairro Fubu assegurou que faz as suas coisas facilmente. “Eu lavo a roupa, cozinho e faço outras actividades domésticas sozinha. Graças a Deus, esse é o meu primeiro ano aqui na ANCAA, estou a fazer o braile e noto muita mudança na minha vida”, disse contente. A jovem, que agora sente que está começar a viver a sua vida de forma mais normal, conforme fez questão de referir, informou que a sua deficiência lhe parece um problema de família. “A mãe primeiro teve o seu irmão mais velho, que nasceu com a mesma deficiência e eu não tive sorte diferente”, reforçou.