Um ano sem a voz da liberdade

Um ano sem a voz da liberdade

Faz hoje um ano desde que partiu para a eternidade Waldemar Bastos, vítima de doença prolongada em Lisboa, Portugal, tendo deixado o registo de ter sido uma das vozes mais bonitas da música popular angolana

Ngana Waldemar, como lhe cantou Paulo Flores, numa das canções do álbum Independência, deixa um legado de músicas que rasgam gerações e nos fazem acreditar que sim, somos todos nós, somos angolanos acima de quaisquer diferenças.

O cantar de Waldemar Bastos é de uma pureza, uma leveza e de uma certeza que percorreu o mundo, pisando em palcos de elevado reconhecimento mundial.

Com a guitarra na mão, aliás, uma companheira inseparável, durante décadas de estrada, Waldemar levou a diferentes povos do mundo, dentre o seu vasto repertório, a ouvir “Teresa Ana”, “Lalanja”, Lalipô Lubango” e “Velha Xica”. Esta última canção, escrita antes da independência, só veio a ganhar notoriedade depois de 1975, quando o músico decidiu assumir cantar a referida música em público numa Angola independente.

Cantar publicamente o Velha, num país independente, na época, embora com muitos desafios ainda por se consolidar, dado o sistema monopartidário que se seguiu, representava o expulsar da liberdade. O teor crítico da música, em cujas estrofes consta a célebre frase “Xê menino não fala política”, representava um incômodo ao então sistema político colonial na altura que era contra toda as formas de reivindicação.

À semelhança de outras canções da época, que chocavam contra a opressão a que eram submetidos os angolanos, o Velha Xica não poderia sair do grupo de amigos para quem Waldemar apenas cantava, com receio de sofrer represálias.

O tempo passou, e o “Velha Xica” cada vez mais foi sendo consumida, o que representou, inclusive, num período mais recente, uma ameaça à carreira do cantor que, diversas vezes, denunciou ter sofrido perseguição devido à sua veia crítica.

Por várias ocasiões, o músico disse ter sido vigiado pela polícia secreta angolana, que já o abordou várias vezes em tom de intimidação por nunca ter aceitado fazer campanha a favor de partidos políticos.

Esta situação, como várias vezes denunciou, custou-lhe o preço de não ter tido espaço na rádio e na televisão, sobretudo públicas. Também lhe era renegada a possibilidade de actuar em espectáculos no seu próprio país.

Trajectória

Waldemar Bastos, que nasceu em 1954, na cidade de Mbanza Congo, município do Zaire, donde saiu aos 28 anos de idade com destino a Portugal, para escapar à guerra civil, apesar das intimidações e os cortes de que sofria, levava tranquilo a sua carreira fora dos palcos angolanos onde brilhava por Angola e pelas coisas nas quais acreditava.

A leveza da sua composição, que carregava Angola em cada estrofe, cantadas numa voz singular, rendera-lhe as mais calorosas homenagens e reconhecimentos, tendo tornado a sua carreira numa longa estrada de ovações e aplausos.

Em 2015, por Exemplo, Waldemar Bastos fez parte do restrito cartaz da edição do ano do Festival Mundial de Música Sagrada de Los Angeles, que juntou astros da música do Brasil, Nova Iorque e Los Angeles.

Um dos seus últimos espectáculos foi na sétima edição do Festival de Fado “Santa Casa Alfana”, em Lisboa, Portugal, em 2019, tendo o músico constado de uma selectiva lista de artistas de elevado prestígio.

Na altura, a performance do artista aconteceu no Palco EDP, no Centro Cultural Magalhães Lima, um dos 11 criados, em diversos espaços para albergar várias apresentações.

Durante a actuação, o músico centrou a sua apresentação numa viagem pelo repertório que o acompanhou em todos os anos de carreira e também uma homenagem a Amália Rodrigues, a rainha do fado.

Digna homenagem

Recentemente, Waldemar Bastos, que é autor dos discos “Classifico da Minha Alma,” “Preta Luz” e “Pitanga Madura”, foi homenageado numa iniciativa inserida na 10.ª edição do Dia Internacional do Jazz. A homenagem a esta ilustre figura foi uma iniciativa conjunta da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a Comissão Multissectorial da Bienal de Luanda para a Cultura de Paz e a American Schools of Angola (ASA).

Porém, no âmbito do apoio à essa iniciativa, é justo que o país renda a devida homenagem a este ilustre filho. Portanto, é preciso reconhecer os angolanos de destaque que contribuiriam para que hoje estivéssemos todos livres, pois a arte foi uma das armas poderosas usadas para o alcance da nossa liberdade.

Quão bom seria se estivéssemos aqui, para todo sempre, juntos, grande Waldemar Bastos.

Até um dia!!