Toda boa poesia é doutrinária?

Toda boa poesia é doutrinária?

Os jovens reconhecem que conversar com os mestres mudos é imprescindível, mas trocar impressões com quem os escreve é ainda melhor. Sim, os leitores do meu tempo têm muito prazer em interagir com os escritores. Pois, com o advento dos clubes de leitura, a relação dialógica entre escritores e leitores não se limita mais ao simples acto de ler os livros no silêncio do cómodo de uma casa ou de uma biblioteca.

Mais do que ler, nesta época dos influencers literários, os leitores procuram interagir virtual e presencialmente com os seus escritores predilectos. Essa simbiose entre quem lê e quem escreve torna os livros ainda mais aprazíveis. As letras tornaram-se pontes que facilmente unem intelectuais num mesmo espaço. É na palavra, no verbo, onde se dá o hiato entre escritores e leitores e vice-versa. E no passado Sábado, 11 de Setembro, o projecto “Sambila Leitor” reuniu-nos na Praça da Unidade Africana: um verdejante espaço que empresta estética e melhor oxigénio ao nobre Miramar. As horas corriam apressadas no corpo do tempo, e as quatro da tarde já o sol sorria timidamente no céu da cidade capital.

Não sei se pelo forte acenar das árvores, mas naquele instante e lugar uma delicada brisa acariciava-nos os rostos. Aguardado por mais de sessenta jovens, Lopito Feijóo apareceu ao local da tertúlia na companhia da sua esposa, a jornalista Aminata Goubel. A sua presença foi logo motivo de alegria para os seres que frequentavam a praça, tanto é que das frondosas árvores ouvia-se o chilrear dos pássaros que, num repente, inventavam uma canção de boas-vindas ao Poeta Andarilho. Bastou-me apresentar a biografia do convidado para a “informal” conversa sobre a colectânea de poemas “ReuniVersos Doutrinários” ganhar fôlego e animar o ambiente.

Ao passear pelo seu percurso literário e conjunto da sua obra, Lopito Feijóo fez questão de reiterar que “toda a boa poesia é doutrinária”, porque ela molda quem a produz e quem a lê. Curiosamente, a medida que conduzia o diálogo, uma descarga de perguntas emprestava maior acutilância à tertúlia. Calejado nessa coisa de interagir com os jovens, o Poeta Andarilho respondia com a serenidade e sabedoria de um griot. Chegando mesmo a afirmar que a projecção do seu nome, dentro e fora do país, é fruto da sua persistência, da sua consistência e de uma trajectória que já leva quatro décadas de intensa produção e engajamento. Lopito Feijóo aproveitou a ocasião para aconselhar os jovens escritores a não fomentarem tanto o debate sobre o chamado “racismo editorial” que, supostamente, existe na lusofonia.

O poeta e crítico literário disse que o escritor deve aprender a contornar as pedras que surgem no caminho. E, usando-se como exemplo, revelou que para a internacionalização da sua poesia chegou a investir 200.000 USD do seu “orçamento doméstico”, além de outros sacrifícios. Abordado pela poetisa e ensaísta Cíntia Gonçalves, Lopito Feijóo concordou que a poesia é a sua vocação. “Eu nunca fiz mais nada na vida. Sou um caso que continua a dar certo, mas tive que sacrificar muita coisa: formação no exterior, cargos políticos etc”, disse. Entre risos e confissões, o público presente ouvia inéditos comentários sobre a produção do Poeta Doutrinário, com realce para os poemas de amor e eróticos, composições de raiz telúrica africana e poemas de intervenção sociopolítica.

Nesse encontro ficou claro que entre escritor e leitor existe um oceano de possibilidades. Lopito Feijóo apresentou-se com a mesma sinceridade que usa para a escrita e partilhou as inquietações que o perpassam. O poeta revelou-se um apreciador de encontros. E com a sua experiência de leitor, mostrou-nos que sabe o momento certo para interromper e continuar, ainda que seja para apreciar a doçura de uma boa cerveja nacional ou de um bom vinho português, pois “tem que ter algo líquido para molhar a palavra antes, durante e depois da conversa”.

POR: Lourenço Mussango