A institucionalização “intelectual” da ditadura I

A institucionalização “intelectual” da ditadura I

Somos povo de honrar legados? Somos exemplos em quais aspectos? Somos democráticos, quando falamos? O falar em público, segundo se sabe, é uma actividade que vem de longe; um instrumento que já foi usado por muitos sábios dos tempos remotos, à guisa de menção. Hoje, igualmente, tem servido de um ganha-pão para muitos “intelectuais” do Globo. Mas todos eles actuam do mesmo modo? Será que é assim com o nosso pobre contexto? É menos verdade que ser palestrante virou moda? Ora, quem, dentre nós, já se tenha sentido valorizado numa situação em que foi visto como um cliente a quem se deve prestar serviços, quando devia ser tratado como um paciente que precisasse de ser ouvido, inicialmente? Que seja, então, o primeiro a atirar-se no fogo da culpa! Pela primeira vez na minha agenda anual, até aqui, sei que fui a uma actividade cultural presidida por uma entidade universitária e política e, por meio de toda a euforia, tomei a realidade de que o Workshop tinha iniciado muito antes da hora dez.

“Glória aos diabos” – segredei-me. Como da praxe, vi-me coagido, pelo cenário, a concluir que se tratasse de um facto, realmente, inédito. Estamos num país com as devidas dúvidas, com um fuso horário mais confuso da terra. Quando se diz a alguém hora dez, ele terá em sua mente que se trata da hora onze. Quem não sabe dessa crua vergonha? Imagina quem quer que seja o rosto de um petiz, no exacto instante da recepção do seu mais recente brinquedo. É que tal foi a minha maneira de observar o ocorrido. Por tradição, o palestrante, pior se um político, é recorrentemente o último a chegar à actividade para, se lhe for possível, bajular a figura de A ou de B, qual fosse um reverendo lúcido de que, após a sua subida ao altar, mais vento algum far-se-ia, sob pena de violar os sagrados princípios e as benqueridas leis da Santa Igreja, à semelhança do que vi no último 17 de Setembro. Em um paralelo com aquilo, desdenhei a minha preguiça mental. Um gesto semicerto, pois hoje é quase impossível desligar o botão do egocentrismo e reconhecer as limitações de natureza humana. Quem não conhece gente que quereria estar certa e imácula permanentemente?

É assim com o homem: investe o tempo necessário, se quiser apontar o ranho do outro, todavia nunca reúne minutos a fim de limpar as suas próprias fezes. Como ia dizer, concluí: há reflexões que exigem estar numa via de alho frequente; pô-las sob os olhos do bom tempero, deixá-las num frigobar isolado e só fazer o uso delas em ocasiões especificamente concretas. Pois seria o meu caso? Não o sei, honestamente. E uma vez que, embora não seja ela universal, a filosofia das minhas meditações não admite intromissão de terceiros e quartos excluídos nas equações que vou construindo, eliminei as variáveis X e Y e, finalmente, a verdade fez-se convidada aos meus olhos: “todo um palestrante que considere pedras inertes as pessoas às quais falará, é sempre um ditador, porque simulará comportamentos ensaiados para que brinque com a paciência dos outros”.

Ouvimos aquele prelector uma boa dose de horas, umas 4, a atirar-nos todo o seu excesso de doutorismo, de egoísmo  e de outros ismos avulsos, em conluio com um professor, provavelmente de línguas, que naquele anfiteatro da Universidade respondia equivocadamente à simples pergunta que eu fizera sobre o legado de Neto. Em verdade, explico-me: tal pseudoprofessor simulava dar-me aula de Linguística Bantu, dirigindo-se a mim como se estivesse a explicar algo a um aluno da iniciação, ainda sobre o regresso às origens, tal qual reza o célebre poema “Havemos de Voltar” de Neto. Foi como se fosse, tinha ele essa certeza na sua voz, absolutamente novo para mim o assunto da sua improvisada dissertação. Sou apreciador dos debates com painéis e tudo mais, pois eles, ao menos tendencialmente, procuram democraticamente, em certos momentos, a equidade do tempo concedido aos oradores.

O certo é que o prelector, um doutor assaz respeitado, venerado até, pelos seus anos de experiência política e académica, se deixou levar à vontade, à medida que o moderador proclamava solenemente que o auditório tinha só 20 minutos para tecer comentários e formular perguntas em relação àquilo tudo o que tinha sido palestrado por aproximadamente 4 horas. Quanta injustiça horária, sinceramente! Enquanto ouvintes, não obstante insaciados, demos parto a um fingimento costumeiro de que saímos de lá repletos de conhecimentos de cuja envergadura, para a nossa realidade, é incomensurável. São sempre, aliás, os ouvintes que passivamente, em palestras, enchem os depósitos dos palestrantes com bons litros de água benta com a qual se constrói os enganos sucessivos de que tudo ficou claro, límpido, e, por fim, se atingiu os objectivos traçados previamente; que no fundo todos os participantes à palestra saem do lugar a ganhar novos conhecimentos. Sucede assim na maioria das vezes?

POR: Salvador de Jesus Ximbulikha