A última poesia

A última poesia

O sabor que não acaba, é como degustar um mar de felicidade entre o Inverno e a Primavera, sem um intervalo, uma impactante boa disposição para se despedir dos palcos da solidão, dançar em cada canto da esquina, amar incondicionalmente, sem hesitação e medo. Os poetas bailam, convidando, também, os soldados, os mendigos, as zungueiras, os professores, etc., num ritmo onde os status sociais são esquecidos, onde o subordinado e o subordinante são apenas seres humanos, sem máscaras de superioridade ou de inferioridade, onde os preconceitos são removidos, a única raça é humana.

Aqui a sociedade encontra um momento de “isenção de padrões”. «A poesia é a vida imaculada, apenas ela é capaz de atingir o mundo celestial, inocuamente». O sofrimento e as preocupações inexistem no baile de poesia, é um lugar de esquecimento, no qual as almas se voltam à «essência», ausência de qualquer «corrupção social, política, económica e cultural», essência cujas qualidades abarcam a simplicidade, a pureza etc. Não há margem de dúvida que, no baile de poesia, o humanismo sai triunfante, o ódio abatido, o amor resiliente. O baile de poesia é uma analogia ao mundo ideal platónico, aquele, segundo o filósofo, o verdadeiro, no qual a alma humana é incorruptível. Lugar máximo das coisas “puras”. Houve quem dissesse que o baile de poesia era apenas uma aspiração que não se concretiza, era utópico, assim como o paraíso, deve ser simplesmente algo “desejado”, tendo em vista a manutenção do bem que há no “coração humano”, coração este que assegura também a maldade.

Fora do baile de poesia visualizamos o mundo impuro, no qual as guerras e as catástrofes irrompem com aspirações das pessoas, impulsionam a solidão e aprisionam os sonhos. Tivemos há tempos más notícias, elas entristeceram-nos o âmago, não era fácil digerir aquela informação, contudo não tínhamos escolha senão aceitá-la tal como era. A notícia era sobre as oscilações da vontade de continuar a trilhar num universo repleto de maldade, no qual os inocentes – aqueles que nada têm a ver com causas – sofrem as consequências, pois não há piedade. Qualquer projecção que extrapole os cilindros da maldade num universo castrado da bondade é, deveras, quase impossível, a única forma de escapar dessa muralha é aderir ao “baile de poesia”, pois há lá uma realidade alternativa, mais encantadora, que esvazia todo peso que se traz, anula as forças negativas.

Olhando a realidade angolana, não ficaríamos estupefactos se as pessoas solicitassem um “baile de poesia”, para esquecer, pelo menos por alguns minutos, horas quiçá, que vivem num país que atrai ódio e vingança do ponto de vista sócio-político. A criminalidade alcançou o ápice por exiguidade de oportunidades, por frustrações, por desocupações da juventude etc. Houvesse quem dissesse que uma noção cujas políticas públicas inviabilizam as condições básicas de vida, torna-se um caos de criminalidade. Em suma, o baile de poesia é uma aspiração que permite raciocinar um universo humano despido de qualquer corrupção, é o ideal pelo qual se sonha, porém não se sabe que se alcança. Colocamos um talvez, uma possibilidade, uma esperança.

POR: Manuel Dos Santos