Quatro anos de diplomacia económica angolana

Quatro anos de diplomacia económica angolana

A Diplomacia Económica, em traços largos, é um veículo utilizado pelos Estados, para atingir objectivos económicos, que beneficiam tanto a componente local como a externa. Já a Diplomacia Comercial assume uma vertente mais organizacional, o que pressupõe a realização de missões diplomáticas, que visam defender os interesse do Estado no exterior, além de promover o apoio directo às trocas comerciais entre diferentes países. De referir ainda que ambos os conceitos estão interligados. A título de exemplo, as embaixadas, consulados, câmaras de comércio, as confederações da indústria e os organismos de promoção das exportações fazem parte do conjunto das iniciativas de que o Estado dispõe para garantir o acesso ao investimento directo estrangeiro. No caso particular da experiência angolana, e embora não seja propiamente recente, notamos que, neste momento, há um interesse maior no aprofundamento das relações diplomáticas em variadíssimos campos.

Para alguns analistas, a Diplomacia Económica divide-se em cinco grupos: diplomacia de negócios (promoção do comércio e do investimento, negócios, advocacia, promoção do turismo e promoção do investimento socialmente sustentável); diplomacia para o comércio (acordos de comércio livre e parceria económica bilateral, bem como a participação na OMC); diplomacia financeira (contratos de swap de moeda, política cambial compra/ venda de títulos de dívida do tesouro, congelamento de ativos e retenção de dívidas ou outros pagamentos); diplomacia para atribuição de incentivos (assistência bilateral na forma de subvenções ou empréstimos, perdão da dívida, ajuda humanitária, acesso à tecnologia, promoção para membro de uma organização internacional); diplomacia para adopção de sanções (embargo às exportações pelo Estado, boicote às importações pelos indivíduos, suspensão da assistência e ajuda, controlos de capital, colocação de um determinado país numa «lista negra»)”, ver Sousa (IPRI/Nova deLisboa) / Okano, referindo-se ao Japão.

As acções de Diplomacia Económica levadas a cabo pelo Governo angolano têm sido encabeçadas pelo Chefe de Estado, em diferentes partes do globo, visando atingir múltiplos objectivos. Começando por África, em que estabilidade político-militar da região constitui preocupação constante e é visível a aposta por parte das actuais lideranças locais na revitalização económica da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), cujo espaço económico está avaliado em 633,7 biliões de dólares (PIB 2019), onde Angola oferece um potencial considerável no cluster da Economia do Mar, aproveitando o seu posicionamento geográfico privilegiado, destinado à exploração dos portos e caminhos de ferro, de modo auxiliar a exportação e reexportação de produtos nacionais e regionais e o inverso, uma vez que dos 345 milhões de consumidores deste grupo de 16 nações, 54 milhões espalhados por 4 países não têm acesso a nenhum dos Oceanos.

No campo da Diplomacia Financeira, a República Popular da China tem sido um parceiro constante de Angola, visto que, só em 2018, foi negociado um pacote financeiro de mais de 15 biliões de dólares entre Luanda e Beijing, nomeadamente, as linhas de financiamento com o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC), para projetos de infraestrutura, avaliados em 11,7 biliões de dólares e com o China Exim Bank, que perfazia 3,8 biliões de dólares. No âmbito da obtenção de mão-de-obra qualificada, Angola pode beneficiar com a criação de uma agência para a gestão dos recursos humanos dentro da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), que, aliás, já existe noutras nações, com a sigla “PMET” (Profissionais, Managers, Executivos e Tecnólogos). Uma plataforma desta envergadura poderá atrair profissionais altamente capacitados, cuja língua materna é, precisamente, o português e ainda criar um banco versado nas exportações e importações (Eximbank), obtendo “moeda forte”, de modo a explorar uma plataforma económica orçada em 1,8 biliões de dólares (PIB 2019).

No campo da diplomacia financeira, Angola tem sido capaz de gerir os compromissos assumidos. Após a pandemia (Covid 19), fruto da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida do G20 (DSSI) e solicitação aos seus parceiros soberanos, Luanda optou pela prorrogação da dívida, dentro e fora do G20, poupando 6 biliões de dólares até2023, factos indissociáveis da avaliação positiva (com distinção) do FMI, cujo programa, o maior de sempre em África, está avaliado em 4,5 biliões de dólares e do upgrade no rating por parte da agência de notação financeira Moodýs. A emergência de uma “nova”, diplomacia das vacinas e tendo em conta os dados recolhidos pela OMS até Abril do presente ano, indicavam que os países mais pobres só haviam recebido 0,2% das vacinas contra a Covid-19, enquanto que os mais ricos tinham obtido 87% das doses distribuídas pelo mundo. O ritmo de vacinação na África Subsariana continua a ser o mais lento do mundo e quanto mais tempo se mantiver o “apartheid das vacinas” neste continente, o mais provável será o surgimento de variantes cada vez mais perigosas.

Angola, entretanto, garantiu em Outubro, a capacidade para inocular 60% da população elegível até Dezembro próximo, ou seja, 7,8 milhões de habitantes maiores de 18 anos, o que corresponde a uma meta de imunização diária de 100.000 pessoas. Os estados europeus são frequentes anfitriões, no campo da Diplomacia Financeira. Por exemplo, o Reino de Espanha, entre 2008 e 2009, concedeu uma linha de crédito à Angola, avaliada em 1,1 biliões de dólares; no período de 2015 e 2019 incrementou o comércio bilateral entre as duas nações, cifrando-o em 10 biliões de dólares, estando alocados no país africano mais de 50 projetos avaliados em 460 milhões da mesma moeda. Entre as iniciativas, é importante salientar a construção da Universidade do Cuanza, no Bié. Em 2019, Angola importou o equivalente a 136 milhões de dólares de Espanha e exportou 957 milhões para Madrid.

Com França as relações foram fortalecidas em 2019, uma vez que a Total, petrolífera presente no bloco 17 e o operador mais lucrativo do país africano em 2016, tendo garantido vendas superiores a 8,7 biliões de euros, estimou investir em Angola 2,5 biliões de dólares até 2023, tendo anunciado em Outubro o início da segunda fase do projeto “Zinia”, que garantirá 40 mil barris de petróleo por dia até meados de 2022. A Itália, sempre presente em Angola através da ENI, iniciou a produção petrolífera em Cabaça Norte, que se traduziu no incremento da produção nacional em 15 mil barris de petróleo por dia, acordando um investimento de 7 biliões de dólares entre 2021 e 2025 e o firmamento do acordo entre a petrolífera italiana e a BP de modo a angariarem 2 biliões de dólares em operações “upstream” para a nação africana. Em 2019, a Itália exportou para Angola o equivalente a 223 milhões de dólares e importou de Luanda, aproximadamente, 462 milhões de dólares. A consolidação do processo de globalização é uma evidência. Nos diversos processos de deslocalização de empresas, captação de investimento estrangeiro e trocas comerciais, aliados ao surgimento do sector imaterial, observamos que Angola está, nitidamente, a redirecionar a sua Diplomacia Económica, tornando-a num pilar para a política externa, migrando assim de um “Ministério das Relações Exteriores” para um “Ministério dos Negócios Estrangeiros”.

POR :Ivan Negro