As políticas linguísticas em Angola: desde 1975, o que (não) mudou?

As políticas linguísticas em Angola: desde 1975, o que (não) mudou?

Os grandes impérios do século XIX tinham diversas características, como o desejo doentio que sentiam de erradicar as línguas dos povos que eram colonizados por eles. No nosso continente, esse facto hediondo também ocorreu. Aqui, as políticas linguísticas coloniais tinham como finalidade fazer com que as línguas africanas parecessem “inferiores” e “atrasadas” diante das línguas que os colonizadores traziam. Com base nisso, apresenta-se a seguinte questão de partida: qual é a relação entre as políticas linguísticas actuais e as coloniais? Para nós, angolanos, o ano de 1975 é histórico, pois diz respeito à data em que Angola nasceu como uma “[…]República soberana e independente[…]”, como se pode ler no artigo 1.º da CRA.

Porém, passados mais de 40 anos de independência, muitas das políticas linguísticas coloniais ainda são visíveis no país, como veremos abaixo, e pretendemos (1) olhar para a relação que há entre elas e (2) analisar as suas influências socioculturais e pedagógicas. Neste caso, vale começar com o Decreto de 1845, escrito por Joaquim José Falcão, então Ministro de Estado da Marinha do Ultramar, que instituía, em Angola, uma estrutura oficial de Ensino Primário. Depois, em 1869, fez-se um outro Decreto com o fim de se criar uma Escola do Primeiro Grau do Ensino Secundário. Sobre esses dois pontos, é importante clarear que a intenção do governo português, na época colonial, não era de formar os angolanos. Pelo contrário, com a construção de escolas, mais portugueses seriam atraídos para cá e, com eles, a segregação.

Então, por uma questão estratégica, era necessário que se inaugurassem escolas para servirem de laboratórios onde projectos como as imposições linguística e da cultura portuguesa seriam postos em acção. Há também o Decreto n.º 77/1921, onde Norton de Matos, governador em Angola, proibiu o uso das línguas nacionais nas diversas esferas da sociedade da época, sobretudo no ensino. Segundo esse Decreto, estava proibido, aqui, o uso de qualquer língua, excepto a língua portuguesa, que passou a ser usada em todos os lugares como meio de opressão. Esta Lei está ligada ao medo que os portugueses sentiram de ver o povo angolano unir-se contra eles, mas nada disso lhes serviu. Contudo, é importante sublinhar que ela tem, curiosamente, traços das políticas linguísticas vigentes no país, como o facto de o português ser a única língua aceitável em todas as administrações do Estado, incluindo na educação.

Por fim, há a Lei Orgânica sobre a Administração Civil das Províncias do Ultramar, de 1929, que, resumidamente, fazia distinção, erradamente, entre um “civilizado” e um “não civilizado”. Para essa Lei, é civilizado o indivíduo que renuncia os seus valores, as suas culturas, suas línguas e adopta as ideias dos portugueses da época. Esta é mais uma das ideias equivocadas dos antigos impérios, pois, com base nas teorias científicas modernas, não existem culturas superiores ou inferiores, não existem povos que sejam “civilizados” ou “incivilizados” pelo simples facto de falarem as suas próprias línguas e não existem línguas mais desenvolvidas do que outras, visto que todas elas respondem às necessidades socioculturais e comunicativas dos que as falam.

Sobre as políticas linguísticas vigentes em Angola, vale olhar, antes de mais, para o professor Banza (2007), segundo o qual “a primeira acção de política linguística em Angola diz respeito à adopção do português como a única língua oficial” (p. 32). No seu artigo 19.º, a Constituição da República de Angola declara que o português é a (única) língua oficial. Ou seja, apesar do plurilinguismo e multiculturalismo de Angola, temos, desde 1975, uma única língua a ser usada em todas as esferas do Estado, tal qual na época colonial. Depois da independência, havia, sim, necessidade de se oficializar uma língua que servisse de elo entre o povo angolano; havia necessidade de se ter uma língua que não desvalorizasse um determinado grupo etnolinguístico. Porém, passados mais de 40 anos, não se percebe o motivo pelo qual continuamos a monopolizar o português, a dar-lhe todos os privilégios da época colonial, como se fosse a única língua no  país.

No seu artigo 9.º, a anterior Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino n.º 13/01 sustentava que “o ensino nas escolas é ministrado (apenas) em língua portuguesa”. Essa Lei, além da sua relação com as políticas linguísticas coloniais citadas anteriormente, contribuiu para o insucesso e abandono escolares, visto que há, em Angola, pessoas que não utilizam a língua portuguesa como instrumento de comunicação e que não a têm como língua materna. Com a aprovação de uma nova Lei, pensava-se que haveria melhorias, todavia, na LBSEE 17/16, a qual substituiu a Lei 13/1, em relação à língua de ensino, nada se alterou, como se lê no artigo 16.º. Nas duas leis, o português aparece, apesar da nossa realidade linguística, como sendo a única língua de ensino. Estudos sobre a aprendizagem revelam que o estudante aprende melhor quando também se usa, no processo de ensino-aprendizagem e no próprio Sistema de Educação e Ensino, uma das suas línguas maternas (cf. Ndombele, 2014; Nguluve e outros, 2020).

Logo, as leis acima mencionadas não reflectem a realidade sociocultural e linguística de Angola, além de não contribuírem para o sucesso escolar e inclusão social. É hora de se alterar a política exoglótica vigente em Angola, em que se reconhece, apesar de se tratar de um país plurilingue e multicultural, uma única língua como sendo oficial e de ensino. Precisamos, portanto, de uma política que expresse a realidade de todos os angolanos, e não apenas a dos que vivem nas metrópoles. Tal como o fizeram países como África do Sul, Tanzânia, o Zimbabwe, Moçambique e Quénia, também temos de adoptar uma política linguística do tipo mesoglótica e um modelo de ensino bilingue, por serem os que melhor se adequam ao contexto local.

POR: Famoroso  José