Dois cidadãos/mês são mortos pela Polícia em época de Covid-19

O mês de Março começou com um tumulto, no dia 9, na zona dos Quarteis, nas proximidades do Distrito de Recrutamento Militar de Luanda, na Maianga, quando centenas de jovens se deslocaram ao local em busca de uma vaga nas Forças Armadas Angolanas (FAA).

Do tumulto, que envolveu efectivos da Polícia e das FAA, resultou na morte de um jovem, no local, a tiro, e no ferimento de outro.

No dia 12 do mesmo mês, no bairro Candombe velho, periferia da cidade do Uíge, um jovem de 27 anos foi morto por disparo de arma de fogo, em acto foi atribuído a um agente da corporação. A Polícia local, na altura, disse que o acto foi acidental e que os agentes foram chamados a intervir numa discussão entre moradores do referido acto.

Agente acusado de matar o colega

No mês de Abril, a notícia veio da província do Zaire, quando um agente de 50 anos foi atingido mortalmente por quatro balas disparadas por um seu colega, no posto policial da comuna do Kindege, município do N´Zeto. Os tiros foram feitos à queima-roupa, tendo-lhe provocado morte imediata.

Já no mês de Maio, na madrugada de um Sábado, dia 9, um jovem de 21 anos foi morto na sequência de disparos efectuados por efectivos da Polícia para dispersar um aglomerado de cidadãos.

Segundo um comunicado da Polícia, o facto ocorreu no Bairro Huambo, em Luanda, quando cidadãos teriam mostrado resistência às forças da ordem tentando agredir os agentes usando objectos contundentes.

Sindicalista morto à porta de casa

Ainda no mês de Maio foram registadas mais duas mortes, a do secretário-geral do Sindicato Nacional de Professores e Trabalhadores do Ensino Não Universitário (SINPTENU), Lazarino dos Santos, de 44 anos, e do seu vizinho, Álvaro Esteves de 31.

Os dois foram mortos à porta de casa do primeiro cidadão, tendo o sindicalista sido atingido nas costas e o outro jovem na cabeça, num acto supostamente perpetrado pela Polícia, segundo testemunhas que estiveram com os malogrados no momento do fatídico acontecimento.

As mortes aconteceram por volta das 21h, do dia 25, quando as vítimas foram sido surpreendidas pelos supostos agentes. Todavia, a Polícia negou que os autores sejam seus efectivos e exortou para que quem tivesse provas não hesitasse e as apresentasse, para que os autores fossem responsabilizados.

A zungueira da Huíla

No dia 4 de Junho, uma cidadã de 32 anos foi atingida mortalmente no município de Caluquembe, província da Huíla, por uma bala disparada por um agente.

Segundo o comando da Polícia na Huila, o caso ocorreu quando um efectivo tentava dispersar pessoas que vendiam produtos diversos no Campo de Aviação, num mercado informal. Justificou que as vendedeiras arremessaram objectos contundentes e o agente ter-se-ia desequilibrado da viatura em movimento e o disparo atingiu o tórax da cidadã.

Ainda no mês de Junho, no dia 8, um adolescente de 14 anos foi baleado no mercado da Praia das Tombas, em Benguela. O rapaz, curiosamente filho de um polícia, foi atingido com um tiro mortal, enquanto outro jovem, de 26 anos, acabou ferido.

Na altura, Waldemar José, porta-voz das forças de Defesa e Segurança, explicou que a Polícia foi chamada para repor a ordem e foram recebidos com objectos contundentes, como paus, facas, catanas e pedras.

Prenda e a revolta por Acleide

Nesta semana fez eco a morte do jovem José Teocoma Manuel, também conhecido por Acleide, morto na madrugada do dia 12, nas imediações dos lotes 9 e 10 no Bairro Prenda, por um agente da Polícia.

Acleide morreu quando agentes da Polícia, no cumprimento da fiscalização das medidas em vigor no Estado de Calamidade Pública, efectuavam um patrulhamento na zona e se depararam com um aglomerado de jovens em horário e local impróprios.

Um dos agentes fez disparos e atingiu mortalmente o jovem Acleide, que faria 24 anos em Setembro, e o seu amigo Maurício José, de 17 anos, que ficou ferido no ombro.

Nos seus pronunciamentos públicos, tanto Waldemar José, porta-voz das forças de Defesa e Segurança, como o porta-voz da Polícia em Luanda, Nestor Goubel, reconheceram o facto, revelando ter existido imprudência do seu agente, que já se encontra detido.

O dia do funeral, na Quarta-feira, ficou marcado por uma manifestação da população nos arredores da casa do óbito e durante o cortejo fúnebre, clamando por justiça, tendo obrigado a Polícia a intervir.

“A Polícia criou o tipo de polícia que tem”

Para o sociólogo Carlos Conceição, o comportamento dos agentes da Polícia Nacional é consequência da corrupção que se instalou neste órgão do Ministério do Interior, há muitos anos.

Em entrevista a OPAÍS Conceição disse que “a Polícia criou o tipo de polícia que tem, por causa da corrupção estrutural que se implementou na própria Polícia. É preciso termos a coragem de dizer que muitos agentes que envergam a farda, e estão na rua, entraram por via da corrupção, comprando patentes e lugares”, salientou.

Segundo ele, muitos apresentam debilidades por terem passado por um processo não sólido de instrução nas escolas de formação de polícias, sendo que alguns deles aprendem a manusear as armas em quintais.

Carlos Conceição disse que as mortes constantes não têm justificação e que o caminho para se inverter o quadro é a restruturação da corporação, pois, “a Polícia passou a representar um perigo social muito grande”, acrescentando que noutras realidades se assistiria à exoneração de altas patentes da corporação.

Por outro lado, o sociólogo refere que se regista uma crise social e a adaptação imposta pela Covid- 19, que trouxe várias implicações, muitas delas anormais, entre os cidadãos, que com o confinamento, falta de emprego e de lazer, têm levado à desobediência social.

“Mas esta desobediência é fruto da crise social, porque muitas pessoas não têm sequer o que comer e a maioria da juventude se encontra desempregada. Tudo isso causa irritabilidade e repulsa social e pode originar comportamentos antissociais”, justificou.

Porém, refere Carlos Conceição, esta situação não legitima as forças de Defesa e Segurança a partirem para comportamentos iguais ou piores do que os dos cidadãos, usando meios letais, mesmo naqueles casos em que a população se apresenta indefesa.

“Não se pode tirar a vida de ninguém por essa razão, nem usar força desproporcional ao do cidadão, que não representa ameaça e está desarmado, para depois justificar que houve imprudência por parte da sociedade”, concluiu.