Luís Cupenala:“A deslocação do Presidente João Lourenço à China é um sinal do reforço das relações comerciais”

Luís Cupenala:“A deslocação do Presidente João Lourenço à China é um sinal do reforço das relações comerciais”

Em entrevista ao jornal OPAÍS, o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Angola-China, Luís Cupenala, avançou que estão registados mais de 118 investimentos chineses no país que, no global, estão avaliados em USD 124 mil milhões. Volvidos mais de 40 anos de relação diplomática entre os dois países, o responsável louva a implementação do curso de mandarim e afirma que o SME, por exemplo, colocou 50 profissionais para aprender esta língua

Qual é o balanço que faz das actividades da Câmara de Comércio e Indústria Angola- China?

O balanço que faço é positivo sendo que a Câmara de Comércio e Indústria Angola-China realizou uma série de actividades. Em 2023 organizamos o Fórum Oportunidades de Negócios Angola-China (FONAC), que foi oportunidades de negócios entre os dois países e congregou mais de 200 delegados, tendo havido a participação de empresários que estão nas de- mais províncias para fazerem a apresentação das suas potencialidades. O interesse que levou a organizar o Fórum foi porque a maior par- te dos investimentos estão localizados na faixa litoral e existe uma pressão muito grande dos jovens em busca de oportunidades. É necessário que se promovam estas oportunidades a nível das províncias para desafogar a cidade de Luanda, de modo que os jovens regressem às localidades e desenvolvam as suas actividades, criando condições saudáveis e favoráveis para as famílias.

Houve muita adesão das empresas no FONAC?

Sim, houve muita adesão. O Fórum, igualmente, incidiu na necessidade da manutenção das empresas que estão a fazer investimentos em Angola. Estamos a falar de empresas chinesas de direito angolano com capital chinês que devem servir como promotoras para a vinda de novos investimentos. Tratamos de ambiente de negócios para atracção dos novos investimentos de for- ma a juntar o nosso esforço como Câmara ao programa do Governo que tem que ver com a diversificação da economia, a industrialização, a redução acentuada do peso do petróleo na economia, desenvolver e fortalecer o sector não petrolífero.

Angola e a China têm relações políticas e diplomáticas que duram mais de 40 anos. Qual é o seu parecer?

De facto, a 12 de Janeiro de 2023 Angola e a China celebraram 40 anos de relações políticas e diplomáticas, e 13 anos de coope- ração e parceria estratégica. As vantagens que podemos constatar desta cooperação é que houve um desempenho da China a nível do quadro da reconstrução e construção das infraestruturas estratégicas que permitiram a reanimação da economia e habilitar Angola à competividade internacional. Angola, depois da guerra, teve um novo programa para mudar o quadro do contexto que se vivia na altura, sendo que foi a nível do mercado internacional buscar várias oportunidades. No entanto, as oportunidades que eram colocadas inviabilizavam esta agenda e a China foi o único país que, incondicional- mente, colocou recursos, homens e capital para que Angola alavancasse o programa para a reestruturação das infraestruturas. Os 40 anos de relações entre os dois países tiveram um balanço positivo, sendo que agora começa uma nova etapa para rever a nossa cooperação, onde se pode melhorar, para que Angola, fruto desta cooperação, possa tirar maiores vantagens a nível dos recursos, já que a China é uma economia pujante.

A China é um país em que Angola pode se espelhar?

Sem dúvidas. Imagina que em 2023 o PIB da China atingiu USD 17.8 triliões e ainda este ano o governo chinês, fazendo o seu balanço, concluíu que a economia chinesa irá crescer 5%. Estamos a falar de um país que começou com uma economia pobre e passou para uma economia mais industrializada do planeta. A China como parceiro, acho que Angola fez uma boa escolha para a dinamização do seu programa de industrialização e diversificação da economia, sobretudo os pilares que elegeu como estratégia do plano de desenvolvimento do trigo, arroz, soja e do milho, denominado “Planagrão”, Plano de Fomento à Pesca e Plano Pecuário. Tudo isso para garantir a questão da segurança alimentar, criando condições para a manutenção interna e o mercado internacional.

Como está a balança de pagamentos entre os dois países?

A balança de pagamento entre Angola e a China é bastante positiva, porque olhamos para 2022 que as trocas comerciais atingiram USD 27.8 biliões, se olhávamos para a caracterização da balança de pagamentos USD 23.3 biliões são das exportações de Angola para a China, nomeadamente recursos petrolíferos e cerca de 4 biliões foram as importações de bens acabados da China para Angola. Surpreendentemente, em 2023 notamos uma queda brusca de uma redução de mais de 20% nas exportações e mais de 14% nas importações que resultou na baixa produção dos hidro carbonetos. Por outro lado, o impacto directo da crise económica internacional agravada com o contexto geopolítico que estamos a viver nos últimos tempos, Angola não é um país isolado vive os problemas do mercado internacional.

Esta queda brusca que se refere de mais de 20% nas exportações tem a ver com o contexto geopo- lítico mundial?

Sim. Por exemplo, a dependência acentuada do petróleo que contribui para o nosso Produto Interno Bruto em mais de 90%. Então estamos a viver os problemas da crise económica acentuada. Por isso, há necessidade de fazer uma redução dos recursos petrolíferos para o sector não petrolífero, sendo de extrema importância a cooperação com a China desenvolvida a nível da ciência e tecnologia. Angola é um país com grandes recursos hídricos, terras aráveis e oferece todas as condições necessárias para que possamos ter uma agricultura sustentável para alimentar o mercado interno e para as exportações.

Qual é o peso de investimento chinês neste momento em Angola?

Estamos a falar do fluxo do investimento directo que é quase USD 27 milhões e há um crescimento lento, tendo em conta o contexto, mas é preciso ver que apesar das dificuldades que esta- mos a viver o sector privado das empresas chinesas têm sido bastante agressivo. Olhando pela Avenida Fidel Castro, vê-se que a quantidade de investimentos são muito sérios. Por exemplo, o grupo Niodior que está a construir a cidade do século com um investimento de um USD bilião, que acreditamos que até 2029 poderá ser inaugurado e empregar muitos jovens, estimular o empreendedorismo e a renda familiar. A Cidade da China, actualmente, movimenta mais de 80 mil clientes por dia e a par deste investimento, o mesmo grupo está a construir uma outra cidade denominada “Era” com uma dimensão quatro vezes maior que a Cidade da China, com um investimento de mais de USD 600 milhões. O grupo HS está, igualmente, a fazer grandes investimentos e, recentemente, inaugurou o Shopping Popular e continua a investir em centros de tecnologia, comerciais, residência habitacionais e escola internacional. Existe um investimento diversificado em todas as áreas e estamos a encorajar as empresas para que possam fazer investimentos na área da agricultura. O global de investimentos até agora estão avaliados em USD 124 mil milhões que inclui o sector petrolífero. Olhando para estes números podemos perceber que as relações entre estes dois países têm sido consistentes ao longo dos anos.

O Presidente João Lourenço esteve na China o ano passado e, neste momento, visita novamente o gigante asiático. É um bom sinal?

A deslocação do Presidente João Lourenço à República Popular da China é a revitalização das relações, o fortalecimento económico, político e social, bem como uma nova agenda para o futuro que se avizinha, com grandes desafios. Temos o desafio para o maior projecto do século que é uma rota que irá ligar a Ásia ao continente europeu e africano e tirar mais de 60 % da fasquia do mercado internacional. Deste modo, a África terá maior oportunidade para tornar-se num continente mais dinâmico e capaz de transformar os seus recursos e mudar a vida da população. Temos de melhorar o ambiente de negócios tornando as políticas de negócios mais flexíveis, reduzir o peso da burocracia para atrair investimento estrangeiro e poder- mos contar com mais investimentos.

“Os chineses têm ambições para o futuro e conhecem as potencialidades que Angola possui”

Desde 2017 que o ambiente económico em Angola vem sofrendo variações, a vida está cada vez mais difícil. Esta situação não assusta os chineses que continuam a vir para Angola investir?

O número de empresários em Angola tem aumentado, porque os chineses percebem melhor o contexto da nossa realidade a curto e a longo prazos. Têm ambições para o futuro e conhecem as potencialidades que o país possui. É necessário que os angolanos sejam um pouco mais humildes, audazes, saber o que queremos e fazer esforços para que possamos criar condições para atrair investimentos. Por essa razão, a Câmara de Comércio implementou o Centro Integrado de Apoios às Empresas onde irá colocar o Serviços de Migração e Estrangeiro (SME) como parceiro estratégico de modo que os chineses sejam tratados com dignidade ao emitirem os vis- tos de trabalho e turismo.

Há denúncias de empresas chinesas a maltratarem nacionais. A Câmara tem conhecimento desta situação?

As empresas que são membros da nossa Câmara trabalham em estrita colaboração com os órgãos ministeriais, sobretudo o Ministério do Interior e promovem muitos seminários em colaboração com Inspecção Geral do Trabalho (IGT). A Câmara não controla a comunidade chinesa em Angola, mas sim a comunidade dos empresários no país que conhecem a lei e os primeiros passos foram dados.

Quantas empresas chinesas estão registadas na Câmara de Comércio e Indústria Angola-China?

Temos mais de 118 empresas e tem 17 associações de empresas chinesas de direito angola- no com capital chinês. As associações foram construídas de acordo com as suas províncias na China, sendo que o potencial económico destas associações depende da província de origem. De modo que a Câmara de Comércio na China está com os líderes empresariais mais fortes que vão atender o Fórum e a visita de Sua Excelência, Presidente da República de Angola, para poder testemunhar os investimentos que estão a ser feitos em Angola e que vão servir de incentivos para os empresários chineses que não conhecem Angola e pretendem investir.

Quais são os principais produtos que os chineses importam de Angola?

A China importa o petróleo, madeira, rochas ornamentais, pedras preciosas. Mas mais de 90% é petróleo, precisamos fazer um esforço muito grande no quadro da diversificação da nossa economia. Em relação à quantidade de madeira importada pelos chineses precisamos que o país forneça mais estatística, sendo que os números que temos são fornecidos pela China e gostaríamos, em várias ocasiões, poder comparar os números. Mas esta- mos satisfeitos porque existe coerência em muitos números.

Foi implementado o curso de mandarim na universidade Agostinho Neto. O que isso representa?

Não fazia sentido que 40 anos depois os angolanos não considerem o mandarim como língua importante. A China a nível do plane- ta representa quase 3% da população mundial e estamos a falar 1.4 mil milhões de cidadãos, a segunda maior economia do mundo, uma economia que está a fazer investimentos muito sérios em África. Era necessário quebrar a indiferença cultural que existe e se pensa que quando se fala mandarim é colonização. Precisamos nos comunicar com os chineses, porque a China é o futuro da economia mundial. A China é um país que contribuiu para a nossa reconstrução. O financiamento do projecto de infraestruturas e ainda continuam a fazer investimentos. Foram assinados acordos de parceria estratégica e é importante que haja comunicação, porque é o instrumento que permite maior eficiência e eficácia no fluxo de investimentos, bens e serviços.

Como foi a aderência?

Tivemos uma aderência no curso de manda- rim muito grande. O responsável do SME colocou mais de 50 oficiais a participarem no primeiro curso, o mesmo aconteceu com o bastonário da Ordem dos Advogados que irá colocar 50 advogados a aprenderem o mandarim. Queremos estender para os outros órgãos. Neste momento, temos 100 pessoas confirmadas para o curso. Temos organismos como os Órgãos de Soberania, o Ministério do Interior, Procuradoria da República e Ministério do Trabalho que lidam directamente com esta comunidade e pensamos que a língua deve ser instrumental e foi com base nisso que a Câmara achou por bem criar condições com o Instituto Confúcio em acordo com a Universidade Agostinho Neto para desenvolver o programa de ensino ao mandarim.

Qual é a principal queixa dos empresários chineses em Angola?

São as multas avultadas que excedem os valores de um a 2 biliões nas empresas que, por vezes, são obrigados a fechar o negócio e deixar os funcionários na rua. Acredita- mos que é necessário que haja mais cultura didáctica, mais comunicação e para que a comunidade possa ter conhecimento da lei angolana, de modo a trabalharem dentro da legislação. Este tem sido um grande problema bem como os conflitos laborais. Os chineses construíram o seu país em muito menos tempo, porque tinham mui- ta disciplina, audácia. Não se pode construir com pouco trabalho precisa-se de jovens muito mais activos, ambiciosos, que participam na reconstrução nacional. Há jovens que trabalham pouco e querem exigir muito.