Rui Garção:“Estou empenhado num projecto documental que aglutinará para a posterioridade”

Rui Garção:“Estou empenhado num projecto documental que aglutinará para a posterioridade”

Artista visual, realizador e produtor, Rui Garção fala das limitações dos artistas nas suas deslocações, das ideias fluidas durante os períodos de confinamento, das exposições e do novo projecto documental que aglutinará para a posterioridade várias expressões artísticas angolanas e que, caso obtenha os apoios que se espera, no seu entender ajudará a promover histórias de obras e histórias vividas pelos autores dessas diferentes áreas

Como vai a carreira artística e como está em termos de exposições nestes momentos no novo ano?

Segue com estudos e pesquisa de uma nova série a que eu chamo de pintura desenhada.

Que acções gostaria de implementar neste ano 2021 e ainda não o fez? Porquê?

A Pandemia da Covid-19 veio limitar muito aquilo que era o decurso normal do circuito de exposições e a própria deslocação dos artistas para o desenvolvimento de tarefas e até de residências artísticas, além de dificultar a fruição directa do público de uma honra de arte.

O Universo das Artes é vasto. Em que área da actividade actua directamente?

Eu sou mais artista visual, pois desenvolvo trabalhos mistos de criação própria, mas também outros ligados à Formação no Audiovisual, além de alguma consultoria de imagem institucional.

Que reflexões faz sobre a conjuntura no campo das Artes e da Cultura em Tempos de Pandemia?

Como eu disse atrás, as deslocações estão mais limitadas e os artistas têm procurado desenvolver outros trabalhos e ideias durante os períodos de confinamento, pois as exposições, a exibição de peças teatrais, de Cinema e de eventos musicais ficaram limitadas em Angola cerca de 8 meses, de Março a Novembro de 202. Penso, por isso, que são os artistas a terem que desenvolver não outras, ma novas formas de chegarem ao seu público e motivarem com esses projectos a participação das entidades oficiais e de novos mecenas.

Como tem encarado esta situação no País, em particular, e no mundo, em geral?

Ao longo da história da humanidade tem havido ciclos pandémicos que originam milhões de baixas a nível global. Este é mais um que, para mim, tem contornos estranhos, pois existem de um lado aqueles que divulgam tudo e mais alguma coisa, até fake news que originam o pânico nas populações e, por outro lado, um movimento “negacionista” que entende isto ser apenas uma gripe ou uma pneumonia um pouco mais grave e que não há motivos para alarme…Para mim, existe de facto um vírus que se propagou por todo o lado, mas o estranho é que, quando aparecem as vacinas, logo surgem uma, duas ou mais mutações. Até parece haver “mãozinhas misteriosas que sabem ler” as noticias!

Tem alguma obra inspirada na pandemia da Covid- 19?

Sim, estou há uns meses a desenvolver uma série inspirada em algo que não podemos dar ou trocar entre amigos devido à pandemia que é o Abraço, os nossos Kandandos. Espero em breve mostrálos ao público.

Em 2019 esteve no Camões Centro Cultural Português, com a exposição “A Libertação e Os Novos Caminhos”. Como foi recebida e o que retratou?

Foi bem recebida e consegui estar com uma área de exposição agradável e de revisita através de novas obras, a ilustrações de 1976 que fiz para uma colectânea de Poesia Africana de Expressão Portuguesa do ensino médio, desenhos de que várias gerações angolanas se lembram.

O que tem ou está a preparar para o público, sobretudo para os seus fãs em matéria de artes plásticas?

Como disse atrás, a série dos “Kandandos” que a Covid inviabilizou…

Prevê algum brinde em matéria de arte até ao fim do ano?

Uma instalação, é surpresa….

De que forma tem divulgado as suas criações neste período de pandemia?

Como quase todos os artistas visuais, através das redes sociais, lives ou em projectos online como neste mês de Fevereiro, em que sou um dos artistas convidados e presentes na plataforma kaluandando.com

Qual é a sua percepção em relação ao Movimento Artístico ao nível dos PALOP e da CPLP nesta fase da pandemia?

Estamos todos no mesmo barco a tentar divulgar o nosso trabalho e tentando criar e explorar novos caminhos nestas condições de confinamento, em que alguns países estão mais afectados, como Portugal e Brasil. No entanto, desde sempre que sinto estarmos um pouco de costas voltadas uns para os outros…Não se sabe bem (salvo algumas pequenas excepções) o que os nossos colegas do outro lado de África, da Europa, ou das Américas estão a fazer… Nesse aspecto, os desígnios que levaram a criação da CPLP não se têm feito sentir…

Quais são as suas principais fontes de inspiração?

A Vida, as pessoas como os meus alunos com quem converso e debato muito e os objectos que me cercam no dia-a-dia…

É o primeiro artista da família ou sofreu influência de alguém?

Penso que sim, mas a grande influência veio do meu pai que desenhava muito de forma livre, mas também no desenho técnico de arquitectura de que era profissional e eu acompanhava desde criança.

Como últimas palavras ou tipo reflexão, o que gostaria de dizer?

Apesar desta fase de limitação da vida pela pandemia, as organizações, fundações, empresas e instituições não se devem demitir das suas responsabilidades sociais e culturais. Elas também podem gerar dividendos se houver atenção e criatividade nas políticas de apoio.

Por exemplo, também sou profissional do Audiovisual, concretamente realizador e produtor. Estou empenhado num projecto documental que aglutinará para a posterioridade várias expressões artísticas angolanas e que, caso obtenha os apoios que se espera, vai ajudar a promover histórias de obras e histórias vividas pelos autores dessas diferentes áreas, o que também dará prestígio nacional e internacional a quem se associar ao projecto.

Percurso do artista

Rui Guapo Garção nasceu em Luanda. Licenciou-se em Design de Comunicação pela Escola de Belas Artes de Lisboa. Foi realizador e produtor de televisão e docente universitário na disciplina de Arquitectura e Urbanismo na Faculdade de Belas Artes da Universidade Independente de Angola, onde é vice- Decano.

Em 1972, participou no 1.º Salão de Novíssimos e em diversas exposições colectivas em Luanda. Colaborou com ilustrações de literatura e poesia para diversos jornais e revistas em Luanda.

De 1976 a 1977, trabalhou na reestruturação do ensino em Angola e colaborou com o Conselho Nacional de Cultura e com o poeta António Jacinto na promoção e divulgação das Artes Plásticas e no projecto da Escola de Artes “O Barracão”, bem como na dinamização das Brigadas de Pinturas Murais em Luanda. Conquistou o Prémio de Desenho Satírico no Festival de Artes Negras da Nigéria, em representação de Angola.

Participou em várias exposições individuais e colectivas, organizadas pela Casa do Pessoal da RTP. Realizou e produziu, na RTP, vários programas culturais e documentários, de que destacam a ópera “Tosca” e a série “Mar das Índias”.

De 2010 a 2014, foi consultor para a Imagem de Eventos do Ministério da Cultura de Angola. Actualmente, dedica-se ao estudo e desenvolvimento dos grafismos unilineares dos desenhos na areia dos “Sonas” do Leste de Angola.