O país experimenta uma onda de greves que extrapola às paralisações habituais das actividades laborais no ramo da educação e saúde. Ora, saímos de greves dos funcionários da Procuradoria-Geral da República, dos professores, dos funcionários de uma telefonia móvel e avizinha-se uma greve dos oficiais de justiça.
POR: fortunato Paixão
Na verdade, a greve é um direito fundamental dos trabalhadores com a categoria de direito, liberdade e garantia, apesar de ser vedado às forças militares e militarizadas, forças policiais, titulares de cargo de soberania e magistrados do Ministério Público, agentes e trabalhadores da administração de estabelecimentos prisionais e bombeiros. (artigo 6º) O direito de greve é tradicionalmente considerado como um dos mais importantes direitos colectivos dos trabalhadores, a par dos direitos sindicais e do direito de negociação colectiva. Esta qualificação como direito colectivo justifica-se pelo facto de a greve envolver um conjunto de trabalhadores, por prosseguir interesses colectivos dos trabalhadores, não obstante de o direito de greve envolver uma dimensão individual, já que o seu exercício exige a adesão de cada trabalhador e os seus efeitos se repercutem na esfera jurídica de cada trabalhador aderente (artigo 4.º, n.º 1) (ROSÁ- RIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho Parte III-Situações Laborais Colectivas, 2.ª edição, Almedina, 2015, pág.435-436). O regime jurídico da referida figura está previsto pela Lei n.º 23/91,de 28 de 15 de Julho, nos termos da qual, a greve é a recusa colectiva com fins económicos, sociais e profissionais relacionados com a situação laboral dos trabalhadores), total ou parcial, concertada e temporária de prestação de trabalho, contínua ou interpolada, por parte dos trabalhadores. (artigo 2.º e 3.º) Deste modo, naturalmente, a greve deve ser precedida de apresentação à entidade empregadora dum caderno reivindicativo que pode dar lugar uma declaração e comunicação da greve, nos termos dos artigos 9.º, 10.º e 11.º. Por conseguinte, para além da obrigação de garantir os serviços necessários à segurança, protecção e manutenção dos equipamentos e instalações da empresa, nos serviços e empresas de utilidade pública, os trabalhadores e os organismos sindicais ficam obrigados a assegurar a satisfação de necessidades essenciais e inadiáveis da população, designadamente, serviços de correio e telecomunicação, controlo do espaço aéreo, serviços de saúde e farmácia, captação e distribuição de água, produção, transporte e distribuição de energia eléctrica e distribuição de combustíveis, operações de carga e distribuição de produtos alimentares de primeira necessidade para o abastecimento á população e perecíveis, transportes colectivos, saneamento e recolha de lixo e serviços funerários (artigo 21.º e 22.º). A exigência de compatibilização do direito de greve com os serviços mínimos destinados a manter os equipamentos e as instalações da empresa e a acorrer à satisfação de necessidades sociais vitais, ínsita nos artigos 21.º e 22.º, acentua carácter não absoluto da greve, como, aliás, de qualquer outro direito subjectivo, seja ele direito fundamental ou não. Assim, a prossecução de um e outro interesse pode prevalecer sobre o direito de greve, que se vê, no entanto, limitado no seu exercício. É o resultado da aplicação do princípio civil geral da colisão de direitos, previsto no artigo 335.º do CC. Com efeito, os oficiais de justiça, por exemplo, pretendem uma paralisação total dos serviços do Ministério da Justiça, designadamente a realização de casamentos, emissão de bilhetes de identidade e de certificado de registo criminal, reconhecimento de documentos, registos de nascimentos, solturas ao nível dos serviços prisionais, com excepção de registos de óbitos. Ora, é legítima a “acesa” reivindicação do Sindicato dos Oficiais de Justiça, pois pretende-se uma greve denominada trombose, porquanto se carateriza pela circunscrição formal do comportamento do grevista ao sector-chave da empresa, cuja paragem inviabiliza, por si só, o trabalho nos restantes sectores. Por exemplo, não haverá audiências de julgamentos sem a devida notificação das partes pelo oficial, ou seja, a greve dos referidos oficiais ainda poderá afectar negativamente à realização dos serviços dos Magistrados Judiciais, Conservadores e Notários. Entretanto, é imperioso que o Sindicato analise algumas questões concretas que tem que ver com os serviços mínimos, referimo- nos por exemplo, ao caso de uma pessoa que precisa reconhecer um documento necessário para viagem por motivos de saúde cujo adiamento possa resultas danos irreparáveis, ao caso de soltura, na medida em que o seu adiamento resulte a violação de um direito fundamental. Com efeito, sugere-se a instalação de um piquete de greve para proceder ao tratamento de questões inadiáveis, que vai além do registo de óbitos.