1. NOTA PRÉVIA
Nos últimos tempos, não poucas vezes temos nos deparado com situações que ferem ao mais alto nível os valores socialmente protegidos, principalmente os ligados aos direitos fundamentais.
E esse desvirtuamento dos valores morais traz consigo consequências graves às pessoas, pois estimula práticas menos boas para a construção saudável sociedade que a todos pertence.
Tanto é que agora, nota-se com muita frequência uma crescente tendência ao cometimento de crimes de natureza doméstica, nomeadamente violações sexuais, ofensas à integridade física, homicídios, entre outros praticados principalmente por pais, tutores e encarregados de educação.
2. DA SITUAÇÃO VERTENTE
“No dia 07 de Junho de 2023, Benguela acompanhou mais um relato de um crime, quase que hediondo, em que é “acusado” um suposto padrasto pertencente supostamente ao MINISTÉRIO DO INTERIOR, de ter abusado sexualmente e agredido até a morte a sua enteada de 19 anos de idade.
Crime este que criou certamente um sentimento de revolta sem dimensão, principalmente pelo facto de ter sido praticado por quem do ponto de vista moral, social e até legal tem o dever de cuidar.
3. DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO PENAL
É importante, primeiramente referir, que Angola é um Estado Democrático de Direito, cujos fundamentos dentre outros é o de assegurar a observância dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.
Dos vários direitos fundamentais, o direito à vida e à integridade física são tidos como essenciais à natureza da dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição da República de Angola, em harmonia com outras normas de carácter internacionais, vide artigos 2º, 26º, 27º da Constituição da República de Angola – CRA.
Para o presente, segundo o que se pode analisar das informações que se vão sendo partilhadas, é que o suposto padrasto, supostamente violou sexualmente a sua enteada de 19 anos de idade e, em acto contínuo agrediu a vítima fisicamente até à morte.
As imagens que circulam nas redes sociais e da descrição dos factos, trata-se supostamente de um crime hediondo, tal como defende ANTÓNIO LOPES MONTEIRO, que esse crime ocorre quando o delito é por sua natureza altamente grave e com severas consequências jurídicas e a “conduta delituosa estiver revestida de excepcional gravidade, quando o agente revela total desprezo pela vítima, insensível ao sofrimento físico ou moral” (2015, p. 16).
Os crimes hediondos por natureza são identificados pelo alcance de reprovação que tendem a se caracterizar e as violações de diversas ordens sociais normativas.
Sendo certo que com essa prática, o suposto agente do crime, o padrasto, embora goze também de todas as garantias previstas na Constituição e outras leis ordinárias, como é o caso do PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, ainda assim, sobre o mesmo recai um juízo de suspeita da prática dos crimes de Homicídio Qualificado em razão dos motivos ou ainda da qualidade da vítima, previstos e puníveis pelos artigos 149º e 150º do Código Penal, cujas molduras penais abstractas são de 20 a 25 anos de prisão, crimes inseridos no domínio daqueles cometidos contra as pessoas e contra o supremo bem jurídico das pessoas que é a vida, igualmente com protecção constitucional, vide artigo 30º da CRA.
Embora outras conclusões eventualmente virão ser retiradas à volta do processo, nomeadamente circunstâncias, motivações da prática do crime e análise das agravantes e atenuantes que concorrem ao caso vertente, artigos 70º, 71 e seguintes do Código Penal Angolano, em nossa opinião, pensamos que não estará distante do aqui apresentado.
E, há fortes indícios de, pela suposta qualidade do sujeito, a natureza do crime e outros factores ligados à Medida de Coacção Pessoal, ao mesmo seja aplicável a Prisão Preventiva, Prevista nos artigos 279º e seguintes do Código do Processo Penal Angolano.
4. CONCLUSÕES
A construção de uma sociedade saudável é de responsabilidade de todos. Com isso, há necessidade de solidariamente intervirmos positivamente em cada seguimento social para minimizar consideravelmente práticas do género que vão a cada dia tomando proporções de extremíssimas preocupações por conta as consequências.
Daí ser fundamental que todas as instituições, começando pelas famílias, as escolas, as igrejas e outras fim, possam intervir com o seu papel social de preparar cada vez melhor a criança e não só que amanhã será um cidadão com responsabilidade sociais que se queiram positivas.
É ainda de realçar a necessidade da cultura da denúncia dos crimes que acontecem em sede das famílias, porquanto, normalmente, indicam os estudos, que actos do género chegam nesse extremo tendo em conta já um histórico de várias acções que até configuram crimes, mas são “perdoadas” por motivos de diversas ordens.
Também, apela-se a toas as instituições ligadas no processo da administração da justiça ainda que como auxiliar, possam efectivamente cumprir com isenção, responsabilidade e legalidade todas as responsabilidades que sobre as mesmas recaem.
Os Tribunais, a Procuradoria, o Ministério do Interior, o Ministério da Justiça e outros afins devem ser o exemplo do maior alcance da paz, harmonia e bem estar social.
Por: VICENTE KANGA DOS SANTOS NETO
Mestre em Direito e Docente Universitário