Avô Kitoko, como é mais conhecido, disse a OPAÍS, que a prioridade recai sobre as parteiras tradicionais que constituem 33 mil dos mais de 65 mil membros registados e controlados pela Câmara de Terapeutas Tradicionais e a outros praticantes dessa forma de medicina que não sabem ler.
Satisfeito com a recente aprovação da proposta de Lei para a Medicina Tradicional, Kitoko Mayavângwa disse que a sua organização reserva para eles o estatuto de arquivos patrimoniais.
“Com a aprovação dessa política, torna-se obrigatório passar pela escola. Por isso, projectamos levar aulas em forma de palestra, numa duração estimada em seis meses, que corresponderá ao primeiro grau de formação da câmara”, detalhou.
Assegurou que ele e os seus colaboradores directos vão partilhar os conhecimentos e aproveitar aprofundar a investigação científica de plantas medicinais.
Relativamente ao que pretendem das parteiras tradicionais, reiterou que, para o parto seguro, as parteiras estão inseridas na formação aprofundada de seis meses, porque já detém conhecimentos práticos.
“A ideia é não encarar essas mulheres apenas com domínio de parto, mas levá-las a adquirirem outras competências que lhes atribuirão subsídios para poderem dar solução a outras doenças que podem representar um perigo para a realização de um parto tranquilo”, anunciou Avó Kitoko, adiantado que, em Luanda, a maior parte dessas especialistas vêm de Viana, Cazenga e Ingombota.
Esclareceu que, nesse momento, a estrutura orgânica dos recursos humanos da medicina tradicional, envida esforços para levar a cabo a divisão por especialidades, contemplando naturopatas, parteiras tradicionais, terapeutas, especialistas de fisioterapia.
No entanto, reconhece que poucos praticantes desta medicina integram a entidade reguladora, porque há exigências de documentos qualificados do fórum académico.
“Então, estamos em negociação para o recadastramento dos terapeutas que têm de ter licença própria do Ministério da Saúde (MINSA), através da Inspecção Geral, que é a entidade que tem autoridade para licenciar”.
Formação a todo nível
Ainda sobre o tempo e o modo das formações académicas que a organização leva a cabo, começou por referir que há oito angolanos que estão a concluir estudos avançados na África do Sul, Alemanha e Portugal, para garantir que o paradigma está concebido para atender os níveis básico, médio e superior.
“Então, estamos a levar o regime de cooperação com o Instituto de Fisioterapia do Brasil, onde a concentração académica tem a duração de quatro anos. Temos ainda o regime de formação técnico-profissional para quem já tem um nível de ensino médio, que durará apenas dois ou três anos”, explicou.
Para os classificados de “grandes profissionais”, que detém algum conhecimento considerável na matéria, esses poderão fazer apenas seis meses de formação, soube O PAÍS do presidente da Câmara dos Terapeutas Tradicionais.
Segundo ele, uma das escolas projectadas está localizada no município do Cazenga e outra, no Camama, município do Talatona, para o ciclo provincial de Luanda, sendo que, fora da capital, Huambo e Bié constituem outras regiões acadêmicas para os terapeutas tradicionais.
Segundo Kitoko Mayavângwa, a projecção não está fora do conhecimento dos Ministérios da Educação, Acção Social, Família e Promoção da Mulher e do Ministério da Saúde, na pessoa da sua Inspecção Geral, que funciona como entidade reguladora.
A Câmara de Terapeutas de Medicina Tradicional Natural e Não Convencional de Angola, denominação ora resultante da intervenção do Estado angolano, integra todas as associações e organizações que operam na medicina tradicional e natural.
Autoridade para activação de comité
O terapeuta tradicional, que se considera pioneiro da luta para a legalização da classe, classifica a aprovação da proposta de Lei que Regula a Medicina Tradicional como um ganho que facilitará o surgimento do Comité Nacional de Plantas Medicinais, que é um projecto enquadrado na organização.
Garantiu que, dessa forma, a Câmara dará a consolidação da investigação no sector, a conservação da fauna e da flora, bem como a criação de jardins botânicos.
“Temos terrenos em Malange, na Huíla e no Moxico onde a sensibilidade dos governadores locais permitiu a cedência dessas parcelas.
Estes hortos destinam-se a replantação das plantas medicinais, a fim de se conservar o arquivo patrimonial dos referidos vegetais para, posteriormente, incentivar a inventariação de plantas medicinais em Angola”, revelou o responsável.
No entender do terapeuta-decano, dessa forma vai-se respeitar a farmacopeia angolana e africana, pois, nesses jardins terão calibre nacional. Noutras regiões, haverá estufas que poderão facilitar docentes, estudantes universitários e não só a fazerem investigação.
“Também nos levará a respeitar e projectar programas a favor do Ministério do Ambiente, Turismo e Cultura, promovendo fazendas turísticas”, frisou.
Igrejas terão de se definir
De acordo com Kitoko Mayavângwa, o ante-projecto prevê que instituições como a FOMETRA vai-se responsabilizar por denominações que se afirmam como espirituais e a câmara vai investigar as igrejas que desenvolvem tratamento com água e identificar materiais estranhos que certas congregações religiosas utilizam para entrarem nessa classe.
“Eles terão de definir se pegam a Bíblia, a água ou os remédios naturais e tradicionais”, disse Kitoko Mayagângwa, esclarecendo que se escolherem a segunda opção, terão de se registar na Câmara que lidera e respeita a especialidade e os limites impostos pela lei.
Disse que o terapeuta de medicina tradicional também deverá respeitar a especialidade da medicina convencional e esperar o inverso, no entender do líder da câmara dos terapeutas tradicionais, o que significa que tem de haver limitações de cura.
Desafiados a encontrarem cura da malária
Sendo um órgão do projecto da Câmara, o Comité Nacional de Plantas Medicinais afirma-se como a entidade coordenadora para cuidar da catalogação das referidas plantas, devendo desembocar no grande registo das plantas medicinais.
Exemplificando com um fenómeno actual, Kitoko Mayavângwa disse que, para o caso da pandemia da Covid-19, ele e os seus colaboradores estão a trabalhar com o Instituto Nacional de Investigação de Saúde, sob indicação do MINSA.
“Fomos notificados a apresentar uma lista de catalogação de plantas úteis que pode vir a curar a malária ou algumas das doenças que integram os sintomas da Covid-19”, declarou.
Considerando já avançada a busca e o apuramento de certas plantas para contornar o impacto da malária, o decano dos terapeutas mostrou-se animado e convicto de que os referidos medicamentos naturais e outros que se esperam concluir os estudos poderão aliviar algumas patologias, como as do fórum respiratório.
“A China já fez o mesmo exercício com plantas do género das que existem em Angola. Então, com essa aprovação da lei que defende a medicina tradicional, é luz verde para a investigação científica com base nas plantas medicinais”, referiu.
O entrevistado assegurou que já têm prioridade para a plantação de alguns géneros vegetais de utilidade terapêutica para os projectados jardins botânicos, tendo designado o mbundu lyanyoka (espécie de feijoeiro), a muringa, camomila ou xandala, sendo essas duas últimas as grandes apostas da câmara que lidera.
Do “mbrututo” à vacina de Hepatite B, Kitoko Mayavângwa revelou ainda sobre uma descoberta ligada ao mbrututo, que, segundo ele, já está a ser investigado na Espanha, esperando-se que, através dessa planta, se fabrique uma vacina contra a Hepatite B.
“Foi uma instituição angolana que trabalhou bastante para a entrega desse vegetal a especialistas do centro de investigação científica que o levaram para o referido país europeu da península ibérica”, contou, tendo recomendado que se deve aproveitar o facto de Angola ter rica fauna e flora, teoricamente inexplorada.
Criado fundo de apoio dos terapeutas
Em nome da organização que dirige, Kitoko Mayavângwa garantiu que já criaram o Fundo de Apoio dos Terapeutas Tradicionais, onde esses especialistas estão a contribuir mensalmente com algum dinheiro, para que, em breve se beneficiem de casas próprias desse fundo.
Prevê-se também a criação de agências para registo das plantas que cada especialista usa para os seus trabalhos de cura, além de poderem receber um crédito.
Por isso, reforçou que, em consequência da aprovação dessa política, têm de surgir programas de plantas medicinais, políticas de conservação, preços e outras valorizações.
Para si, a venda desses produtos tem de ser controlada, tal como se faz noutros países africanos e no Canadá, na Alemanha e China, que já detêm uma capacitação do capital de medicamentos naturais.
Recordou, finalmente, que as práticas de feitiçaria são condenáveis em Angola, razão pela qual falou de um programa de sensibilização dos protagonistas, de modo a filiarem-se na câmara e serem orientados a trilhar por caminhos legais.
“Não queremos ver mais alguém com tala em Angola, já sofremos muito. Nós agora temos mais autoridade para controlar a venda anárquica de medicamentos tradicionais e entregar os malabaristas aos órgãos da Justiça, por já haver um instrumento legal”, frisou.