Combate ao garimpo de diamantes provoca aumento de mendigos em Saurimo

Combate ao garimpo de diamantes provoca aumento de mendigos em Saurimo

Actualmente, a extracção de diamantes só é autorizada a grupos de cidadãos agregados em cooperativas e às empresas vocacionadas na exploração das preciosas pedras, a que as autoridades atribuem senhas

Texto de: Domingos Bento

Nos últimos dias, é cada vez mais notado o número elevado de pessoas que mendigam nas principais ruas da cidade de Saurimo, capital da província da Lunda- Sul. Na sua maioria, são mulheres com crianças ao colo e velhos que, todos os dias escalam o centro da cidade para estenderem as mãos aos transeuntes. Tal como constatou o OPAÍS, grande parte destas pessoas passaram a maior parte das suas vidas dedicadas ao garimpo de diamantes, que, nos últimos tempos, tem vindo a ser combatido pelas autoridades locais.

Actualmente, a extracção só é autorizada mediante senhas que são distribuídas a grupos de cidadãos agregados em cooperativas e às empresas vocacionadas na exploração das preciosas pedras. A Polícia, tal como referiu ao OPAÍS o comandante provincial, Aristófanes dos Santos, tem vindo a accionar uma série de medidas de prevenção e combate ao garimpo, culminando assim com a detenção de cidadãos que insistem na sua prática.

Recentemente, conforme deu a conhecer o oficial, foram detidos 229 indivíduos, entre nacionais e estrangeiros, que se dedicavam ao garimpo de diamantes na zona de Samusseleca. No entanto, com o fim da extracção ilegal, muitos cidadãos, que ao longo dos anos sobreviveram apenas desta actividade, viram as suas fontes de rendimentos a desaparecer, aumentando assim as dificuldades no seio das famílias. Porém, para continuarem a sobreviver, muitos abandonaram as zonas de garimpo e ajeitam-se em pequenos biscates.

Outros encontraram nas ruas, por via da mendicidade, a única forma para seguirem na vida. O périplo pelas esmolas começa cedo. Por volta das 8horas da manhã, as ruas da cidade de Saurimo, onde residem cerca de 564mil habitantes, registam o sobe e desce de pessoas desfavorecidas que deambulam de um lado para o outro a mendigar. Os turistas, funcionários e estrangeiros são os principais alvos deste grupo de cidadãos que saem, maioritariamente, dos bairros periféricos do Txizainga, Manauto e Sambukila.

O casco urbano, sobretudo as zonas de maior concentração de empresas e instituições públicas, como o largo Largo 1º de Maio e Avenida 4 de Fevereiro, são os pontos preferenciais e onde se regista o grosso de indivíduos que procuram uma ajuda de pessoas de boa-fé. Luísa Cacundi, 32 anos de idade, é uma das pessoas que todos os dias, com o bebé ao colo, escala as ruas de Saurimo para pedir esmolas. Em conversa com o OPAÍS, a jovem, mãe de seis filhos, disse que foi para a rua porque o marido, antigo garimpeiro de diamantes, encontra-se desempregado.

De forma a continuar a sobreviver, a mulher afirmou que é na calçada, mendigando de um lado para o outro, que consegue sustentar os filhos. Luísa referiu que anteriormente trabalhava como doméstica de um casal de estrangeiros que o ano passado abandonou a província devido à crise. Sem emprego e sem nada para fazer, a mulher explicou que de lá para cá tem sobrevivido graças à ajuda de pessoas de boa-fé, que solidarizam- se com a sua difícil condição de vida.

“Uma pessoa até tem vontade de trabalhar, mas aqui não há emprego, não há nada. Também já tentei fazer negócio, mas foi abaixo. Dois dos meus filhos não estão a estudar. O meu marido encontra-se em casa desde que começaram a proibir de cavar diamante. Sobrevivemos apenas de esmolas”, desabafou. Também José Cambundy, 59 anos de idade, disse ter ido parar à rua porque deixou de frequentar as zonas de garimpo há dois anos. Conforme explicou, viveu mais de vinte anos do garimpo de diamantes. Mas em 2016, devido à intensificação da fiscalização do Governo, teve de abandonar a actividade. E, para continuar a manter o sustento em casa, teve de recorrer às ruas.

“O dinheiro dos antigos combatentes até hoje o Governo não paga. Nas zonas de diamantes andam a nos enxotar porque dizem que somos ilegais. Roubar não podemos, porque já somos mais velhos e fica feio. A única forma de sobreviver é vir pedir alguma coisa às pessoas que sentem o nosso sofrimento”, desafogou o ancião, tendo acrescentado que a vida na província é bastante difícil. Cidade desfigurada Para os citadinos, o aumento de mendigos nas ruas de Saurimo está a desfigurar a imagem da cidade, conhecida também como terras do brilho do diamante. Para Stela de Sousa, a cidade, que tem grande parte dos seus edifícios e locais de interesse públicos a carecerem de reabilitação e melhorias, tem vindo cada vez mais a ganhar uma imagem triste e de absoluta pobreza, pelo que, no seu entender, é preciso que haja uma atitude das autoridades locais no sentido de reintegrar na sociedade os mais vulneráveis. “As pessoas não estão na rua porque querem. É que a nossa província não tem emprego. O Governo precisa de apoiar os mais necessitados para evitar que vão à rua, até porque correm muitos perigos”, atestou.

Fraco investimento privado

O investimento privado, que poderia ser uma alternativa ao garimpo de diamantes, por via da concepção de postos de trabalho, é fraco na província. Por este motivo, grande parte dos cidadãos, sobretudo os jovens, debatem-se com o problema do desemprego. Os poucos empreendedores que insistem em investir na província queixam-se da falta de políticas públicas para contrapor o actual cenário difícil que aquela parcela do Leste enfrenta. Diante da situação, muitos estão a preferir fechar as portas e emigrar para outras regiões do país em busca de novas oportunidades de negócio, deixando assim aquela parcela do território nacional cada vez mais fragilizada.

No entanto, com o défice de investimentos, a vida na província é bastante cara e a grande maioria da população não tem poder de suportar os altos preços dos serviços e produtos básicos. Os comerciantes justificam os preços com os custos de transportação dos produtos que chegam à província maioritariamente por via aérea, com os preços dos bilhetes de passagem acima dos 80 mil kwanzas. “Tudo vem de Luanda, até as coisas mais básicas. E nós, os empresários, temos sérias dificuldades por causa dos elevados custos de transportação.

Já que não temos apoio do Estado, quem paga por tudo isso são os consumidores, que acabam por comprar as coisas mais caras”, frisou um comerciante local. A via terrestre, que devia facilitar na rápida transportação de produtos para a província, tem grande parte dos troços danificados, conforme deu a conhecer ao OPAÍS o director da região Leste do Instituto de Estradas de Angola (INEA), Rafael Mutemeka, que fez saber que a província tem 1800 quilómetros de estradas por construir e outras 800 por reabilitar.

Dentre as vias mais preocupantes, o responsável apontou as Estradas Nacionais 240 (Dala- Casais-Muconda), 171 (Cacolo- Cucubi-Xassengue), 170 (Dala-Luma Cassai), 172 (Morieis- Chiluage-Cassai Sul) e 230 (Saurimo-Malange). Por seu lado, o governador provincial, Ernesto Fernando Kiteculo disse que só com acções empreendedoras será possível combater a pobreza, o subdesenvolvimento e as assimetrias na província.

Segundo o governante, que falava durante o lançamento do programa de microcrédito às comunidades, na província há capacidades que podem ajudar neste processo, devendo, para o efeito, o Governo central, o provincial e as instituições privadas, conceder mais oportunidades aos jovens locais. “Temos renda e temos capacidades para nos auto-sustentarmos. Gostaríamos que houvesse o comprometimento dos jovens para que a províncias da Lunda- Sul saia das actuais dificuldades que vive, fundamentalmente a falta de emprego para a juventude”, atestou.