27 DE MAIO DE 1977– Desaparecimentos forçados. Verdade e Justiça- Políticas de memória

27 DE MAIO DE 1977– Desaparecimentos forçados. Verdade e Justiça- Políticas de memória

O desprezo pela verdade, se exercido pelo Estado, conduz à cegueira e constitui uma falta de respeito pela consciência colectiva de um povo.

Tal paradigma, conduz à quebra de confiança dos governados relativamente aos seus governantes e abre o caminho para repetições históricas.

Nas transições democráticas não se pode ocultar a repressão passada, pois isso, será transmitir às gerações futuras um legado não tratado.

Poderá, até, em teoria, não haver uma versão da verdade, que possa vencer inequivocamente as outras, mas não ter uma verdade que seja “socialmente aceitável”, ou seja, uma verdade que se ligue com a justiça mínima que permita finalmente aos cidadãos, e particularmente aos familiares dos desaparecidos, saber como é que ocorreram esses desaparecimentos forçados em Angola no período de 1977 a 1981, quem foram os seus autores e onde estão os restos mortais desses nossos concidadãos desaparecidos há 43 anos, não é aceitável.

É necessário garantir que haverá uma investigação sobre a repressão passada! Crie-se então uma comissão de Verdade, não governamentalizada, com poderes, com personalidades da sociedade civil , advogados representando as famílias e não, uma mera comissão de “homenagens” e “festas” como a CIVICOP.

O Estado Angolano, ao reconhecer na «Estratégia do Executivo de Médio Prazo para os Direitos Humanos 2018-2022» que, “Um dos acontecimentos mais relevantes dessa época que marcou o estado de degradação cívica e humana em que o país se encontrava, foi o processo de 27 de Maio e todo o cortejo de atentados aos Direitos Humanos que se seguiu.”, abriu a porta para que, estes acontecimentos deixassem de ser uma marca de desprezo autoritário pela vida humana e para que seja possível, através do “Reaparecimento desses desaparecidos”, dar aos seus concidadãos de hoje, e às gerações futuras, bem como ao mundo, uma lição de que é possível superar o passado com verdade e justiça.

Só assim se poderá garantir uma verdadeira reconciliação abrindo o caminho ao perdão de quem o consiga fazer. Pelo contrário, insistir apenas no perdão e reconciliação, como meras abstracções, sem verdade e justiça, na base de que a componente jurídico legal e judicial está resolvida, será permitir que as tão propaladas “Amnistias”, já antes aprovadas, sejam consolidadas sem qualquer debate e em violação dos princípios do Direito internacional.

No nosso caso, o do 27 de Maio de 1977, o Estado já beneficiou até, de uma palavra generosa por parte de um grande número de familiares das vítimas, e organizações de vítimas, que afirmaram não estar em busca de vingança mostrando-se disponíveis a caminhar para uma reconciliação, mas apenas, com verdade e justiça, a justiça do reconhecimento dos crimes antes praticados, e claro, pelo “Reaparecimento desses desaparecidos”, ou seja, pela procura efectiva dos seus restos mortais.

As leis de amnistia passadas, já aprovadas, não são políticas de memória. São apenas, uma forma dos responsáveis fugirem da punição, mesmo que esta seja apenas moral.

O Estado neste caminho, irá isentar-se de responsabilidades passadas e garantirá que, os perpetradores em seu nome, ou não, irão arrastar consigo para todo o sempre o odioso dos seus actos passados, pois não quiseram mostrar arrependimento algum, ou não lhes foi possível fazê-lo.

Actuando, assim, o Estado continuará a mostrar que os perpetradores em seu nome não contribuíram em nada para a verdade nem ajudaram, agora quando o podiam fazer, a diminuir a dor das famílias dos desaparecidos.

Se a componente jurídico legal está resolvida como diz a CIVICOP, porque é que a mesma apresentou recentemente uma lei que através de um procedimento sumário obrigará os parentes do desaparecido a terem o ónus de solicitar uma espécie de “declaração de ausência”, ou seja, o Estado pretende sepultar juridicamente os cadáveres insepultos dos desaparecidos recorrendo aos seus entes queridos e deixá-los assim abandonados para a eternidade e no esquecimento.

Será isto uma Reconciliação? É este o Perdão pretendido? Levaram- nos os familiares e teremos que perdoar o Estado! Que Hipocrisia e que falta de sentido de Verdade e Justiça.

Os cidadãos deste País aceitarão este desfecho? Sr. Presidente João Lourenço, com coragem e frontalidade, tal como Nelson Mandela o fez, promova por favor uma verdadeira reconciliação Nacional, transforme a CIVICOP numa verdadeira Comissão da Verdade.

José Fuso

Vítima sobrevivente