Adriano Botelho de Vasconcelos: “Escrevo convocando os sujeitos imaginários”

Adriano Botelho de Vasconcelos: “Escrevo convocando os sujeitos imaginários”

Que reflexão faz sobre a Cultura em Tempos de Pandemia?

Entendo que os governos, apesar das dificuldades orçamentais, devem elaborar programas de apoio à cultura, devem financiar as plataformas ‘Lives’ e desfazerem os constrangimentos funcionais das instituições representativas dos fazedores para que se trave os níveis de desemprego. Não posso deixar de afirmar que a cultura é um bem quase incomensurável, está aí, é muitas vezes esperança, sempre será inquietação, é um ente que deve ser protegido porque há muito sem carinho.

Como está a observar o período de calamidade pública?

É um jogo difícil diante das situações sociais e as exigências de confinamento e de cerca sanitária. As necessidades de sobrevivência devem fazer parte das equações governativas, das empresas e uma cultura de maiores partilhas materiais como já se nota nos diversos gestos magnânimos.

Só o grupo de que sou sócio, a Nossa Seguros, contribuiu para que o país tenha mais ventiladores.

Do que se tem ocupado neste período que ainda exige um certo distanciamento?

Usando o potencial do Zoom para manter o isolamento social, mas sem deixar de trabalhar com afinco. Estamos numa fase cheia de incertezas e que já é longa, mas todos devemos procurar algo que mantenha ou gere mais empregos.

Há quanto tempo está sem publicar um novo livro e porquê?

O meu último livro de poesia foi há muito tempo lançado, um jejum público. Mas o meu dia-adia é rico de várias experiências fixadas nos meus diversos cadernos onde tenho os registos das minhas criações inéditas.
Ainda respiro a poesia nos dias de hoje, é a minha mediatária com o mundo. Eu até tenho muito espaço de inovação porque escrevo convocando os “sujeitos” imaginários, tenho ainda as máximas e agora as “lâminas de versos” que vão estar presentes em Nandja.

Como tem divulgado as suas criações e intenções neste período?

Eu sou um poeta sortudo, os títulos estão esgotados. Uso muito o teatro como plataforma de divulgação.

Tenho muitas obras levadas ao palco, com um total de mais de 14 mil espectadores, sendo mais de mil lugares de sala ocupados no Brasil. Estou a entrar na segunda fase do inédito intitulado Nandja.

Outrossim, em Setembro nomearei uma Comissão organizadora de uma antologia que reúna os meus poemas, poemas que marcaram as várias fases da minha criação poética. O tomo será muito substancial até para que não me preocupe com o processo de sistematização de conteúdos, um tomo que terá muita substância, porque vivenciei a geração de Jorge Macedo, Samuel de Sousa e agora de Sónia Gomes, membro da UEA, uma grande escritora de curta ficção.

Como surgiu a obra “O Sol Não Se Abre” e quanto tempo levou a ser preparada?

Escrevi numa semana, depois deixei dormir a obra durante duas semanas. Depois passei para a fase de fixação definitiva. Nessa fase é quando a visão crítica me leva as últimas alterações e acréscimos. Eu preciso sempre dessa última fase, quando sei como cada poema ficará na página, fase visual, direi.

E na fase mais sonora, onde mais recito é no WC e nos momentos em que fico na viatura à espera da esposa. Às vezes é preciso ela dizer sorrindo: “Homem, arranca”. Assim, sei que palavra ou vírgula deve ser mexida por travar a minha dicção e os gestos que vão de embalo.

Esse período de preparação tem sempre um momento de relação com a “música africana”. Não tenho o silêncio como condição criativa. No período criativo ouvi Young John e Tiwa Savage, canção Let Them Know; E Kelly com Oreque, Davido com 1 Milli, Simi com Duduke, Mr Eazi com Supernova, Dj Switch ft Wizkid com Good Vibes e as novas canções de Nonso Amadi, só para citar essas músicas.

Eu sempre presto muita atenção aos solos, imagino os sons como se fossem os meus lápis. Vai encontrar esse enlevo, melhor usar a palavra êxtase por ser mais usual.

Como está estruturada e o que retrata?

Quando crio, eu tenho sempre presente muitos personagens que vão marcando a estrutura filosófica do que escrevo, e, deixam um pouco da sua narrativa, apesar do plano ficcional. O Tiba quando pede para entrar é porque o poeta se perde em versos mais filosóficos, quando a existência não pode ser encarada como algo tão previsível. O poeta nessa fase é mais introspectivo, é também acusatório quando fala de Aires, quando fala do Bissopas, direi que eu preciso desses personagens que fazem a obra ser um espaço de egos insondáveis. E o Lénine cabisbaixo, nunca responde a nada. E vais encontrar a Nandja, apesar de ser ainda um projecto de livro, já anda pelos versos há muito como sinónimo de “amor” e muitas vezes interrompe a minha cadência mais fechada e espalha luzes entre os versos para que a leveza domine a nossa existência.

Quantos exemplares serão editados inicialmente e como serão distribuídos?

A tiragem é de mil exemplares. A UEA fará sair a publicidade de venda, e, devido ao isolamento, vou autografar os livros que os meus leitores solicitarem que a compra contemple umas palavras minhas.

Onde e quando será realizada a sessão do lançamento da obra?

Está a ser aqui e agora, pela sua mão cheia de perguntas. E por ser um jornal digital que todos os dias faço girar com o meu dedo indicador, só posso agradecer por me terem dado essa honra tão grande.

Como está a viver estes momentos que antecedem o lançamento do livro?

Já li mais de cem vezes o livro depois da sua impressão e a emoção é sempre indescritível. É saber que a tua voz está aí, voz eterna. Mais até porque num primeiro plano, os que leram O Sol, ainda na fase de criação, confessaram que algo de especial pude trazer para o conjunto das minhas obras. Uma analista confessou: “Adriano, chorei!” e outro leitor privilegiado considerou que ao juntar num conceito teórico o que agora escrevi e outras obras poderia dizer que se trata de uma “corrente”, de um “sistema”.

Tanto a Joelma, como a Inocência Mata, ilustres ensaístas, escreveram algo que se aproxima dessa constatação. Mas não tive um ido propósito, desde os meus doze anos que eu sabia que aqui chegaria numa poesia que pudesse ser algum palpitar.

A quem caberá a apresentação da obra?

A obra tem apresentações de renomadas figuras do ensaio. Assinatura crítica da Ana de Sá, Jurema Oliveira e Akiz Neto. Acredito que outros estudiosos pegarão na obra para poder dizer algo que eu possa igualmente ser surpreso, poder dizer algo que só alguém equidistante pode referenciar.

Fale-nos pouco mais desta prestigiada obra que continua a ser aguardada com muita expectativa pelos seus confrades, amigos e os leitores.

Eu tiraria a palavra “prestigiada”, trata-se do carinho do jornalista.

O que eu posso dizer é que toda a obra deve ser capaz de tocar a alma nem que seja de um único leitor e se foi o seu caso só me posso orgulhar.

Eu há muitos anos passei por uma loja e sobre o balcão vi a obra Emoções, já toda rasgada, sem capa, cheia de manchas. Perguntei a vendedora por que não deitava fora a obra que parecia ter sido tão maltratada. Ela virou-se para mim e disse: “Não, não fale assim, essa obra é bálsamo para a minha vida”.

Eu confessei que era o autor. “Não, não pode ser”. Mostrei o meu BI. Recebi um abraço cheio de lágrimas. Os livros são saidas, são interrogações e quando entram em nossas vidas os escritores só devem continuar a ousadia criativa na qual nos tornamos em vários “eus”.

Que avaliação faz do mercado livreiro neste período de pandemia?

Eu acho que vamos ter boas obras para alegria comercial dos livreiros. Sou muito grato pelo que a Ana de Sá diz no prefácio.

São tempos assim que podem produzir grandes obras. Eu deixo como exemplo o meu livro Tábua, pela saga que vivi na cadeia de São Paulo, após Maio de 1977. É um livro cujos versos já estavam guardados no meu âmago. Corsino Fortes, um grande poeta cabo-verdiano, apertou-me as duas mãos e com lágrimas nos olhos confessou que viveu muitas insónias durante a leitura. Eu respirei fundo, e, se alguém mais respirar fundo ao ler a presente obra só me posso sentir feliz.

Qual será o próximo trabalho e o que retratará?

“Nandja” é sobre a paixão. Já está numa fase de “Eu quero sair”. É como uma voz dolente que não é minha enquanto poeta, pode até parecer estranho. Eu quando terminei Tábua, ouvi a voz do meu irmão Aires dizendo: “Não te perdoo se não levares Tábua a concurso”. Chorei muito, muito mesmo quando recebi o prémio. As catarses nas sociedades não são fáceis. Agora tenho o ingente apelo de Nandja que tratarei de dar vida até Setembro. Aliás ela está presente em o Sol Não se Abre, dizem-lhe num verso “…tu podes/ sempre imaginar como todos os dias eu vou deixando/ alinhadas as escadas que a vida muitas vezes não deixa/ terminar”.

Percurso e obras

Político e escritor angolano, Adriano Botelho de Vasconcelos nasceu em 1958 na província de Malanje. Foi militar e exerceu o cargo de Comissário Político das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), e de Adido Cultural, em Portugal. Adriano Botelho de Vasconcelos fez o curso de Administração e Comércio e o Politécnico de Gestão em Portugal.

Esteve ligado a várias actividades de desenvolvimento comunitário no exterior do país. Viveu quase uma década num exílio consentido e, talvez por esta razão, a sua poesia tenha muito de cosmopolita. Adriano Botelho de Vasconcelos, começou a escrever na 4ª classe. A sua proposta de escrita, considerada pela família como surrealista, não levou propriamente em conta o drama da colonização.

A 14 de Dezembro de 2003, foi reeleito Secretário-geral da União de Escritores Angolanos. Enquanto poeta, Adriano Botelho de Vasconcelos, escreveu as obras “Voz da Terra” (1974), “Vidas de Só Revoltar” (1975), “Células de Ilusão Armada” (1983), “Emoções Poesia” (1988), “Anamnese” (1989), “Abismo de Silêncio” (1992), e “Tábua” (2004, sob o pseudónimo Aires) com a qual foi galardoado com o Grande Prémio Sonangol de Literatura (2003).

Vertente poética

Foi na sua vertente poética que Adriano Botelho mais se permitiu dar voz ao “outro”, opondo-se ao princípio estilístico da estandardização da linguagem angolana.

Em Lisboa, durante a sua estadia, Adriano Botelho lançou o Jornal Angolê, Artes e Letras, no Porto. Reuniu mais de 200 especialistas de Literatura Angolana – encontro muito concorrido, que possibilitou ao poeta a organização de textos sobre a obra de Agostinho Neto. Com mais de 500 páginas e intitulada A Voz Igual, Ensaios sobre Agostinho Neto, a obra reuniu mais de 24 especialistas actuantes em várias Universidades dos diversos recantos do mundo.