Distopias : Em 2022, vão gostar?!

Distopias : Em 2022, vão gostar?!

Vivemos tempos muito interessantes. Complicados, mas interessantes. Muito interessantes mesmo. Tempos de pandemia que se cruzam com o aumento de dificuldades, com preços que sobem sem controlo, com o valor proibitivo do câmbio (usd e euros). Tempos de liberdade de expressão que convivem paredes- meias com críticas cerradas a quem incorpora (oficialmente) essa abertura (presidente da República), tempos de cada vez mais gente insatisfeita, nomeadamente jovens (o que terá começado num grupo de jovens, agora parece tratar-se de um movimento, uma onda que tende a agigantar-se), que têm o já célebre “em 2022, vão gostar!” como mote. E, bem entendido, alerta para a governação! Tempos de contradições e ambiguidades. Tempos de mudanças e de incertezas, de desacerto entre o passado e o presente, tempos de um futuro melhor que tarda em chegar. Vivemos tempos em que somos obrigados a andar de máscara mas, paradoxalmente ou talvez não, tempos em que caiem as máscaras de um passado-presente errático e pejado de contradições. Vivemos tempos de desmascaramento – bem precisávamos! – que, se for “usado” com inteligência, poderá ser assisadamente usado em benefício da governação, entenda-se, das populações.

Há já alguns anos (bem largos), escrevi um artigo/crónica com o título “uma vida normal” em que defendia que os angolanos, o que queriam, era ter uma vida normal. Hoje, dizemos, um pouco à semelhança do mundo inteiro, que queremos voltar à vida normal! Voltar a ter uma vida normal! É este o sentimento, o desejo manifestado um pouco por todo o mundo. Se quisermos traduzir essa normalidade de que tanto se fala, diremos que todos nos queremos ver livres das máscaras, queremos abraçar(monos), beijar, ir, estar e fazer o que quisermos, conjugar estes e mais verbos em todos os tempos e sem quaisquer reservas/restrições. Entretanto, fala-se de uma “nova normalidade” para referir à “convivência” com o vírus. Subjacente a esta “nova normalidade”, a esta “convivência”, estão os alertas para os perigos e cuidados a ter, a prevenção que continua a ser o ponto nevrálgico da cadeia de infecção que importa contrariar. E hoje, as questões que se colocam são: que normalidade queremos? De que normalidade precisamos?

Sabido que é não estarmos a viver nem se avizinhar nenhuma revolução, aquilo que é chamado de (nova) normalidade – e aqui é importante referir que muito do considerado normal era/é anómalo – deve e tem que trazer consigo novas atitudes e comportamentos. Novas atitudes e comportamentos para ficarem. E refiro-me muito particularmente aos relativos à dimensão higiénico-sanitária, muitas vezes descuidada (um pouco por todo o mundo), nomeadamente na restauração. No nosso caso, escusado será estarmos com paninhos quentes para referir à deficiência, não poucas vezes ausência de limpeza em escolas/uni- Elisabete Ceita Vera Cruz* versidades, hospitais, centros de saúde, ministérios, empresas públicas e privadas, a imundície de muitos estabelecimentos comerciais – sobretudo em espaços como restaurantes, padarias, pastelarias, hotéis, mini/supermercados… No nosso caso, escusado será dizer que a grande protagonista desta pandemia é a água, um direito humano, consagrado plea ONU. Água que escasseia, água para poucos quando deveria ser para todos, água em baldes, água insalubre, águas paradas, água cara, água rara, como canta Bonga.

Em vésperas do regresso às aulas e em que o governo (central), e em particular o Ministério da Educação pretende insuflar sementes de esperança aos pais, aos encarregados de educação, devemos, temos, tal como os semáforos, que funcionar tendo como referência 3 momentos ou eixos: parar, pensar e agir. Na verdade, cada um dos momentos não existe isoladamente. Entre a existência de máscaras, a limpeza e desinfecção das salas de aulas entre os turnos, a garantia do necessário e exigido distanciamento físico, a pergunta que todos queremos ver respondida é: há, pelo menos, água para todos (os alunos)? Há água para lavar as mãos, para colocar na sanita e para beber, para todos? E sabão? E papel higiénico?

Imagino que os políticos e decisores deste país estejam esperançados, alguns animados de boa vontade, mas isso não basta. Os angolanos querem mais. Exigem cada vez mais. Estão cansados de palavras (já vêm cansados de trás). Ocas. Enquanto escrevo estas linhas, os 3 anos de João Lourenço como PR são publicitados pelas tvs (é claro que não pela zap). Até poderiam ser, mas não do modo como está a ser feito, pois parecem ser muito parecidos com o que se fazia no passado (e refiro-me ao anterior PR). Essa reedição de práticas de cortejamento, de adulação, não beneficia em nada a democracia angolana, e tão-pouco o PR. Parece-me que tem faltado engenho, sobretudo ao partido no/do poder. Engenho para interpretar, para compreender e para fazer. Os cientistas sociais têm uma riqueza, um manancial de temas, reflexões, estudos sobre Angola por realizar.

Para os cientistas sociais, todos os tempos são interessantes e carecem de ser analisados. Estudar, compreender Angola nas suas diferentes matizes é não somente necessário e urgente, como também, permitam-me a expressão, “delicioso”. Estes tempos que agora vivemos são, sem sombra de dúvida, um regalo. É comum ouvir os artistas (nomeadamente actores) dizerem- se felizes e abençoados por poderem aliar o prazer, o desfrute ao trabalho, à sua profissão. Se no passado já era, os últimos 3 anos só vieram dar ainda mais input a esse prazer de ser cientista social. É assim que, pelo menos eu, me sinto no desempenho do meu trabalho e, a par do desfrute, espero que tal como referiu (e vou citar) Obama no elogio fúnebre a John Lewis, que Angola e os angolanos se rejam com base na “(…) ideia de que qualquer um de nós, pessoas comuns sem nenhum cargo, riqueza, título ou fama, podem apontar as imperfeições desta nação e unir-se e desafiar o status quo e decidir que está ao nosso alcance refazer este país”. Professora e Investigadora

POR: Elisabete Ceita Vera Cruz